2 de setembro de 2018

Pouca acção, muito estudo e uma Vuelta com poucas certezas

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Não há como esconder. A subida à La Covatilla desiludiu. Fez lembrar como no Giro de 2017 muito se esperou da etapa do Etna e depois o vento fez com que todos os candidatos ficassem quietinhos. Na La Covatilla também houve vento, mas até se viram movimentações. Poucas. Houve mais uma tentativa de estudarem como estavam os adversários, sem quererem eles próprios abrir muito o livro, com uma ou outra excepção, Kelderman à cabeça. Nesta altura, talvez as forças estejam muito idênticas, ainda que, aí sim, como esperado, já se percebeu um pouco quem pode não ser tão candidato como inicialmente previsto. Mas ao fim de uma semana, nova dias, mais precisamente, as certezas são poucas nesta grande volta. E ainda bem!

Mesmo sem muita acção, ou então muito concentrada nos últimos dois quilómetros (e foram 200,8) percebeu-se que Michal Kwiatkwoski poderá ter a longa época, sempre a um nível elevado a passar-lhe a factura. Que bem ia o polaco da Sky nos primeiros quilómetros dos cerca de nove da subida. Porém, foi como se o combustível de repente terminasse. Com David de la Cruz também a sofrer, acabou por ser Kwiatkowski quem deixou fugir a disputa desta Vuelta. Perdeu 2:04 minutos para o primeiro grupo de candidatos a cortar a meta, liderado por Miguel Ángel López (Astana). Na geral são agora 2:10 para recuperar. Não se pode eliminá-lo por completo, mas as indicações não foram boas no primeiro grandes teste. De la Cruz minimizou perdas, mas também perdeu mais de meio minuto.

Fabio Aru. O que é feito daquele Aru que em 2015 fez Alberto Contador suar para ganhar o Giro de 2015 e que nesse mesmo ano ganhou a Vuelta? Do Aru lutador, que em 2017 fez algo nunca visto: tirou a camisola amarela do Tour a Chris Froome, ainda que o britânico a recuperasse pouco depois? O italiano está a 1:08 da liderança, o que não é grave, mas o pouco que se viu dele, lá estava em esforço para aguentar um ritmo que parecia ser demasiado para ele. Como acabou por ser uma exibição de "menos mal", Aru tem tempo para ir subindo de forma e ainda aparecer nesta Vuelta, algo essencial para quem está a realizar uma época tão fraca na UAE Team Emirates, com destaque para um Giro muito, muito mau.

Steven Kruijswijk e George Bennett (Lotto-Jumbo), Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), Tony Gallopin (AG2R) e mesmo Emanuel Buchmann (Bora-Hansgrohe) - que caiu um lugar, para quarto - deixaram escapar o grupo da frente, mas perder pouco mais que 20 segundos deixa-os entre os que realizaram uma exibição expectável. Estão na luta e é o que queriam garantir na La Covatilla.

Entre os espanhóis, sinal positivo de Ion Izagirre (Bahrain-Merida), que terminou no grupo da frente de candidatos, sinal menos positivo de Alejandro Valverde. O ciclista da Movistar fraquejou um pouco, chegando com Pinot e os restantes ciclistas referidos em cima. Mas para quem tinha a camisola vermelha a 37 segundos, em Espanha queria-se mais. Mas por um segundo, a liderança escapou. O próprio assumiu as dificuldades que sentiu. É curiosa a crónica no jornal Marca que, mesmo tendo Valverde completamente na luta pela Vuelta, a sua fraqueza momentânea faz com que o jornalista lhe peça para ajudar Quintana e pensar em poupar força para o Mundial, uma das poucas grandes vitórias que lhe falta no seu invejável currículo. Afinal já ganhou duas etapas nesta Vuelta, o que para a maioria significaria ter a corrida mais do que feita. O Bala é que não parece querer desistir já da geral. Desistir não faz parte do seu vocabulário.

Quanto a Quintana, há um misto de sentimentos. Por um lado foi ele que com Miguel Ángel López (Astana) acabou por mexer num grupo que ia num ritmo elevado a ver quem cedia, mas sem sinais de alguém querer atacar. A dupla colombiana levou o compatriota Rigoberto Uran (EF Education First-Drapac p/b Cannondale), Wilco Kelderman (Sunweb) e Izagirre, com Simon Yates (Mitchelton-Scott) na perseguição. A questão com Quintana é vê-lo a mostrar-se bem, mas atacar a olhar para trás. Não quis arriscar em demasia. O lado conservador tomou conta do ciclista da Movistar, que ainda assim passou o teste que tinha dito que precisava de tirar boa nota. Em La Covatilla, Quintana assumiu-se de vez como um dos mais fortes candidatos, até mais do que Valverde, ainda que esteja atrás do companheiro, por agora. Está a 14 segundos da liderança. Mas seria muito bom deixar cair o conservadorismo que o está a prejudicar em momentos importantes.

