19 de outubro de 2017

Unzué contra o pavé na Volta a França. E muito se vai falar da Movistar até ao Tour...

Quintana não teve a melhor das temporadas e em 2018 aposta tudo no Tour
(Fotografia: Facebook Movistar)
Ainda estamos a mais de nove meses da Volta a França, a actual temporada nem terminou, e já muito se fala do próximo Tour e muito se irá falar da Movistar até lá. Quando a corrida começar a 7 de Julho, é possível que quase dê para escrever um livro com os episódios que se esperam na equipa espanhola. O primeiro capítulo promete acção para os próximos: Mikel Landa foi contratado e disse que acredita que pode disputar o Tour. Nairo Quintana como que respondeu quando afirmou: "Eu serei o líder." Até recordou que já tinha passado por episódio idêntico com Alejandro Valverde... Mas talvez não seja tão idêntico... Entretanto o director desportivo, Eusebio Unzué, criticou a escolha de colocar pavé no percurso do Tour. Fala em perigo, mas poderá estar a pensar que Quintana e Landa não se adaptam nada bem ao pavé e que tudo se pode perder naquela tirada.

"Não entendo esta decisão [de incluir] o pavé. É demasiado perigoso. O ciclismo já é um desporto de risco e no pavé os riscos multiplicam-se. O pavé deveria ser para o Paris-Roubaix e mais nada", afirmou Unzué ao jornal francês L'Equipe. A etapa será a nona, com 21,7 quilómetros de empedrado distribuídos por 15 sectores, todos já dentro dos 100 quilómetros finais. Ninguém refuta a ideia do perigo, mas o pavé vá além do Paris-Roubaix. É o monumento marcado por esse terreno, mas há todo um conjunto de clássicas que inclui este piso, inclusivamente outro monumento, a Volta a Flandres, ainda que em menor número e muitas vezes menos "agressivo". É perigoso, mas é uma fase da temporada simplesmente épica, de resistência, perseverança, muitas vezes de sobrevivência. É, de facto, um ciclismo muito próprio.

E não, Quintana, Landa, Froome, Bardet, Aru... não são feitos para este tipo de piso, contudo, está também aí a beleza de voltar a integrar o pavé no Tour. Sair das áreas de conforto e triunfar, também define os campeões.

Eusebio Unzué gostou do percurso apresentado na terça-feira, considerando que se adapta perfeitamente às características do ciclista colombiano, que em 2018 irá regressar ao objectivo do sueño amarillo, deixando de parte o pensamento da dobradinha Giro/Tour. Em 2015, Quintana até esteve bem na etapa do pavé no Tour, não perdendo tempo. Porém, Unzué sabe que se há dia em que pode perder tempo, até de forma irremediável, é no de Roubaix. Quintana é um ciclista leve, como normalmente acontece com os trepadores puros. Aguentar as trepidações do pavé não é fácil, além de ser necessária alguma destreza num percurso tão irregular para evitar quedas. Se estiver mau tempo - mesmo sendo Verão é absolutamente possível acontecer naquela zona do país -, o pavé torna-se no verdadeiro "Inferno do Norte", como aliás é conhecido o Paris-Roubaix. Aconteceu em 2014 e foi o caos.

Com um contra-relógio com subidas na penúltima etapa, Unzué sabe bem que Quintana vê reduzida a diferença técnica para Chris Froome e Tom Dumoulin (se o holandês for a França, pois mantém o suspense). O responsável da Movistar gostaria que a sua maior preocupação antes da chegada da alta montanha fosse as etapas com perigo de vento. Um grande perigo, diga-se, tendo em conta o passado atribulado da Movistar nestas tiradas. Recordação rápida: em 2013 Rui Costa tinha ficado no grupo da frente, mas recebeu ordens para recuar e ajudar o líder. Todos perderam muito tempo e não foi caso único.

Mikel Landa também não tem grande aptidão para o pavé. Ou seja, Unzué pode ter dois ciclistas fortes para geral, mas certamente que receará perdê-los para essa discussão num dia que promete espectáculo, mas também muita dor de cabeça para os homens que lutam pela amarela.

Numa perspectiva portuguesa, a inclusão de uma etapa deste género poderá ditar o regresso de Nelson Oliveira ao Tour, já que tem sido aposta no Paris-Roubaix, ainda que com participações acidentadas. Este ano, uma queda nessa corrida estragou-lhe boa parte da temporada. Mas experiência não lhe falta no pavé.

É normal que Unzué sinta algum nervosismo. Em 2018 a Movistar terá de elevar o nível de performance nas grandes voltas. É certo que Quintana foi ao pódio no Giro, mas no Tour não houve sequer uma vitória de etapa e na Vuelta, a jogar em casa, sem Valverde (lesionado), a equipa foi uma sombra do que havia apresentado noutros anos. Também, nem uma etapa conseguiu vencer, tendo sido proveitosa no aspecto de dar experiência a jovens ciclistas, mas não houve o necessário mediatismo imediato na grande volta espanhola.

A contratação de Landa é naturalmente boa. Mas como gerir? Inicialmente o pensamento até poderia ser levar o espanhol ao Giro, mas depois de ter ficado a um segundo do pódio no Tour, Landa quer mais. O espanhol percebeu na última edição que pode muito bem disputar o Tour com Froome e com mais quem se apresente como candidato. A mensagem foi dita claramente: não quer mais estar em segundo plano em nenhuma corrida.

Logo no dia da apresentação do percurso do Tour, Quintana marcou posição e Unzué confirmou-a, mas lá vai dizendo que a corrida ditará as prioridades. Ou seja, a hierarquia. Quintana a ajudar Landa? É difícil de imaginar. Landa a ajudar Quintana? Depois do que fez este ano ao lado de Froome, será uma relação no mínimo difícil...

Quintana recordou como já passou o mesmo com Valverde. Não foi a mesma coisa. O espanhol bem tentou um pódio no Tour. Mas ano após ano falhou o objectivo. Em 2014, já com Quintana a aparecer e com um Giro conquistado, Valverde assumiu que seria a sua última vez como líder da Movistar em França. Voltou a não conseguir o pódio, mas deixou, como prometido, o papel principal. No ano seguinte apareceu ao lado de Quintana e, curiosamente, conseguiu o seu pódio. O colombiano foi segundo, Valverde terceiro, na vitória de Chris Froome. Em 2016, Quintana foi terceiro e Valverde a preciosa ajuda. Nesta última edição, o espanhol caiu no contra-relógio inaugural e abandonou. Tanta falta vez, não só a Quintana, mas principalmente à Movistar, já que o seu líder esteve completamente apagado e Valverde estava numa forma fenomenal.

Para 2018, Valverde já disse que não quer o Tour. Prefere não se meter na luta entre Quintana e Landa, mas falta saber se Unzué não lhe poderá pedir para ir e ajudar a gerir dois egos, podendo ser uma espécie de voz pacificadora e de união. Se há ciclista que é respeitado, é Valverde.

Se acontecer algo a Quintana e Landa na etapa do pavé, já se sabe qual será o discurso de Unzué, mas até lá, muito se irá falar e escrever sobre uma rivalidade interna que parece ser inevitável. Começam a compor-se os primeiros pontos de interesse para 2018. Um, é o desejo de ver Dumoulin enfrentar Froome, dois, é como Quintana e Landa vão conviver, três - e puxando para o lado português -, será perceber qual o papel de Rui Costa na UAE Team Emirates... E esta lista vai sendo actualizada, certamente! Numa altura em que o ciclismo se prepara para ir de férias, lá se vão viver meses de ansiedade até ao arranque da nova época.



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