11 de junho de 2017

Podemos ter um pouco do espectáculo do Dauphiné no Tour por favor?

(Fotografia: ASO/A.Broadway)
Não queremos abusar da confiança, mas caros ciclistas que vão estar na Volta a França e que estiveram no Critérium du Dauphiné, será que podem dar novamente um pouco do espectáculo no Tour como fizeram esta semana? Percebemos que são três semanas e que a capacidade física tem de ser gerida de outra forma, contudo, por favor tenham um pouco da atitude que mostraram no Dauphiné. É tão bom ser fã de ciclismo quando alguns dos melhores do mundo lutam pela vitória e não jogam maioritariamente à defesa, com receio do que um homem possa fazer...

O Critérium du Dauphiné é uma espécie de antecâmara para o Tour, ainda que este ano seja muito mais difícil tirar grandes conclusões sobre os candidatos à Volta à França. Todos atacaram, todos sofreram, todos mostraram que estando uns melhores que outros, ainda há alguns pormenores a aprimorar até ao dia 1 de Julho. Jakob Fuglsang foi o vencedor surpresa que o Dauphiné de vez em quando tem, mas uma das grandes figuras foi Richie Porte, isto quando se fala de candidatos ao triunfo no Tour. Em anos anteriores foi mais fácil perceber quem se encontrava melhor ou pior a caminho da grande volta. Em 2017 parece que teremos mesmo de esperar pelo Tour. Ainda assim, há ilações que se podem tirar. Vamos por pontos.

E agora Astana?

Depois da queda que o tirou do Giro100, Fabio Aru não teve outra hipótese se não apontar ao Tour. Porém, a Astana tinha prometido a Jakob Fuglsang que ele é que seria o líder em França, antes do incidente do italiano. Aru chegou ao Dauphiné sem saber muito bem como estaria a sua forma. Está boa, recomenda-se e poderemos ter o Aru que gosta de mexer nas corridas e não aquele Aru que no Tour de 2016 foi uma sombra de sim mesmo. Porém, Fuglsang apareceu ainda melhor. Venceu duas etapas e na última o dinamarquês foi simplesmente fenomenal, tirando o que parecia ser uma vitória quase garantida a um Porte que até então estava fortíssimo. De uma assentada, o ciclista que nunca tinha ganho numa competição World Tour, somou três triunfos e logo numa das mais importantes corridas do calendário.

Fuglsang junta-se a Andrew Talansky e Janez Brajkovic como vencedores inesperados em tempos recentes. Mas esta vitória veio baralhar as contas da Astana. Não parecia haver grandes dúvidas em colocar Aru como líder, mas agora o dinamarquês deixou uma mensagem que mais forte era impossível: está pronto para lutar no Tour. Aos 32 anos as oportunidades começam a fechar-se para Fuglsang. Há pouco mais de um mês a Astana vivia momentos dramáticos, com o acidente de Aru e pouco depois a trágica morte de Michele Scarponi. Agora a formação cazaque tem um problema que certamente prefere: terá de escolher entre dois ciclistas em forma ou tentar gerir egos e tirar o melhor proveito tanto de Fuglsang como de Aru. De destacar ainda, que a equipa só contava com uma vitória este ano, precisamente por intermédio de Scarponi dias antes de morrer, o que significa que agora respira um pouco mais de alívio.

Porte e a sina do dia mau

Que enorme Richie Porte. Mesmo na hora da derrota foi enorme. Pelo que fez Fuglsang naturalmente que o dinamarquês mereceu (e muito) a vitória no Dauphiné, mas ela também teria ficado bem no australiano da BMC. Fez quase tudo bem. Foi exímio no contra-relógio, não se limitou a controlar e tentou ganhar vantagem nas montanhas. Mas uma boa equipa a rodear o líder é algo que dá muito jeito quando as diferenças não são grandes e são muitos os que podem tentar atacar. Assim foi. Porte foi obrigado a responder a um ataque em massa contra ele. Parecia que depois de ter estado tão bem durante toda a semana que mais uma vez teria um dia mau que lhe estragaria todo o trabalho.

