26 de setembro de 2018

Isso não se faz a um campeão do mundo!

(Fotografia: © BettiniPhoto/Facebook Mundiais de Innsbruck-Tirol)
Não foi nada de inesperado ver Tom Dumoulin e Rohan Dennis decidirem entre eles o título de campeão do mundo de contra-relógio. Muito pelo contrário. Desta feita, confirmaram-se as expectativas nesse aspecto. O que não se esperava era que o australiano fosse tão avassalador na sua exibição, que se pode dizer que não houve rival à altura. Nem do que até àquele momento era o campeão em título. O rosto de Dumoulin dizia tudo. Não só perdeu, como não conseguiu estar ao nível de um Dennis que finalmente alcançou a perfeição, depois de anos a ambicionar uma camisola do arco-íris, numa especialidade de que não se tinha dúvidas que era de facto um dos melhores do mundo. Agora já tem o título que o "oficializa".

Aos 28 anos conquistou a vitória que não esconde que andava a perseguir desde o escalão de juniores. O mais perto que tinha ficado foi em 2012, enquanto sub-23, quando 44 segundos o separaram do então campeão Anton Vorobyev. Na elite, por uma ou outra razão, nem no pódio Dennis conseguiu ficar. "Nunca tinha ganho em nenhum escalão, por isso, vencer o meu primeiro [título] como sénior é mesmo especial", desabafou um Dennis que estava tão feliz, como aliviado de ter alcançado um objectivo de carreira.

Estava a transformar-se num eterno favorito que nunca confirmava esse estatuto, mas 2018 foi grande parte dedicado a preparar os Mundiais, a pensar neste contra-relógio de Innsbruck. Se em Bergen claudicou na subida, desta feita mostrou que o trabalho de casa foi feito e muito bem feito. Esteve praticamente imbatível nos contra-relógios esta temporada - seis vitórias até aos Mundiais - e fecha com uma camisola de arco-íris que deixa mais pessoas a esfregar as mãos de contentamento.

Se o talento estava lá, a verdade é que foi na BMC que o aprendeu a explorar no seu máximo. Foram quatro temporadas e meia numa equipa que o transformou num dos melhores do mundo, mas que quando finalmente vê o seu ciclista alcançar o melhor prémio, este vai vestir a camisola do arco-íris para outra equipa. Ganhou também a Bahrain-Merida com o triunfo de hoje, pelo menos no futuro protagonismo. Fica o mérito de quem na BMC o ajudou. A equipa americana perdeu o seu patrocinador, mas vai continuar agora com a CCC. Porém, chegou tarde a confirmação do futuro da estrutura e Dennis já tinha optado por partir para outro desafio.


(Fotografia: © BettiniPhoto/Facebook Mundiais de Innsbruck-Tirol)
E agora fica a questão de quantos mais títulos poderá este ciclista ganhar, ele que ainda não desistiu de se tornar num voltista, apesar de continuar a convencer muito pouco que possa vir a discutir uma corrida de três semanas.

A sua exibição de hoje foi muito mais do que de um excelente contra-relogista. Foi de um exímio contra-relogista, daqueles que marcam a especialidade. Já foi recordista da hora, é agora campeão do mundo. Falta confirmar-se então como ciclista das grandes voltas, como já fez Tom Dumoulin, com o triunfo no Giro e os segundos lugares também em Itália e no Tour.

O holandês não esteve no seu melhor. Talvez, um Giro e um Tour feitos para ganhar e os pódios que alcançou tenham tido o seu peso. Mas Dumoulin não esteve mal, senão não teria terminado no pódio. Dennis é que esteve bem de mais para todos os outros. Completou os 52,5 quilómetros em 1:03:02 horas, a uma média de 49,9 quilómetros horas, menos 1:21 minutos que Dumoulin, que com o segundo lugar, conta agora com todas as medalhas em mundiais no contra-relógio, ainda que esta de prata vai custar olhar para ela, nos tempos mais próximos. "Não fui suficientemente bom", admitiu o holandês, que não escondeu não se ter sentido bem durante o longo percurso.

Olhando para o historial do contra-relógio, diferenças mais altas são da autoria de um suíço que deixou saudades. Em 2009, Fabian Cancellara venceu o sueco Gustav Erik Larsson por 1:27 minutos e em 2006 deixou David Zabriskie a 1:29. Mas nenhum era campeão do mundo como Dumoulin. Nesse aspecto, quando Tony Martin venceu o seu quarto título e "tirou" a camisola a Vasil Kiryienka, o alemão deixou o bielorrusso a 45 segundos.

