16 de março de 2017

Razões para ver a Milano-Sanremo: uma lista de inscritos fantástica, a Cipressa e o Poggio

Arnaud Démare conquistou a grande vitória da sua carreira,
até ao momento, na Milano-Sanremo de 2016
(Fotografia: Facebook da corrida)
São 291 quilómetros de um percurso que parece não ter grandes dificuldades. Mas estamos a falar de um monumento do ciclismo e para ter este estatuto não poderia parecer uma daquelas etapas em que o pelotão tenta recuperar forças para outras mais complicadas, esperando pelo sprint para decidir a vitória. O encanto da Milano-Sanremo, além de ter mais cem quilómetros que o referido tipo de tiradas, está na forma como as equipas preparam o momento da discussão da vitória e como os candidatos e aqueles que pretendem intrometer-se entre os favoritos, ultrapassam duas subidas que podem não ser nenhuma dor de cabeça para os trepadores, mas que ao fim de tantos quilómetros e tendo em conta que em prova estão ciclistas que preferem terrenos mais planos, a Cipressa e o Poggio oferecem um espectáculo muito próprio da Milano-Sanremo e que todos os anos torna esta corrida numa das mais interessantes e entusiasmantes.

Há uns anos, a organização tentou alterar um pouco a essência deste monumento, acrescentando mais umas subidas, mas há tradições que são mesmo para se manter e nas últimas edições, o percurso voltou ao formato mais conhecido desde a década de 80. Mas porque razão esperaramos até ao quilómetro 264 - quando começa a Cipressa - a ver atentamente a corrida, mesmo com um terreno sem grandes dificuldades? Simples. Quando se olha para a lista de inscritos vê-se que lá estão praticamente todos os grandes nomes do sprint e outros ciclistas que adoram clássicas e todos ajudados por alguns dos melhores homens que se poderia pedir para uma corrida tão especial.

Começamos, contudo, com duas grandes ausências. André Greipel não estará na "Clássica da Primavera", como é conhecida a Milano-Sanremo. O sprinter da Lotto Soudal já tinha deixado a hipótese no ar durante o Paris-Nice e acabou por se confirmar, segundo a lista de inscritos que foi divulgada. Já em 2016 o alemão preferiu apontar a outros objectivos. Greipel explica que a Cipressa e o Poggio acabam por reduzir as possibilidades de estar na luta pela vitória, pois diz ser demasiado pesado para conseguir fazer bem essas subidas. Esta fase da temporada é mais a pensar em estar bem na Volta a Itália. O mesmo deverá acontecer com Marcel Kittel. Numa equipa com tantas opções para uma corrida como o monumento italiano, o sprinter ficou de fora, com Tom Boonen a liderar a formação belga, que terá ainda Fernando Gaviria como candidato e é melhor nunca deixar de fora Julian Alaphilippe. Um ataque numa das subidas e nunca se sabe o que este francês pode alcançar. De recordar que Boonen está nas últimas semanas da sua carreira - o fim será a 9 de Abril, no Paris-Roubaix - e o belga tem ilusões em conquistar a Milano-Sanremo e assim inscrever o seu nome num terceiro monumento, para juntar à Volta a Flandres e Paris-Roubaix. Missão complicada, ainda mais quando o belga não teve um início auspicioso nesta fase das clássicas. Boonen esteve duas vezes no pódio (um segundo e um terceiro lugar, em 2010 e 2007, respectivamente).

Inevitavelmente, Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) está no topo da lista dos favoritos. Já é tão normal que o próprio admite que está habituado que digam isso. Não é a sua corrida de eleição, prefere as clássicas do pavé, tendo como melhor resultado um segundo lugar no temporal de 2013. Nesse ano, a Milano-Sanremo ficou marcada pelo mau tempo. Muito mau. Frio e chuva provocaram muitas desistências, quilómetros anulados e um vencedor surpresa: Gerald Ciolek. Presentes e também como fortes candidatos estão os últimos três vencedores: Arnaud Démare (FDJ), John Degenkolb (Trek-Segafredo) e Alexander Kristoff (Katusha-Alpecin). Todos eles realizaram um interessante arranque de época. Degenkolb e Kristoff ambicionam regressar às grandes vitórias, depois de um 2016 apagado, por diferentes razões. O alemão foi atropelado ainda na pré-época e não conseguiu encontrar a sua melhor forma quando regressou, enquanto o norueguês passou ao lado dos grandes momentos, constantemente batido nos sprints frente aos melhores.

Mark Cavendish (Dimension Data) é outro dos vencedores presentes. É preciso recuar a 2009 para recordar a vitória do britânico na Milano-Sanremo. A Cipressa e o Poggio tem uma tendência a "estragar" a prova de Cavendish. Porém, depois de em 2016 o sprinter ter regressado à ribalta, apesar de um início de temporada de 2017 aquém do esperado, o "míssil de Man" aproveitou ter estado no Tirreno-Adriático para ir treinar no Poggio, deixando indicações que quer juntar mais uma conquista no único monumento que assenta às suas características.

O vencedor mais antigo em prova será Filippo Pozzato. O italiano de 35 anos vive uma fase mais calma da carreira desde que optou por assinar pela Wilier Triestina em 2016. Foi em 2006 que alcançou uma das vitórias mais importantes da sua carreira. O italiano conta ainda com um Tirreno-Adriatico e duas etapas da Volta a França, mas há muito que Pozzato está longe das grandes conquistas. O próprio sabe que acaba por ser falado nesta altura por ser o vencedor mais antigo da Milano-Sanremo ainda em actividade e apontou como principais candidatos Degenkolb, Gaviria e Sagan.

