25 de julho de 2016

A Volta a França em dez pontos

Esperava-se por espectáculo, mas temia-se que o tradicional conservadorismo dos últimos anos voltasse a aparecer. A ASO desenhou um percurso dos mais interessantes das mais recentes edições. Ainda assim, Chris Froome adaptou-se às menos chegadas em alto e estava bem preparado para as descidas e para as esperadas etapas com muito vento (que tanto desesperaram Quintana). No entanto, um bom percurso não chega para o espectáculo. Os ciclistas não corresponderam às expectativas, não se atrevendo (ou talvez não conseguindo) contrariar uma super Sky. Portanto, o Tour foi aborrecido: nas etapas de montanha só nos Alpes houve alguma emoção (pouca e apenas pelo top dez); tivemos a confusão do Mont Ventoux (que poderá levar à mudança de regras) e que ficará como um dos momentos da história de todos os Tours; a crono-escalada foi uma das tiradas mais interessantes; Sagan soube ser o showman do costume; a Tinkoff destacou-se pelo melhor e pelo pior; Mark Cavendish fez história; Rui Costa e Nelson Oliveira com prestações positivas. Para agravar o aborrecimento, aquelas longas etapas, de mais de 200 quilómetros feitos a ritmo de passeio... que horror, que desespero!!

1. Chris Froome alterou um pouco a sua preparação visando principalmente estar em melhor forma na terceira semana, depois do susto em 2015, quando viu Nairo Quintana ameaçar tirar-lhe a camisola amarela. Não só o britânico apareceu de facto melhor na última semana do Tour, como soube surpreender os seus adversários em alturas totalmente inesperadas. Froome como que se reinventou: quanto todos esperavam que voltasse a tentar decidir tudo nas montanhas, eis que o britânico planeou tirar partido de outras situações de corrida. Primeiro foi na oitava etapa quando desceu com um pedalar ainda mais ortodoxo do que aquele que tem quando está a subir! Na etapa 11 aproveitou o vento e uma aliança com Peter Sagan para ganhar mais alguns segundos. Claro que o episódio do Mont Ventoux ficará para a história pelo momento insólito da corrida, mas o golpe final foi na crono-escalada, que venceu (já tinha sido segundo no primeiro contra-relógio). Nos Alpes, mesmo caindo e parecendo que poderia dificultar a sua vida, espelhou a sua superioridade, com a ajuda da toda poderosa Sky.

2. A perfeição de uma equipa. A Sky tem apresentado ano após ano equipas excelentes no apoio ao seu líder. No entanto, talvez 2016 a Sky tenha sido a melhor de sempre, mesmo sem Richie Porte, agora na BMC. Sergio Henao, Vasil Kiryenka, Mikel Landa, Mikel Nieve, Wout Poels, Luke Rowe, Ian Stannard e Geraint Thomas mereciam ter subido ao pódio ao lado de Chris Froome, pois se há uma camisola amarela que foi de facto um feito colectivo, foi esta do britânico. Rowe e Stannard tiveram um trabalho mais talhado para as etapas planas, enquanto Thomas tanto foi importante na tiradas de vento, por exemplo - excelente protecção a Froome - como também nas montanhas. O momento mais visível foi quando cedeu a sua bicicleta quando o britânico caiu na antepenúltima etapa, nos Alpes. Kiryenka, Landa e Nieve foram gregários de luxo - como seria de esperar puxaram, puxaram, puxaram -, mas o destaque vai para Sergio Henao que esteve com o seu líder durante as primeiras etapas de montanha, enquanto Wout Poels apareceu em grande na segunda metade do Tour. Tudo pensado ao pormenor, numa equipa que não fez nada por acaso nesta Volta a França... Tirando a corrida no Mont Ventoux que certamente quebrou toda uma organização da Sky, mas comprovou como Froome faria tudo para conquistar o seu terceiro Tour, até correr pela montanha com sapatos de ciclismo!