Perdeu o Dauphiné, pelo que não se pode dizer que o dia foi bom. Porém, a recuperação de que foi autor, sozinho, conseguindo deixar Alberto Contador para trás como se o espanhol fosse um vulgar ciclista, apanhando Chris Froome que não aguentou o ritmo do seu antigo companheiro... Richie Porte foi fenomenal num dia que parecia que iria acabar em desgraça. Por dez segundos perdeu o Dauphiné. Dez segundos que se ganham nas bonificações ao ganhar uma etapa, como fez Fuglsang. No final Froome disse que Porte é o favorito para o Tour. Fica-lhe bem ainda mais sendo os dois amigos. Talvez não seja o favorito, mas Richie Porte já não é apenas um candidato ao pódio. Depois do que fez no Dauphiné é um candidato a lutar pela vitória.

Este estranho Chris Froome

Tem sido um ano atípico para o britânico. Ainda não venceu e até ao Dauphiné não tinha realizado prestações convincentes nos poucos dias em que tinha competido. Em França disse que queria ganhar, o que teria sido a quarta vitória, um recorde nesta corrida. E claro que há ainda aquela curiosidade, pois sempre que ganhou o Dauphiné, ganhou o Tour. No entanto, vimos rasgos daquele Froome que parece estar à beira de dar o estouro e de repente lá vai ele atrás de todos e a lutar pelo primeiro lugar. Por outro lado, vimos também um Froome a fraquejar, a terminar em esforço e quase esgotado.

O pódio fugiu-lhe por um segundo. Froome foi dizendo que ainda tinha a melhorar até ao Tour e, ao contrário de Contador, as suas afirmações são convincentes. Não se pode esperar que o super Froome se mantenha ano após ano, mas pode-se esperar que será um ciclista mais forte aquele que irá aparecer na competição em que quer fazer história, tendo como alvo cinco vitórias. Vai nas três.

Há ainda que ter em conta que Froome não teve aquela Sky controladora que provavelmente terá no Tour. E essa será sempre a grande diferença do britânico para Porte e para qualquer outro candidato: tem uma equipa fortíssima. Os responsáveis ainda estão a tentar perceber quem poderá ser a melhor opção para rodear o seu líder. Peter Kennaugh terá ganho um lugar ao lado de Froome ao vencer uma das etapas, mostrando estar bem fisicamente. Michal Kwiatkowski terá um papel importante, mas no Dauphiné não estiveram Geraint Thomas, Mikel Landa e Wout Poels. Claro que há um enorme ponto de interrogação quanto à forma deste trio. Os dois primeiros estiveram no Giro, com Thomas a abandonar devido a uma queda. Poels tem tido problemas físicos e não compete desde Fevereiro (vai voltar na Route du Sud).

Romain Bardet a precisar de consistência

Quando está bem, está mesmo bem. Mas estraga tudo com contra-relógios fracos e no Dauphiné não ajudou ter entrado mal nas montanhas. Compensou no sábado e no domingo. E de que maneira. É aquele Romain Bardet (AG2R) que se lhe reconhece o talento e qualidade para terminar no pódio do Tour. Este é um ciclista do mais puro trepador que existe. Adapta-se bem a vários tipos de montanhas e tem uma excelente capacidade de leitura de corrida. E depois tem uma características fantástica para quem gosta de espectáculo: gosta de atacar, gosta de testar, mas sendo inteligente na forma como o faz para não pagar o esforço mais tarde.