Este foi um resultado para a história por parte de Rohan Dennis, de um dos contra-relógios mais longos. E se como voltista ainda não se afirmou, como contra-relogista foi um título mais do que merecido, ainda que dê vontade de dizer: "Isso não se faz a um campeão do mundo Dennis!" Haverá tempo para um ajuste de contas por parte de Dumoulin, numa rivalidade muito particular para os próximos tempos.

Ainda não foi desta para Nelson Oliveira


(Fotografia: © BettiniPhoto/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Mais um top dez para Nelson Oliveira. Depois de ter ficado à porta do pódio em Bergen, o ciclista português foi quinto. Tal como no ano passado chegou a ter o tempo mais rápido, mas, desta feita, nem deu tempo para se sentar no trono. Ficou a 2:14 de Dennis, sendo batido por um super australiano, um campeão do mundo (Dumoulin), um bicampeão europeu - e que fez o contra-relógio da sua vida, pois não se esperava que estivesse tão bem com a difícil subida no percurso - (Victor Campanaerts) e houve ainda Michal Kwiatkowski que foi quarto. Quanto ao polaco, basta dizer que simplesmente não sabe correr mal.

"Hoje deixei tudo na estrada. Sabia que tinha de dar o máximo para representar estas cores e estou satisfeito. A condição física é boa e senti-me bem num contra-relógio em que a primeira parte era muito complicada para mim e na qual era necessário regular bem o esforço para que o troço final me corresse melhor. Foi isso que fiz. Dei o meu máximo, mais do que isto era complicado fazer. Os adversários foram muito mais fortes do que eu, mas vou continuar a sonhar para um dia chegar às tão desejadas medalhas", referiu Nelson Oliveira, citado pela Federação Portuguesa de Ciclismo.

Estamos perante um dos melhores da especialidade, mas a medalha teima em não chegar para o português, não ajudando que seja um ciclista obrigado a trabalhar para os líderes da Movistar, não podendo preparar uns Mundiais como Dennis ou Dumoulin podem. Mas neste tipo de provas, tudo pode acontecer. Campanaerts foi a prova disso em Innsbruck.


(Fotografia: © BettiniPhoto/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Mas este ano houve outro português em prova, o bicampeão nacional Domingos Gonçalves, numa nova experiência para o ciclista da Rádio Popular-Boavista. Foi 41º, a 6:29 do vencedor. "Encontrei aqui outra realidade, os adversários têm um ritmo que, de momento, não está ao meu alcance. Senti falta de ritmo e acusei um pouco nunca antes ter feito um contra-relógio tão extenso. A seguir à subida comecei a ter cãibras", afirmou o gémeo de Barcelos, que utilizou uma bicicleta idêntica às da Katusha-Alpecin, equipa do irmão José.

Arrancam as corridas de fundo

Ponto final nos contra-relógios. Esta quinta-feira começam as corridas de fundo. Da parte da manhã serão as juniores femininas (8:10), da parte da tarde serão os rapazes do mesmo escalão (13:40). Esta última terá a participação de dois portugueses, os mesmos que fizeram o contra-relógio: Afonso Silva e Guilherme Mota.

A corrida terá 126,8 quilómetros e um acumulado de 1916 metros. Antes da entrada no duro circuito de Innsbruck, que será percorrido duas vezes, o pelotão terá algumas dificuldades pela frente. A primeira selecção deverá acontecer aos 70 quilómetros, quando se subir Gnadenwald, uma colina com 2,6 quilómetros e uma inclinação média de 10,5%, com vários troços superiores a 13%. No entanto, as maiores decisões deverão ficar guardadas para o chamado "circuito olímpico", a percorrer duas vezes, na parte final da prova. Os corredores terão de ultrapassar duas vezes a subida de 7,9 quilómetros com inclinação média de 5,7%, cujo topo fica a 13,9 quilómetros da meta.

Os dois ciclistas eleitos pelo seleccionador José Poeira são bons trepadores, pelo que a expectativa é para um resultado positivo.

Os campeões de Innsbruck até ao momento

Contra-relógio por equipas 
Feminino: Canyon SRAM Racing (Alemanha)
Masculino: Quick-Step Floors (Bélgica)

Contra-relógio individual
Juniores femininas: Rozemarijn Ammerlaan (Holanda)
Juniores masculinos: Remco Evenepoel (Bélgica)

Sub-23 masculinos (não há este escalão para as raparigas): Mikkel Bjerg (Dinamarca) - renovou o título

Elite feminina: Annemiek van Vleuten (Holanda) - renovou o título
Elite masculina: Rohan Dennis (Austrália)

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