29 de setembro de 2018

Gestão de egos poderá fazer a diferença nestes Mundiais

Rui Costa é o líder da selecção portuguesa, com uma equipa unida
em seu redor (Fotografia: Federação Portuguesa de Ciclismo)
Se este é um dia sempre esperado na época de ciclismo, ter uns Mundiais com um percurso tão difícil e com tantos possíveis vencedores, tornou o de Innsbruck um dos mais atractivos dos últimos anos. Há sempre um leque de favoritos, uns outsiders, mas este ano pode-se colocar este tipo de rótulos por uma questão de divisão de estatutos, mas a verdade é que o percurso é tão imprevisível que se poderá fazer uma extensa lista de possíveis vencedores e ainda assim não acertar!

Os 252,9 quilómetros são simplesmente brutais, tendo em conta os 4670 metros de acumulado. Não, não são os Mundiais mais difíceis nesse aspecto. Ficam na 10ª posição no "ranking" da UCI. O top três é: 5844 metros de acumulado em Nurburgring (Alemanha) em 1966, 5460 em Duitama (Colômbia) em 1955 e 5349 em Chambery (França) em 1989. Os Mundiais mais complicados antes de Innsbuck foram em Lugano (Suíça) com 5145 metros, em 1996. 

O percurso da corrida de elite masculina será idêntico ao já feito pelas senhoras - a holandesa Anna van der Breggen conquistou o título que lhe faltava -, sub-23 e juniores. Haverá mais voltas no circuito, mas para terminar, a organização resolveu colocar uma curta subida que ameaça ser um autêntico inferno. A pendente chega aos 28%! Um autêntico muro, ainda mais complicado para quem levará mais de 200 quilómetros feitos a subir e descer. Se há um dia em que não serão permitidos erros ou momentos de fraqueza, este será um deles.

Gráfico da La Flamme Rouge
A primeira selecção poderá ser feita antes da entrada no circuito em Gnadenwald. Os menos dotados para subir poderão sentir dificuldades se o ritmo for alto. No entanto, serão as sete passagens em Patscherkofel (7,9 quilómetros,  com 5,7% de pendente média) que irão lançar definitivamente a corrida, principalmente para quem não queira chegar a Gramartboden com muita companhia. Estaremos então perante o referido muro. São "apenas" 2,8 quilómetros, mas com uma inclinação média de 11,5% e com certos metros  28%, que não aparecem assinalados no gráfico, mas estão lá!

Depois serão 8,5 quilómetros até à meta, com uma descida e muitas curvas a pedir que, apesar de todo o cansaço e por todo o inferno que os ciclistas já passarem, a concentração se mantenha sem falhas.

A corrida começa às 8:40 (hora portuguesa) e terá transmissão no Eurosport.

A extensa lista de candidatos

O normal é escolher-se cinco/seis nomes, acrescenta-se mais uns potenciais ciclistas a intrometerem-se na luta e assim se consegue fazer uma apresentação de candidatos. Este ano, Innsbruck torna também um pesadelo escrever sobre candidatos sem se ter um texto que fosse perfeito para ler numa longa viagem de comboio ou avião!

É uma corrida para trepadores, o que significa que Peter Sagan não deverá vestir a camisola do arco-íris pelo quarto ano consecutivo. Já o seu rival Greg van Avermaet até espera ser um joker, não parecendo demasiado assustado com as rampas que o esperam. Ainda assim, na Bélgica, é Tim Wellens e Dylan Teuns que surgem como referência.

Os principais nomes são então Julian Alaphilippe e Alejandro Valverde. Até à queda no Tour, Vincenzo Nibali parecia ter os Mundiais perfeitos para o título que lhe falta, mas a desatenção daquele fã que provocou a queda do ciclista no Alpe d'Huez poderá ter arruinado tudo o que o italiano mais desejava: a segunda Volta a França e a camisola do arco-íris. A ver vamos se o trabalho feito na Vuelta e nos dias seguintes foi suficiente para aparecer bem na Áustria. Também é a vitória que falta a Valverde.

Um dos desafios destes Mundiais será conseguir gerir egos nas selecções. A maioria irá com mais do que um ciclista que quer ganhar. Vejamos a França: além de Alaphilippe, há Romain Bardet, Thibaut Pinot e um Warren Barguil que num passado recente não foi muito um ciclista de equipa (foi expulso da Vuelta, em 2017, por não respeitar ordens para trabalhar na Sunweb). Na selecção espanhola talvez seja mais pacífico, mas será difícil segurar Enric Mas depois do pódio na Vuelta.

Quanto aos italianos, Nibali não se importará de dar uma ajuda a Gianni Moscon, caso não esteja bem, mas há ainda Domenico Pozzovivo que disse estar na forma da sua vida. E é colega de Nibali na Bahrain-Merida. A ausência de Fabio Aru acaba por tirar mais um candidato dentro desta equipa.


E o que dizer da Colômbia: Nairo Quintana, Rigoberto Uran e Miguel Ángel López. Quem vai ser o líder? E há ainda um Sergio Henao que também terá as suas ideias. Algum destes ciclistas estará disponível para trabalhar para um companheiro se se sentirem todos, ou pelo menos dois, em condições de ganhar? Talvez a corrida ajude a definir, mas este será um dos grandes pontos de interesse da prova.

