15 de setembro de 2018

A vitória da nova geração

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Alejandro Valverde é um senhor no ciclismo. Quando se pensava que já não voltaria a estar numa disputa por uma grande volta, eis que surge numa forma invejável, ainda mais tendo em conta a sua idade. Aos 38 anos, continua a ser dos ciclistas mais fiáveis que uma equipa pode ter. Porém, é humano como todos os outros e quebrou como tantas vezes se vê acontecer com os melhores. E nem é uma questão de idade. É uma questão de ser um atleta. Simon Yates que o diga. Há quatro meses viveu o mesmo pesadelo de ver escapar-lhe uma grande volta, ele que até era o líder. Num ponto a idade faz diferença: Valverde não sabe se terá mais oportunidades como esta Vuelta, Yates sabia após o Giro que tinha tempo para tentar de novo.

Em Espanha esperou-se pelo triunfo de uma das referências, mas o que aconteceu foi o aparecer da nova geração, com um espanhol entre um trio de enorme futuro, o que compensou de certa forma a desilusão de Valverde não vencer e nem no pódio terminar. E principalmente descansou os muitos que temiam que a sucessão de Alberto Contador, Purito Rodríguez ou Valverde não parecia estar à altura destes nomes.

Haverá muita reflexão a fazer na Movistar, mas o dia pertence a Simon Yates e Enric Mas. Domingo o britânico receberá a atenção completa, mas pelo que o jovem espanhol fez, tem de ser um dos destaques da última etapa de montanha e mesmo da Vuelta.

Começando ainda assim por Yates. À medida que a curta tirada de 97,3 quilómetros por Andorra - com cinco subidas e uma sexta de categoria especial - ia avançado, num ritmo não muito rápido, tornava-se claro que Yates continuava muito bem. A Mitchelton-Scott controlou o andamento durante uma primeira fase, mas rapidamente foi só o irmão Adam que ficou com Simon, principalmente quando a Astana começou a preparar a jogada de López. Chegou ter Adam e nem teve de trabalhar tanto como se esperava. A 17 quilómetros da meta, Simon, que já muito tinha analisado a concorrência, percebeu que era o momento de atacar. É assim que corre. A lição que ficou do Giro não foi esquecida e tornou Simon Yates mais forte, mais completo. Geriu o esforço de forma perfeita. O Giro tornou-o num voltista, a Vuelta transformou-o num vencedor e a partir de agora tem-se a certeza que pode ganhar uma grande volta e não vai demorar começar-se a falar quando irá atacar o Tour.

O camisola vermelha juntou-se na frente da corrida a Miguel Ángel López, que muito tentou mexer na corrida. Enric Mas completou um trio - Nairo Quintana também estava na frente, mas acabaria por ter de esperar por Valverde - e com os objectivos dos três a encaixarem na perfeição - um pouco à imagem do que aconteceu na sexta-feira, mas com Thibaut Pinot e Steven Kruijswijk -, colaboraram e concretizaram o que pretendiam. López e Mas sabiam que com Yates nesta forma não iriam surpreender com uma vitória na Vuelta, pelo que apontaram ao pódio e lutaram entre eles pela etapa. Desta vez López ficou em branco, mas subirá ao terceiro lugar do pódio em Madrid. Enric Mas venceu a sua primeira etapa numa grande volta e fez um segundo lugar completamente inesperado.

O espanhol da Quick-Step Floors tem 23 de anos de muito talento. Por esta altura em 2017 em Espanha lamentava-se o adeus de Alberto Contador, que não deixava um sucessor claro. O próprio tinha alertado para Mas, um ciclista que conhece bem, pois passou pela equipa da sua fundação. No ano passado pouco se viu de Mas na Vuelta, agora é a revelação. Talvez um pouco mais. Pode mesmo ser a confirmação que a nova geração espanhola está aí. O seu feito é ainda mais notável quando está numa equipa que pouco aponta às classificações gerais em grandes voltas, pelo que Mas teve pouca ajuda, mas foi suficiente, pois soube bem como colocar-se no pelotão e procurar os momentos certos para subir na classificação e agora ganhar a sua primeira etapa numa corrida de três semanas.

Confirmada também está que a nova geração do ciclismo nas grandes voltas vai começar a ocupar o seu lugar de destaque. O pódio desta Vuelta é do mais jovem que se tem visto em anos recentes. Yates tem 26 anos, López, 24. Olhando para os pódios nas últimas edições de Giro, Tour e Vuelta, há sempre pelo menos um ciclista de maior experiência num dos lugares.

Este trio vai agora entrar na fase de ter de mostrar que não é por acaso que alcançou o sucesso na Vuelta. No caso de López é o segundo terceiro lugar consecutivo, depois de o ter feito em Itália, em Maio. Fica-se à espera que melhore no contra-relógio para que possa ser uma ameaça maior para vencer uma grande volta. Mas que dá espectáculo, isso dá.