Se Bardet conseguir apresentar consistência na Volta a França, que é como a quem diz, não estragar tudo num dia, poderá pensar em chegar ao pódio. Porém, nem tudo é bom neste ciclista. O certo desprezo que demonstra pelo contra-relógio pode custar-lhe caro. O francês não está interessado em evoluir muito mais, mas tendo em conta que no Dauphiné nem demonstrou ter capacidade para pelo menos defender-se um pouco... A ver vamos se neste caso não pagará um preço bem alto, mesmo não havendo muitos quilómetros de esforço individual no Tour.

Alberto Contador... quase se fica sem palavras

O espanhol diz que está no ponto que pretendia, que o Dauphiné correu como esperado. O que se viu foi um ciclista irreconhecível. Citando o que disse no final: "Mais importante que a posição é que acabei fresco. O plano saiu na perfeição." Contador, serão poucos os que acreditam nessas palavras. Terminou na 11ª posição depois de um dia que teve como imagem marcante o gesto de Contador a avisar Porte para passar quando o australiano o apanhou. Foi tão mau que até Alejandro Valverde, que também não esteve feliz, o acabou por ultrapassar. Falta de ritmo, falta de explosão, falta de quase tudo. Este não é o Contador que conhecemos. Este Contador é uma imitação barata daquele campeão que já conquistou as três grandes voltas e que mesmo sem conseguir o objectivo de voltar a vencer um Tour, tem pelo menos lutado por ele.

Não foi só na última etapa que Contador cedeu. O espanhol ficou praticamente sempre a ver os seus rivais a irem embora. Se isso é considerado ser algo que correu como planeado, então será um dos maiores bluffs já vistos, caso Contador apareça em grande no Tour. A Trek-Segafredo também chumbou o teste. Com a excepção de André Cardoso - o último a deixar o seu líder - os restantes colegas rapidamente desapareciam sempre que as dificuldades começavam.

Talvez o melhor de Contador já tenha passado. Talvez ainda haja algo ali dentro que nos faça vibrar como noutros tempos (esperemos que sim, para pelo menos animar as etapas). Mas depois deste Dauphiné fica a imagem de um ciclista que começa a perceber que os outros (e já são muitos) são simplesmente melhores que ele.

Tiro no escuro da Orica-Scott

A equipa australiana optou por tirar Simon Yates do Giro para garantir que teria um homem a lutar pela geral no Tour, já que o problema no joelho de Johan Esteban Chaves começou a revelar-se mais preocupante do que inicialmente esperado. O colombiano reapareceu neste Dauphiné quatro meses depois. E nem esteve mal. Falta-lhe ritmo competitivo, mas nem se esperaria outra coisa. Contudo, será difícil que o ganhe nas duas semanas que faltam para o início da Volta a França.

Por isso é que a Orica-Scott colocou Yates como líder. Se com Chaves as expectativas não podem ser altas, com Yates podem acabar numa grande desilusão. O britânico esteve desaparecido neste Dauphiné, foi incapaz de acompanhar os principais nomes e perdeu muito tempo e os nove minutos para Fuglsang comprovam isso mesmo.

Em condições normais Chaves estaria no Tour para tentar o pódio, onde já esteve no Giro e na Vuelta. Agora a equipa sonhará que ganhe no mínimo uma etapa. Talvez para o ano se os problemas físicos não regressarem seja novamente o candidato desejável. Já de Yates a Orica-Scott espera que faça algo idêntico ao seu irmão gémeo em 2016. Adam venceu a classificação da juventude e ficou a 21 segundos do terceiro lugar. Para tal, Simon terá de melhorar muito. Foi uma das desilusões do Dauphiné. Pode e deve fazer mais e melhor.

Vamos para a Volta a França com a certeza que não há certezas. Um panorama diferente dos últimos anos dominados por Chris Froome. E a incerteza é sempre mais animadora, principalmente, e voltamos ao repto do início do texto, se estes senhores ciclistas apresentarem atitude idêntica da do Dauphiné, de lutar para ganhar e não de ficar à espera que um homem falhe.


Best of (Français) - Critérium du Dauphiné 2017 por tourdefrance

Sem comentários:

Enviar um comentário