Na Holanda a situação poderá ser mais pacífica, mas não totalmente. Tom Dumoulin é o líder. Porém, Steven Kruijswijk está a realizar uma época fenomenal (top dez no Tour e Vuelta) e Bauke Mollema esteve tão bem na Vuelta, que poderá tentar uma daquelas suas fugas. Há ainda Wilco Kelderman, cuja forma não foi a melhor na corrida espanhola (sofreu uma queda nos Nacionais que o tirou do Tour) e um Wout Poels que em dia sim, "dá um murro na mesa" e parte para o ataque.

Das principais selecções, talvez seja a da Grã-Bretanha que tenha os líderes bem definidos: os irmãos Yates são a aposta, com Simon com um natural favoritismo depois da vitória na Vuelta. Chris Froome e Geraint Thomas abdicaram dos Mundiais, o que acabou por facilitar a definição da equipa, ainda que sejam dois ciclistas que muito se esperava ver em Innsbruck. Atenção a Simon Yates é mesmo um forte candidato.

Mais dois nomes, agora polacos: Michal Kwiatkowski (o homem que anda bem o ano inteiro e já campeão do mundo, em 2014) e Rafal Majka, este último sempre uma incógnita, já que tanto aparece bem, como simplesmente desaparece. Entre os que não há dúvidas que serão os líderes das suas equipas temos Primoz Roglic. Cuidado com o esloveno. Colocá-lo ao nível de favoritismo de Valverde e Alaphilippe não é exagerado. Nem fez o contra-relógio para se concentrar apenas na corrida de fundo, ainda que tenha magoado o braço numa queda, o que lhe dificultava a posição necessária para o esforço individual.

Temos ainda Daniel Martin (Irlanda) e alguma curiosidade para ver o jovem equatoriano Richard Carapaz. George Bennett (Nova Zelândia), Bob Jungels (Luxemburgo), Emanuel Buchmann e Max Schachmann (Alemanha), Jakob Fuglsang (Dinamarca), Ilnur Zakarin (Rússia), Ben King (EUA) - venceu duas etapas na Vuelta. Numa lista de possíveis outsiders, inclui-se dois checos: Jan Hirt e Roman Kreuziger.

No final se ganhar um ciclista que não foi referido, não será uma surpresa. É por isso que estes são uns Mundiais tão esperados. Não há vencedores anunciados. Nem uma lista reduzida de possíveis candidatos. Este domingo em Innsbruck, tudo é possível.

Portugueses apontam ao top dez

Esta é uma das selecções que não deixa dúvidas que é Rui Costa, o campeão mundial de 2013, o líder. Não foi a melhor das temporadas para o poveiro, muito por culpa de uma lesão no joelho. Pela primeira vez desde que está no World Tour, não fez nenhuma grande volta numa temporada. Talvez por isso tenha um discurso cauteloso: "Fiz tudo o que estava ao meu alcance para preparar esta corrida. O facto de não ter corrido muito pode ser uma desvantagem, mas acredito que me encontro bem. Não como estarão os adversários, mas espero estar com os melhores. A subida mais longa é muito difícil na segunda metade. A última subida é qualquer coisa de brutal. Vai ser muito complicada, de tal maneira que optei por usar um andamento de 36x32. Vai ser complicado chegar ali com sete horas de corrida e dar o máximo. Não é uma escalada que me seja favorável, pelo que, ao longo da prova, terei de estudar uma táctica que me favoreça."

Sendo reconhecidamente um dos melhores ciclistas a nível táctico do pelotão, Rui Costa contará com um trio de colegas que o muito poderá ajudar. Nelson Oliveira, Tiago Machado e o jovem Ruben Guerreiro irão tentar garantir que a colocação e a protecção seja a melhor possível. O seleccionador José Poeira aponta a um possível top dez e Rui Costa nunca virou a cara às adversidades. Tem o palco perfeito para regressar às grandes exibições, mesmo que aquela última subida não seja ao seu jeito. Mas a verdade, é que não é ao jeito de muitos.

Tiago Machado esteve muito bem na Volta a Espanha, entrando em fugas, sempre à procura de dar à Katusha-Alpecin uma alegria. Nelson Oliveira foi o fiel homem de trabalho de sempre, numa Movistar que não se entendeu com dois líderes (Quintana e Valverde). Chega a esta corrida com algum desgaste devido à participação no contra-relógio colectivo e individual, mas é de esperar que volte a ser importante ao lado de Rui Costa, tal como tem sido na selecção e o foi quando ambos coincidiram na então Lampre-Merida.

Ruben Guerreiro é o mais jovem do quarteto (24 anos), mas experiência ao mais alto nível não lhe falta. Teve novamente uma época com altos e baixos, mas as últimas semanas foram de altos, pelo que estando em forma tem um percurso que lhe assenta bem.

As ausências

Além de Froome, Thomas e Aru, também Mikel Landa será uma ausência de nota. O Tour não lhe correu de feição e uma queda na Clássica de San Sebastian tirou-o da Vuelta e foi o próprio ciclista a retirar-se da pré-convocatória da selecção espanhola. O mesmo aconteceu com Richie Porte, mais um ciclista com uma queda no Tour a prejudicar-lhe a temporada. Não se apresentou nada bem na Vuelta e optou por falhar os Mundiais, deixando a Austrália sem líder e com poucas hipóteses de fazer a dobradinha depois de Rohan Dennis conquistar o título no contra-relógio. Dennis estará na prova de fundo.

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