13 de maio de 2017

Volta à Califórnia e a recuperação de prestígio do ciclismo americano

Em 11 edições, a Volta a Califórnia não só se consolidou como uma das melhores (se não a melhor) corrida nos EUA, como a cada edição foi atraindo cada vez mais equipas e ciclistas de renome do pelotão internacional. Com o crescente mediatismo foi também contribuindo para que jovens ciclistas americanos (e não só) tivessem uma janela para se mostrarem e tentarem dar o salto para outro nível. A Volta à Califórnia sobreviveu ao descrédito em que caiu o ciclismo norte-americano depois do caso Armstrong, manteve-se na estrada apesar da diminuição de patrocínios que custou a realização de outras corridas e chega a 2017 fortalecida com o estatuto World Tour. É uma das competições que se estreia no principal calendário, mas mais importante é também a prova que o ciclismo nos EUA está a renascer das cinzas.

A importância desta corrida é tal que as equipas daquele país desesperaram este ano para receber um convite. Com porta aberta às formações do World Tour - e serão 12 das 18 -, a subida de escalão colocou em causa a presença de equipas que nos últimos anos se habituaram a ter garantido um lugar e uma enorme oportunidade para competir ao lado dos melhores. O renascimento do ciclismo americano tem sido de tal forma, que sem ter equipas de um nível muito elevado, a verdade é que têm sido nesta corrida que alguns ciclistas têm conseguido convencer directores desportivos a darem-lhes contratos no World Tour.

A subida à principal categoria da corrida custou um lugar à Axeon Hagens Berman dos gémeos Oliveira. É considerada uma das melhores equipas de formação e tem estado em destaque sempre que participa na Volta à Califórnia. Mas alguém teve de ficar de fora e a fava tocou ao conjunto de Axel Merckx. Há um ano Ruben Guerreiro foi um dos animadores da competição por esta equipa. Este ano regressa como uma das jovens promessas da Trek-Segafredo.

Com o tempo o caso Armstrong vai sendo ultrapassado, ainda que nos tribunais continuem a decorrer processos contra o americano. E não, Armstrong não morreu, apesar da notícia que circulou na internet e que começou num site de notícias falsas. Mas a modalidade foi recuperando alguma credibilidade, ainda que continue frágil. Em nada tem ajudado os recentes estudos que demonstram que o doping é uma realidade assustadora e disseminada no ciclismo amador. No profissional, não se têm verificado casos e essa credibilidade tem sido construída com ciclistas que podem não ser os mais ganhadores, mas têm presença forte no pelotão.

Dos que estarão presentes na Volta à Califórnia, Andrew Talansky tem sido uma das principais figuras. É certo que aos 28 anos ainda não confirmou as expectativas criadas nos seus primeiros tempos de profissional sempre na estrutura da actual Cannondale-Drapac. Tem três top dez em grandes voltas, conquistou um Critérium du Dauphiné, mas tem faltado sempre algo a este talentoso ciclista. Nesta equipa americana, há ainda dois nomes que tiveram os seus momentos nesta corrida antes de "darem o salto": Nathan Brown (25 anos) e Lawson Craddock. São dois "produtos" da escola Axel Merckx que ajudam a compor a invejável lista de corredores que o belga ajudou a evoluir e a chegar ao World Tour, como é o caso recente de Ruben Guerreiro.

O que os americanos gostariam mesmo de ver este ano seria um dos seus ganhar. Seria a forma perfeita de começar a carreira da corrida no calendário principal. Brent Bookwalter é dos mais experientes. Tem 33 anos e já avisou que apesar de Samuel Sánchez estar presente, está na Califórnia para tentar ganhar. A BMC não se importa, já que é uma das equipas com mais vitórias este ano e é americana. Tyler Farrar (Dimension Data) e Taylor Phinney (Cannondale-Drapac) são dois dos ciclistas locais mais admirados, mas há muito afastados dos bons resultados.

A verdade é que de ano para ano são mais os nomes de ciclistas americanos que se tem vindo a falar no pelotão dada a qualidade, ainda que continue a faltar um grande vencedor. Não vamos dizer como Armstrong, pois é algo que o ciclismo não precisa, mas falta um homem que conquiste uma vitória mediática numa grande volta ou num monumento. Tejay van Garderen parece cada vez menos ser o candidato a tal, mas é tempo de deixar o talento de outros evoluir e talvez a curto prazo os EUA tenha um campeão que resista ao teste do tempo e das suspeitas.

Mas a Volta à Califórnia está longe de se fazer apenas de americanos. Continuando com os portugueses, além de Ruben Guerreiro - e vamos ter atenção a este ciclista que tanto gosta daquelas estradas - estará presente Tiago Machado na ajuda a Alexander Kristoff, numa Katusha-Alpecin que quer ver o seu sprinter ganhar forma para o Tour. Vamos ficar de olho em Jhonatan Restrepo porque este colombiano é de muita qualidade e é um facto que os colombianos têm tendência a aparecer nesta corrida.

Elia Viviani (Sky) estará com uma vontade enorme em vencer depois de ter sido excluído da equipa para o Giro100, mas o sprint terá uma das suas maiores estrelas da actualidade: Marcel Kittel (Quick-Step Floors) é mais um nos EUA a pensar no Tour. Também se deverá ver John Degenkolb (Trek-Segafredo) nesta luta.

Porém, todas estas estrelas sabem que a nível de popularidade não batem Peter Sagan. O eslovaco como que foi adoptado pela Califórnia e é absolutamente idolatrado. E ele retribui esse carinho, admitindo também o quanto gosta desta corrida. Desde 2010 que vence etapas e já lá vão 15, além de uma surpreendente vitória na geral em 2015. Agora a competição já não é tanto para as suas características - naquele ano Sagan defendeu-se bem na etapa rainha e fez valer a sua qualidade em contra-relógios para bater Alaphilippe -, mas a Bora-Hansgrohe vem com vontade de ganhar. Rafal Majka também está nos EUA e é possível que se comece a ver mais do polaco nesta fase da temporada. O vencedor de 2016, Julian Alaphilippe, não estará presente, pois foi operado ao joelho e vai inclusivamente falhar a Volta a França.


A Volta a Califórnia implica uma longa viagem, logística sempre mais complicada e dispendiosa, realiza-se ao mesmo tempo do Giro, mas sem surpresa não tem problema algum em chamar equipas do World Tour, sendo das competições que apresenta para já todas as condições para continuar no principal calendário, sendo cada vez mais encarada como preparação para o Tour, seja para os sprinters, como para os trepadores. É uma corrida completa, com percurso interessante, com os adeptos que gostam de se distinguir com fatos (às vezes falta deles) originais e claro que para quem está na Europa ainda tem aquele pormenor de se assistir a ciclismo em horário nobre.

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