Simon Gerrans venceu em 2012, mas aos 36 anos assume cada vez mais um papel de homem de trabalho e certamente de "orientador" do jovem Caleb Ewan. O pequeno australiano está a confirmar todo o seu talento e em Abu Dhabi conquistou o seu primeiro triunfo perante os grandes nomes do sprint. Ewan até tem capacidade para fazer frente a algumas dificuldades nos percursos, mas ainda assim é uma incógnita para a Milano-Sanremo. A experiência faz muitas vezes a diferença em corridas como esta. Com apenas 22 anos, ainda tem muito a aprender, mas Gerrans poderá, por isso mesmo, ter um papel importante, tanto para ajudar o seu colega da Orica-Scott, ou em tentar aproveitar uma oportunidade que possa surgir para ele.

Para completar este lote de luxo de candidatos, temos Nacer Bouhanni. O francês finalmente venceu em 2017 na quarta-feira, quando deixou literalmente para trás todo o pelotão, num sprint que acabou por ser só ele a ter uma velocidade assustadora. É certo que na Nokere Koerse não estavam os adversários que vai ter na Milano-Sanremo, mas também é certo que o ciclista da Cofidis pode bater qualquer grande nome, pois ele também o é, só tem uma personalidade que lhe tem provocado alguns dissabores. Porém, há um ano, o dissabor foi uma corrente lhe ter saltado quando se preparava para iniciar o sprint na Milano-Sanremo, que acabou por ser ganha pelo seu grande rival francês.

E numa segunda linha de candidatos temos Greg van Avermaet a liderar. O belga da BMC só não é colocado no grupo principal porque não é um sprinter puro. No entanto, perante a forma espectacular que atravessa, cuidado com ele, até porque consegue bater-se com os melhores. Que o diga Peter Sagan! Segue-se Sonny Colbrelli. O sprinter italiano está a fazer a estreia no World Tour pela Bahrain-Merida e conquistou o seu primeiro triunfo a este nível no Paris-Nice. Talento não lhe falta, tal como vontade de se mostrar frente aos melhores. Juan José Lobato quer iniciar na Lotto-Jumbo uma espécie de segunda vida no ciclismo, enquanto Sacha Modolo tentará a todo o custo comprovar que é um sprinter que pode bater-se com os melhores. Porém, fica a dúvida: a UAE Team Emirates vai apostar no italiano, ou será Ben Swift o preferido? Provavelmente os dois poderão estar na discussão, decidindo-se mais perto no final quem estará em melhores condições, dependendo do que acontecer durante a corrida. Ainda assim, Swift até estará em vantagem. Foi segundo em 2016, foi a principal contratação da equipa do Médio Oriente e tem a Milano-Sanremo como um dos objectivos do ano, além da luta por etapas na Volta a França. O espaço de Modolo na equipa poderá a estar a reduzir drasticamente se não apresentar rapidamente resultados.

Em posição idêntica está outro italiano. Elia Viviani procura uma boa vitória para não perder a confiança da Sky. É que Danny van Poppel está cada vez mais a comprovar as expectativas que recaem nele e o holandês de 23 anos também estará na Milano-Sanremo. A Sky leva uma equipa bastante forte. Viviani pode contar com apoio e os responsáveis da equipa podem contar com mais opções se o italiano falhar. Além de Van Poppel, a Sky leva Luke Rowe e o próprio Ian Stannard também é hipótese, caso resolva apostar num ataque numa das subidas perto do final.

Numa terceira linha de candidatos temos outro homem da Sky. Michal Kwiatkowski está num bom momento e também poderá tentar aproveitar a Cipressa ou o Poggio para deixar para trás os sprinters. Junta-se o já referido Julian Alaphilippe, Tom Dumoulin (Sunweb) e Diego Ulissi, mais um ciclista que poderá ser aposta da UAE Team Emirates, se optar por uma ataque numa das subidas.

Mais nomes podem ser referidos. Michael Matthews (Sunweb) não está a conseguir alcançar o sucesso na sua nova equipa que teve na Orica-Scott, mas é outro ciclista a ter em atenção. Jakub Mareczko (Willier Trestina), Fabio Felline e Jasper Stuyven (ambos da Trek-Segafredo), Philippe Gilbert (Quick-Step Floors), Jos van Emden (Lotto-Jumbo), Sam Bennet (Bora-Hansgrohe) ou Tim Wellens (Lotto Soudal) são todos ciclistas que podem procurar fazer uma surpresa.

Quanto a portugueses, as atenções estarão exclusivamente centradas em Nuno Bico. O ciclista da Movistar vai tendo as suas oportunidades na equipa espanhola, no seu primeiro ano no World Tour. A presença na Milano-Sanremo, um monumento do ciclismo (é preciso não esquecer), dará certamente mais uma grande dose de motivação ao jovem de 22 anos.

Porque razão é que uma corrida relativamente plana pode ter tanto interesse? A tensão, o nervosismo, a velocidade, a ambição de tantos ciclistas... Serão quase 300 quilómetros em que um erro, um azar, uma má decisão pode arruinar um objectivo. Com tantos dos melhores ciclistas mundiais presentes, são razões mais do que suficiente para se assistir a este monumento no sábado.



Como curiosidade, a Cipressa tem 5,6 quilómetros com 4,1% de pendente média, 9% de máxima. No Poggio serão 3,7 quilómetros e uma pendente média de menos de 4%. Quando esta subida acabar, serão apenas 5,4 quilómetros até à meta, num final habitualmente louco.

Veja aqui a lista de inscritos completa.

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