Que pena Kelderman ter perdido tempo devido a um furo na sexta etapa. O holandês fez pela vida na La Covatilla. Contra-atacou Quintana e López - que não o largaram -, acelerou naquele último quilómetro e conseguiu começar a recuperar alguns segundos. Foram 60, com a diferença para a liderança a estar agora nos 1:50. Aproxima-se do top dez e pode ter parecido que o ataque foi tardio, mas há que não deitar forças fora. A pouco e pouco, Kelderman pode reentrar na luta pelo menos pelo pódio, caso consiga manter o nível que está a demonstrar.

Se Quintana assumiu-se com um dos mais fortes candidatos, tem a seu lado um Simon Yates que perdeu um Giro que parecia estar tão bem encaminhado para o britânico, numa etapa em que tudo se desmoronou já tão perto do fim da corrida. Mas aqui está o gémeo novamente a liderar uma grande volta. Neste aspecto até imita Rohan Dennis, que também liderou a Volta a Itália. A diferença é que Yates tem novamente a possibilidade de ganhar uma corrida de três semanas.

E este Yates pode muito bem ser um ciclista que aprendeu com os erros. Quando na Sierra de la Alfaguara, na quarta etapa, o britânico acelerou, ganhando alguma distância para adversários directos, no final, admitiu que se entusiasmou. No Giro fez tanto dessas acelerações. Ganhou três etapas e andou sempre na frente até que que a três dias do fim, quebrou com estrondo. Agora é ver se a Mitchelton-Scott estará à altura do que fez em Itália, ou se Yates estará um pouco mais por sua conta, com o seu irmão a estar muito apagado. No entanto, mesmo que fique algo só nos momentos decisivos, não é razão para enormes preocupações. Está a ser igual para quase todos.

Por apenas um segundo, Yates estragou a esperança dos espanhóis de verem Valverde de vermelho. A camisola que era de Rudy Molard. Foi bom enquanto durou para o francês, mas quando chegou o mais difícil dos primeiros testes, Molard não esteve à altura, nem a equipa. A Groupama-FDJ fez um controlo estranho da etapa, acelerando muito o ritmo numa fase inicial, com as equipas adversárias a deixarem a formação gaulesa desgastar-se, mesmo quando tentou passar a responsabilidade. Ninguém a quis até aos últimos 35 quilómetros. A fuga acabaria por triunfar e Molard não esteve sequer perto de segurar a liderança.

Segunda-feira é dia de descanso e até sexta-feira, os homens da geral deverão preocupar-se em tentar passar as etapas sem problemas. Serão depois três dias importantes. Daqui a uma semana teremos os Lagos de Covadonga, naquela que é uma das principais etapas da Vuelta. É sempre uma das principais etapas da Volta a Espanha, sempre que esta subida integra o percurso. Terça-feira serão 177 quilómetros entre Salamanca e Fermoselle, Bermillo de Sayago, bom dia para os sprinters, mas com uma terceira categoria perto do final que poderá baralhar um pouco essas pretensões, caso alguém aposte em ataques.


King faz jus ao nome e foi rei de La Covatilla

Numa longa etapa de 200,8 quilómetros, a segunda mais extensa desta Vuelta, com uma categoria especial a terminar o dia, não se pode deixar para segundo plano um Ben King simplesmente fantástico. De repente, a Dimension Data vê a sua temporada compor-se um pouco devido a este americano de 29 anos. Foi a segunda vitória nesta primeira semana de Volta a Espanha. Para uma equipa que não ganhava no World Tour desde a Volta a França do ano passado e que só tinha cinco vitórias antes da Vuelta em 2018, King está a salvar uma época pobre da formação sul-africana.

Mais uma vez integrou a fuga e resolveu depois ir sozinho, frustrando um Bauke Mollema que soma mais um segundo lugar. King pode agora também começar a pensar na classificação da montanha, que continua com Luis Ángel Maté. Somou mais pontos, mas o espanhol da Cofidis não é feito para as maiores dificuldades desta corrida, como demonstrou ao ficar para trás mal a aproximação à La Covatilla aconteceu. É uma camisola que ameaça começar a ser mais disputada, pois o próprio Mollema poderá ambicioná-la, já que a geral é para esquecer. Pierre Rolland (EF Education First-Drapa p/b Cannondale) andou muito nas fugas nos primeiros dias e se apostar novamente nessa táctica, é outro nome a ter em conta, se não ficar preso à ajuda a Uran.

King, vencedor da classificação da montanha na Volta ao Algarve, disse que nunca tinha sofrido tanto. Depois de uma exibição desta, ou a Dimension Data anuncia uma renovação, ou o americano está a apresentar-se como um bom reforço para outra equipa.

Quanto a classificações, as mudanças foram na geral, com Molard a ceder para Yates - o francês ficou a 2:43 do britânico - e por equipas, com a Lotto-Jumbo a subir ao primeiro lugar, antes ocupado pela Astana. Valverde (pontos) e Maté (montanha) continuam com as respectivas camisolas, com o espanhol a liderar ainda no prémio combinado.

Nelson Oliveira (Movistar) terminou a etapa a 18:13 minutos de King, José Mendes (Burgos-BH), Tiago Machado e José Gonçalves (Katusha-Alpecin) fecharam num grupo grande a 21:56.

Pode ver aqui as classificações completas.

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