14 de setembro de 2018

Um senhor ciclista que tomou as rédeas do seu destino

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Um senhor ciclista. Simon Yates olhou para o Giro e inverteu a sua táctica. Em três semanas é sempre importante não começar mal, não ter nenhuma grande quebra a meio, mas o essencial é mesmo acabar bem. Yates está a acabar muito, muito bem. Que ciclista emocionante de ver foi o britânico numa subida longa, em que até se esperava que pudessem ser feitas diferenças, mas poder ser a que decide a Vuelta, não estava nas expectativas... Mais um pormenor inesperado nesta corrida tão recheada deles. Não está ganha, mas o maior de inimigo de Yates é ele próprio quando faltam os 97,3 quilómetros mais esperados.

Não houve planos, nem pretensões de conseguir colocar a vantagem de 25 segundos em 1:38 minutos! Yates seguiu os instintos, pois este britânico não segue o exemplo calculista de um popular compatriota da Sky que tanto gosta de olhar para o potenciómetro, ele que pode suceder precisamente a Chris Froome no historial de vencedores da Vuelta. Yates está a afirmar o seu estilo, a sua forma de estar, a sua forma de não ficar à espera de ninguém e de tomar as rédeas do seu destino. Se se sente bem, ataca. Foi o que fez. Admitiu que foi o momento que lhe pareceu ideal para o tentar fazer. Ainda faltavam mais de nove quilómetros. Mas foi a altura mais do que certa.

Jack Haig tinha sido fenomenal quando Nairo Quintana atacou para preparar caminho para Alejandro Valverde, ou talvez ele próprio reentrar na luta pelo menos pelo pódio. Porém, foi o gregário de Yates quem preparou o melhor caminho para o seu líder e nem foi preciso Adam Yates entrar ao trabalho. Mais força fica para sábado. A Movistar saiu derrotada em todas as frentes. Tentou o abanico, Yates assustou-se, mas fechou o espaço.Na subida final, Quintana não só não conseguiu que o seu ataque abanasse Yates, como ainda viu o britânico apanhá-lo e quando foi ajudar Valverde, foi nessa altura que a diferença começou a aumentar para a frente da corrida. Nada correu bem a Quintana nesta Vuelta e nesta 19ª etapa até furou na última subida, só para completar a lista do que não correu bem ao colombiano.

Yates foi aquele ciclista que nas duas primeiras semanas de Giro não deu hipóteses. Na Vuelta deixou o melhor para o fim e se não falhar, se não tiver nenhuma quebra, nenhum azar, talvez desta vez o que parece ser pode mesmo realizar-se na Volta a Espanha: Yates vencer a sua primeira grande volta.

Não se pode dar mérito apenas ao britânico da Mitchelton-Scott. Os companheiros de ocasião foram essenciais para que a vantagem crescesse tanto. Thibaut Pinot (Groupama-FDJ) ajudou a pensar na vitória de etapa - a segunda ficou garantida para o francês - e para aproveitar subir na classificação. Passou de nono para sétimo. Mas foi Steven Kruijswijk o outro grande vencedor do dia.

Tinha-se aqui dito que o holandês precisava de se mostrar na alta montanha ao nível que tinha apresentado no contra-relógio. O holandês da Lotto-Jumbo fez isso mesmo e está novamente no pódio. Não foi quem mais ajudou Yates e até quebrou, mas o trio pegou nos seus interesses individuais e trabalhou em conjunto para os concretizar. Todos ficaram felizes no fim. Kruijswijk está a 1:58 de Yates e Valverde ficou à distância de 20 segundos.

Mau dia para os ciclistas espanhóis com Enric Mas (Quick-Step Floors) a não conseguir estar tão forte como em dias anteriores. Escapou-lhe o terceiro posto e a ambição de surpreender ainda mais fica agora para trás. Sábado irá à procura de um pódio que ficou a 17 segundos.

Se na 20ª e penúltima etapa já se esperavam ataques, perante as diferenças e sabendo que não haverá mais oportunidades, não há tempo para se ser conservador. Atacar é a solução, esperando Valverde sentir-se melhor, ele que mais uma vez não se deu com altitudes acima dos 1500 metros.

O pleno britânico nas grandes voltas está perto de se concretizar. Chris Froome, Geraint Thomas e agora Simon Yates poderá estrear-se, tal como Thomas, nestas vitórias. Tem apenas 26 anos e todo o trabalho da Mitchelton-Scott em criar um vencedor deste nível poderá finalmente concretizar-se.

No entanto, é necessária uma última demonstração de classe de um ciclista que este ano demonstrou tê-la em abundância e que depois de lhe ter faltado maior inteligência táctica e de gestão de esforço, em seis meses assimilou as lições do Giro para não repetir o desgosto. Talvez seja um dia em que possa tentar controlar um pouco mais os adversários, ser um pouco mais calculistas, ainda que para Yates a melhor defesa seja mesmo o ataque.

Faltam 97,3 quilómetros com uma segunda, três primeiras e uma terceira categoria antes da última rampa da Vuelta. Uma categoria especial para terminar, como só poderia ser numa corrida como esta Volta a Espanha. O pelotão arrancará de Andorra e o Coll de la Gallina definirá se Yates aguentará a última investida dos adversários - Valverde prometeu não atirar a toalha ao chão - ou se esta Vuelta tem uma derradeira surpresa para revelar.

Coll de la Gallina tem uma contagem de montanha de 3,5 quilómetros, mas a subida começa antes. Na fase final, serão rampas de 11%, 7% e 9%. Sendo uma etapa tão curta, será uma espécie de sprint para os trepadores. A etapa poderá ser vista na íntegra no Eurosport e a TVI24 também irá começar a sua transmissão mais cedo do que o habitual para que não se perca nada da muito aguardada etapa da Vuelta.


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