3. Nairo Quintana foi uma desilusão. Tanto falou do "sueño amarillo" que a Volta a França transformou-se num pesadelo. O ano foi preparado apenas e só a pensar no Tour e dificilmente poderia ter corrido pior. Sim, porque o terceiro lugar no pódio, para a ambição do colombiano, acaba por saber a muito pouco. Quintana não irá esquecer que ficou 4:21 minutos de Froome e que até teve de lutar para ficar em terceiro com Adam Yates e Richie Porte a criarem-lhe problemas. A qualidade de Quintana é inegável, mas ainda não está ao nível de Froome. Tem de melhorar no contra-relógio e nas descidas e aquela postura desesperadamente conservadora, colado à roda de Froome sempre na expectativa, talvez seja uma atitude a rever. Claro que como todos os outros adversários, Quintana não tem equipa para competir com a Sky, mas o colombiano nem sequer demonstrou ter capacidade para vencer um frente-a-frente com Froome. No final surgiu a notícia que não irá aos Jogos Olímpicos por não se sentir bem e precisar de perceber o que se passa com a sua saúde...

4. A armada francesa não esteve ao nível esperado. Thibaut Pinot foi provavelmente a maior desilusão do Tour. Mal o terreno começou a subir, o francês começou a perder tempo. Mudou de táctica e resolveu tentar ganhar etapas e lutar pela camisola da montanha... acabou por abandonar. Pierre Rolland foi perseguido pelo azar, ou seja, pelas quedas e Warren Barguil ainda tem muito para evoluir. Já Romain Bardet confirmou todas as suas credenciais. Acabou por ser dos maiores animadores - dentro do pouco que houve de animador no Tour - e o seu segundo lugar é mais do que merecido e deixa o ciclista a sonhar com outros voos, legitimamente.  Venceu uma etapa em grande estilo (infelizmente para Rui Costa) e é um nome a ter em conta para as próximas edições.

5. Adam Yates acabou por ser a grande surpresa do Tour e nem ser atingido por um insuflável o parou. Quarto lugar, esteve na luta pelo pódio e venceu a classificação da juventude. Já se sabia que o britânico da Orica-BikeExchange tinha potencial, agora confirmou-o e em final de contrato com a equipa, é um dos ciclistas que maior interesse está a gerar. A nova geração britânica começa a demonstrar que Froome poderá ter sucessores à altura.

6. Não se esperava que na estreia Fabio Aru vencesse o Tour. Ainda assim, o 13º lugar sabe a pouco. De quando em vez houve rasgos daquele italiano irreverente que ataca e deixa todos em alerta. Nos Alpes, a Astana chegou mesmo a trabalhar para Aru, que depois não teve forças e ficou para trás. Bauke Mollema (Trek-Segafredo) estará muito desiludido. Esteve em segundo e não fosse a decisão da organização em "salvar" Froome no Mont Ventoux, teria ficado muito perto do primeiro. Quis fazer frente a Froome... e terminou fora do top dez (descer, ainda mais com chuva, não é de todo com ele). Já Richie Porte merecia mais do que uma BMC que o abandonou quando teve um furo logo na segunda etapa. O australiano foi dos ciclistas que apareceu em melhor forma. Apesar de nos Alpes algum cansaço se ter apoderado dele, se não fosse aquele furo, talvez tivesse conseguido o pódio.

7. Jarlinson Pantano foi outra das figuras deste Tour, principalmente na última semana. A IAM prepara-se para fechar portas, mas venceu uma etapa na Volta a França, juntando ao triunfo no Giro (por Roger Kluge), quando nunca tinha ganho numa grande volta. O colombiano Pantano foi um animador e é impressionante o seu espírito de lutador. Quando parece que vai ficar para trás, eis que lá vem ele novamente. E claro, não passou despercebido quando deu uma ajuda a Bauke Mollema, já a pensar que em 2017 deverá estar na Trek-Segafredo. Mais um colombiano a ter em atenção. Também atenção a Tom Dumoulin. Definitivamente ameaça tirar o lugar a Tony Martin como o melhor contra-relogista do munto. Dumoulin venceu ainda uma etapa de montanha (mais uma vez à custa de Rui Costa) e esperemos que a queda já perto do final do Tour não o tire dos Jogos Olímpicos.