López, Yates e Mas são idênticos na forma como encaram as corridas. Arriscaram, procuraram o resultado e não ficaram tão à espera do que poderia acontecer. Resultou. O conservadorismo saiu derrotado na Vuelta.

Se a este trio juntarmos um Tom Dumoulin, Primoz Roglic (um pouco mais velho, 28 anos, mas agora a afirmar-se nas três semanas), a melhor versão de Fabio Aru (ainda não se perdeu a esperança que o italiano vai confirmar o que mostrou quando venceu a Vuelta há três anos). E claro, os jovens que tal como Enric Mas estão agora a aparecer: Egan Bernal, Richard Carapaz, Marc Soler, Sam Oomen (para já preso ao papel de gregário de Dumoulin)... Podemos respirar fundo, pois não vai faltar qualidade nos próximos anos. E ainda poderemos ter o bónus de muitos serem precisamente ciclistas de ataque, de gostarem de mexer com as corridas, de assumirem os riscos. São sempre características apreciadas e que proporcionam espectáculo. Só mais um nome: Adam Yates. Talvez ver o irmão ganhar, motive o gémeo a também atingir um potencial que demonstrou ter, tal como Simon, como sub-25.

Fica ainda a nota de como Simon Yates ajudou a fazer um pouco de história. Pela primeira vez uma nação venceu as três grandes voltas com diferentes ciclistas. É o poderio da Grã-Bretanha a afirmar-se: Chris Froome venceu o Giro, Geraint Thomas o Tour - ambos ciclistas da Sky - e agora Yates a Vuelta. E feitas as contas são cinco conquistas consecutivas para os britânicos, já que Froome venceu em França e em Espanha em 2017.

Os derrotados

Alejandro Valverde foi o maior derrotado, pois de sonhar com a segunda conquista da Vuelta, acaba no quinto lugar, a 4:28 minutos de Yates. Que quebra teve o espanhol nestes dois dias decisivos. Com Nairo Quintana a já ter falhado antes, a Movistar sai da Vuelta com praticamente todos os objectivos falhados. Valeram as duas etapas ganhas por Valverde.

Segue-se Steven Kruijswijk. O forma iô-iô do holandês da Lotto-Jumbo nesta Vuelta custou-lhe o pódio. Tanto mostrou-se forte, como quebrou no dia seguinte. Sai derrotado, mas de cabeça bem levantada, pois foi uma excelente temporada para Kruijswijk. Quando parecia que iria perder protagonismo para os dois ciclistas em ascensão dentro da equipa, George Bennett e Primoz Roglic, o holandês renasceu com um quinto lugar no Tour e agora um quarto na Vuelta.

Tony Gallopin (AG2R) e Emanuel Buchmann (Bora-Hansgrohe) viram o top dez escapar nesta última etapa de montanha. O francês tem uma etapa que faz com que a sua Vuelta seja sempre positiva. O alemão mostrou que a equipa pode trabalhar mais com ele para o tornar num voltista de qualidade, mas falhar o top dez vai deixar um sentimento de frustração.

21ª etapa: Alcorcón-Madrid, 100,9 quilómetros



Falta a consagração de Madrid, numa Vuelta marcada por reviravoltas, incertezas, jogos tácticos, ciclismo de ataque e com o melhor a ficar guardado para o fim, muito por culpa de Yates, Enric Mas e López. Há ainda um Thomas de Gendt (Lotto Soudal) que venceu a classificação da montanha e foi um constante animador das etapas, tal como Bauke Mollema (Trek-Segafredo), que pode não ser um ciclista para ganhar uma grande volta, mas este lado de lutar por etapas e pela montanha, poderá ser uma vertente a explorar agora que a equipa irá ter Richie Porte para a geral. A correr assim, talvez Mollema tenha mostrado que não merece ser reduzido apenas a gregário.

Alejandro Valverde lidera nos pontos, mas no combinado é Yates quem está em primeiro. A Movistar subirá ao pódio como melhor equipa. Se no Tour fizeram desta classificação um objectivo, agora o director desportivo Eusebio Unzué terá dificuldade em esconder que não serve sequer de consolação. Enric Mas é o melhor jovem, ainda que na Vuelta esta classificação não existe, com apenas um dorsal vermelho a identificar este ciclista. Mas fica a distinção.

Falta saber quem vencerá a última etapa. Elia Viviani procura a terceira vitória de etapa, com Peter Sagan desejoso de celebrar um último triunfo com a camisola do arco-íris. O eslovaco já soma três segundos lugares e dois terceiros nesta Vuelta.

Dos portugueses, Nelson Oliveira (Movistar, 71º a 2:29:30 horas), Tiago Machado (Katusha-Alpecin, 79º a 2:48:01) e José Mendes (Burgos-BH, 84º a 2:57:10) vão chegar a Madrid, salvo algum imprevisto. José Gonçalves (Katusha-Alpecin) abandonou na 13ª etapa.

Pode ver aqui as classificações completas.

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