17 de junho de 2017

"Os ciclistas tornaram-se robôs." Proibir os rádios pode trazer mais emoção ao Tour?

(Fotografia: Facebook Quick-Step Floors)
A utilização dos rádios no ciclismo foi nos últimos anos tema de discussão. A UCI tentou que estes deixassem de ser utilizados, mas esbarrou nos protestos das equipas, inclusivamente com o desrespeitar das regras, o que chegou a levar à anulação de uma corrida no Troféu Palma de Maiorca em 2011. No final de 2015, o organismo resolveu inverter a decisão e os rádios passaram a ser permitidos em todas as corridas dos principais escalões. A proibição manteve-se em competições de categoria mais baixa. A UCI percebeu que era uma guerra que não podia ganhar quando as equipas e a maioria dos ciclistas é a favor dos rádios. Porém, o assunto não desaparece e está volta-se a falar devido a Greg LeMond.

A tecnologia vai tomando conta do ciclismo, o que vai alimentando a "guerra" entre os que defendem um ciclismo "mais puro" e aqueles que se rendem aos benefícios que os "gadgets" trazem. Em 2016, por exemplo, muito se falou da utilização dos autênticos computadores que os ciclistas têm consigo para controlar a cadência, potência, etc. Alberto Contador defende um ciclismo baseado nas sensações, Chris Froome não passa sem o seu Garmin. A discussão dos rádios é bem mais antiga. O facto de nos carros ser possível controlar toda a corrida, ainda mais quando hoje em dia até podem estar a ver as transmissões em directo, faz com que os directores desportivos controlem quase todos os aspectos tácticos. Greg LeMond considera que tal tira a espontaneidade ao ciclismo e não hesita em considerar que o Tour de 2016 foi aborrecido precisamente porque foi controlado do princípio ao fim pela Sky.

"No ano passado o Tour foi aborrecido porque a Sky controlou-o. Os ciclistas estão a tornar-se robôs. Correr é mais do que o aspecto físico, é também táctico e psicológico", afirmou numa entrevista dada ao Eurosport. LeMond reforçou a sua ideia: "Agora a equipa limita-se a dizer pelo rádio, 'é isto que está a acontecer, vai lá para a frente e pedala'. Acho que sem os rádios seria menos previsível. Os fãs iam adorar!"

Neste aspecto, dos fãs, Greg LeMond poderá ter alguma razão. Afinal, sem uma a ajuda imediata de quem está nos carros a ver toda a corrida, os ciclistas teriam de confiar nas suas capacidades, estar atentos a todas as movimentações e decidir no momento o que fazer e não esperar por ordens. Naturalmente que hoje isso continua a acontecer, mas muitos dos aspectos tácticos são decididos nos carros. Quantas vezes já se viu alguém atacar e de repente ficar para trás porque provavelmente recebeu ordem para não sair do pelotão, ou então alguém responder a esse ataque e recuar no plano. Mais óbvio será quando se vê os ciclistas a falar pelo o rádio quando alguém atac, a avisar da situação e à espera da ordem de resposta ou não.

"Dizem tudo aos ciclistas", salientou LeMond. O americano que venceu o Tour três vezes nos anos 80 e que foi duas vezes campeão do mundo, é do tempo em que os ciclistas tinham de agir por eles próprios nos momentos decisivos. Seria este um ciclismo mais puro, mais baseado nas reais capacidades dos corredores não só pela capacidade física, mas também pela capacidade de leitura de corrida? É uma discussão que irá continuar e com as opiniões a divergirem.

LeMond não defende a extinção dos rádios, apenas que eles sirvam apenas para os ciclistas informar os carros de algum problema, ou se precisam de alimentos ou bebidas, por exemplo. Aliás, durante a proibição isto aconteceu, os rádios eram unidireccionais.

Por mais que Greg LeMond, 55 anos, continue a ser uma figura importante no ciclismo, as suas palavras não vão provocar qualquer tipo de mudança. Porém, o antigo ciclista e actual comentador do Eurosport tem capacidade para relançar pelo menos a discussão na praça pública.

A tecnologia é bem-vinda ao ciclismo e já trouxe muitos benefícios. No entanto, dá que pensar como seria uma corrida em que Froome, Quintana e Contador tivessem de se valer apenas deles próprios (e dos seus companheiros, claro) para decidir o que fazer durante a corrida. Há sempre tácticas pré-definidas, mas a beleza do ciclismo está precisamente na imprevisibilidade e na forma como os seus intervenientes se adaptam a estas. A inteligência táctica dos ciclistas faz parte daqueles que se consagraram como os melhores. Uma das razões pelas quais Contador continua a ser tão admirado, mesmo que já não vença como noutros tempos, é porque o espanhol tem esse lado imprevisível.

Froome também o tem, afinal quando atacou numa descida no Tour de 2016, ninguém estava à espera. Mas é ainda assim diferente e muito mais calculista. Há que admitir que seria interessante um Tour sem rádios. Quem seria o mais forte? Seria a Sky tão controladora se não tivesse a ajuda de quem está no carro? Não saberemos. Resta-nos imaginar o que poderia ser.

De quando em vez vamos discutir os rádios e recordar os tempos em que os ciclistas não os utilizavam. Mas a pureza do ciclismo não pode ser apenas comparada pela tecnologia, afinal tudo evoluiu e hoje essa chamada pureza está na forma como os ciclistas se preparam ao mais ínfimo pormenor utilizando as tecnologias existentes e que os ajudam a tornarem-se melhores. Para os mais saudosistas (e todos temos um pouco disso) haverá sempre ciclistas que mesmo tendo a tecnologia do seu lado, se farão valer do seu instinto para ganhar. Não há tecnologia que retire essa ambição de um ciclista que queira ser um vencedor.

»»Podemos ter um pouco do espectáculo do Dauphiné no Tour por favor?««

»»Nelson Oliveira pré-convocado para estar ao lado de Nairo Quintana no Tour««

Sem comentários:

Enviar um comentário