8. Mark Cavendish renasceu. De outsider para vencer sprints, recuperou a coroa de rei dos sprints: conquistou quatro (e faltam quatro vitórias no Tour para igualar de Eddy Merckx), com Marcel Kittel e André Greipel a somarem apenas uma vitória cada um. Cumpriu o sonho de vestir a camisola amarela, nem que tenha sido apenas por um dia e deu nova dimensão à... Dimension Data, equipa que voltaria a vencer pelo inevitável Stephen Cummings. Pena e de certa forma reprovável que não tenha cumprido a promessa de estar nos Campos Elísios - até fez uma promo para a televisão a falar de quanto gosta de competir em Paris...), mas o apelo dos Jogos Olímpicos falou mais alto.

9. Peter Sagan é a figura da Volta a França, a seguir a Chris Froome, claro. Três etapas, três dias de amarelo, venceu pela quinta vez a camisola verde (dos pontos). Foi ainda nomeado o mais combativo do Tour. Mas Sagan foi muito mais numa Tinkoff a desfazer-se. A equipa russa está em contagem decrescente para o final, mas o Tour mostrou que cada um dos ciclistas estava a pensar mais no seu futuro. Roman Kreuziger desrespeitou ordens e abandonou Alberto Contador quando este precisou de ajuda numa subida. O checo tinha a sua agenda e o décimo lugar acaba por salvar a sua atitude. A Tinkoff voltou a ver o seu suposto líder, Contador, ter um Tour para esquecer (duas quedas e mais um abandono), mas Sagan garantiu que Oleg Tinkov tivesse muito para festejar, ao que se juntou Rafal Majka. Também ele chegou ao Tour com agenda própria e cumpriu ao garantir a camisola da montanha. Mas atenção, Peter Sagan foi um verdadeiro companheiro de equipa, pois não só lutou pelos seus objectivos, como ajudou sempre que foi preciso os colegas. E ainda houve tempo para uns cavalinhos! Não admira que falem num contrato de seis milhões de euros oferecido pela Bora-Hansgrohe em 2017.

10. Vamos terminar com os portugueses. Nelson Oliveira esteve muito bem no apoio a Nairo Quintana. No entanto, não se poderá esquecer que a Movistar falhou numa etapa em que o vento voltou a estragar as contas ao colombiano. Porém, Eusebio Unzué, director desportivo da Movistar, estará certamente satisfeito por ter escolhido português, que apareceu no contra-relógio. Foi terceiro, só batido por Tom Dumoulin e Chris Froome. Na crono-escalada serviu de teste para Quintana, ficando a sensação que se tivesse tido mais liberdade até poderá ter feito melhor do que o 21º tempo. Mas foi Rui Costa quem mais se mostrou, como era de esperar. A mudança de planos para lutar por etapas e não o top dez foi absolutamente correcta. Finalmente voltámos a ver o Rui Costa lutador e a mostrar toda a sua inteligência táctica. Esteve em seis fugas, foi o mais combativo numa etapa - na que foi ganha por Romain Bardet -, mas infelizmente não cumpriu o objectivo. Pode ser uma desilusão, mas o português mostrou-se em boa forma quando se aproximam os Jogos Olímpicos. O mesmo para Nelson Oliveira, que será um outsider de respeito às medalhas no contra-relógio. E já agora, Nelson subiu ao pódio no final com a Movistar, a melhor equipa do Tour, em tempo, pelo menos.


Best of - Tour de France 2016 por tourdefrance

Veja as classificações finais da Volta a França.

Sem comentários:

Enviar um comentário