8 de outubro de 2016

"Vou dar o meu máximo para obter um bom resultado, mas não quero dar esperanças aos portugueses de um top dez ou um top cinco"

2016 foi o ano em que Nelson Oliveira se confirmou como um dos melhores contra-relogistas mundiais. A mudança para a Movistar foi a escolha perfeita e o ciclista português sente-se "optimamente" na equipa espanhola. Sendo uma formação que aposta forte nesta especialidade do ciclismo, Nelson Oliveira admite que está a beneficiar desse trabalho. Ao Volta ao Ciclismo, o tetracampeão nacional de contra-relógio fez um balanço da primeira temporada ao lado de Nairo Quintana e Alejandro Valverde, recordou o azar do Paris-Roubaix, de como decorreu a Volta a França e claro os Mundiais que aí vêm e as suas expectativas num percurso que não lhe assenta, depois do sétimo lugar nos Jogos Olímpicos e quarto no Europeus. Destacou ainda como Sérgio Paulinho seria uma mais valia para a Movistar se os rumores da sua contratação se confirmassem.

Que balanço faz deste primeiro ano na Movistar?

É um balanço positivo apesar da queda que tive em Abril no Paris-Roubaix. Mesmo com esse momento, as coisas correram minimamente bem. É óbvio que queremos sempre mais, queremos sempre ganhar, mas estou contente com a época que fiz e espero que a equipa também esteja.

Sendo a Movistar uma equipa que trabalha muito o contra-relógio sente que tirou benefícios dessa aposta?

Sim. A equipa tem excelentes contra-relogistas e trabalha muito bem. Tem excelentes bicicletas e isso faz muita diferença, tal como a roupa, devido à aerodinâmica. A equipa tem consciência que para fazer bons contra-relógios tem de se esforçar e está a crescer nesse ponto. E claro que isso passa também por mim. Para se ser contra-relogista tem de se treinar muito, mas também nasce connosco. O contra-relógio é um treino diário... tem de se treinar muitas vezes por semana para se ser um bom contra-relogista. É um treino muito específico que temos de fazer de forma a melhorar certos pontos e nesta equipa isso tem vindo a acontecer.

"Trabalhar com Quintana e Valverde ajuda a ter mais um motivo de orgulho e a ter mais motivação"

Os resultados que obteve este ano - o terceiro lugar no contra-relógio do Tour, o sétimo nos Jogos Olímpicos e o quarto no Europeus - são o resultado dessa evolução?

Sim. Os Jogos Olímpicos é uma coisa que se estava a pensar há um ano e vamos treinando sempre a pensar nesse objectivo. Com a entrada nesta equipa, as coisas melhoraram bastante.

Como está a ser trabalhar com Nairo Quintana e Alejandro Valverde?

Bom, bastante bom. Trabalhar com eles ajuda a ter mais um motivo de orgulho e a ter mais motivação, pois quando estamos com eles queremos ajudar sem ter uma falha. Temos de treinar muito para que isso aconteça, mas a motivação com eles é muita e melhor. E é sempre bom ter como colega um ciclista mais velho e com a experiência de Valverde [36 anos]. Eles [Valverde e Quintana] vão sempre falando connosco, dizendo o que temos de fazer e também temos um director desportivo que tem muita experiência [Eusebio Unzué].

O que aconteceu na Volta a França?

Fomos preparados. Eu sabia o que tinha de fazer no Tour, que era trabalhar para Nairo Quintana e ajudá-lo a vencer, mas os outros ciclistas foram mais fortes...

Mas o Nelson Oliveira fez um bom Tour e até conseguiu o terceiro lugar no contra-relógio.

Estou contente com a Volta a França que fiz e nesse dia as coisas correram na perfeição. É óbvio que queríamos ganhar. Porém, quem ficou à minha frente [Tom Dumoulin e Chris Froome] valorizou ainda mais o terceiro lugar.

A Movistar vai perder alguns ciclistas importantes no próximo ano e está a apostar em jovens. A equipa está a passar por uma mudança?

Não sei, não me compete a mim. O Eusebio Unzué saberá o que está a fazer. Às vezes são os ciclistas que optam por sair e não é tanto por opção do técnico.

"O Sérgio Paulinho seria uma mais valia para a equipa. Já ajudou muita gente a ganhar"

Mas o Nelson sente-se bem na Movistar?

Sinto-me optimamente. Para já, estou perfeito.

Há rumores a circular nos media espanhóis que a sua equipa poderá estar interessada em contratar Sérgio Paulinho. Gostaria de contar com ele? Poderia ser uma boa ajuda para Nairo Quintana?

É a primeira vez que estou a ouvir isso. Mas gostaria de ter outro português na equipa e ainda mais se fosse o Sérgio, de quem já fui colega de equipa e com quem de me dou muito bem. É um excelente ciclista, não há dúvida, e seria uma mais valia para a equipa. É um dos melhores ciclistas em grandes voltas porque já ajudou muita gente a ganhar.

Expectativas para os Mundiais, os Jogos Olímpicos e os Europeus


O percurso do contra-relógio em Doha não assenta bem às suas características. Qual é o objectivo para estes Mundiais?

Os Mundiais têm um percurso plano e as minhas características adaptam-se melhor a um terreno ondulado. Vou dar o meu máximo para obter um bom resultado, mas não quero dar esperanças aos portugueses de um top dez ou um top cinco. Não sei o que poderá acontecer... Sei é que me sinto bem, apenas um pouco cansado mentalmente da longa época que tenho vindo a fazer. Comecei na Austrália em Janeiro e praticamente não parei. Mas espero que, pelo menos, as coisas nos Mundiais corram bem.

Quem vê então como potencial vencedor?

Estamos numa fase de uma época muito longa e há muitos ciclistas cansados e há outros em forma. Será uma incógnita. Depende das condições climatéricas, o vento... não vai ser fácil.

E no contra-relógio por equipas, a Movistar aposta na vitória?

Sim, pensamos nisso, mas há outras equipas, como a BMC e a Etixx-QuickStep, que também se prepararam muito bem, como se viu no Eneco Tour.

"Quanto ao vento, espero que o apanhemos de frente ou de costas, porque se o apanhamos de lado... vai ser um espectáculo para quem estiver a ver sentado no sofá!"

O que podemos esperar da equipa na prova de fundo que fará juntamente com José Gonçalves e Sérgio Paulinho?

Trata-se de uma prova totalmente plana. Não temos um sprinter e vamos tentar fazer alguma coisa. O seleccionador José Poeira logo decidirá. Penso que só o vento é que poderá fazer estragos, senão será uma chegada ao sprint. E quanto ao vento, espero que o apanhemos de frente ou de costas, porque se o apanhamos de lado... vai ser um espectáculo para quem estiver a ver sentado no sofá! No circuito final, que é bastante técnico, é provável que o apanhemos de todos os lados.

Como se preparou para o calor extremo que poderá apanhar?

Como estarei desde o dia 5 no Qatar não vou notar tanta diferença, isso poderá acontecer com quem chegar mais em cima da hora. No entanto, felizmente em Portugal está bom tempo e treinei com mais roupa para o corpo se habituar mais ao calor e sentir-se mais abafado. Mas esperemos que no dia da corrida as coisas estejam um pouco mais frescas do que o previsto!

Recuando aos Jogos Olímpicos, o que que significou para si o sétimo lugar?

Nos Jogos Olímpicos, como se realizam de quatro em quatro anos, todos estão bastante preparados. O meu objectivo era ficar no top dez e isso foi cumprido e estou bastante contente com o resultado. Na prova de estrada tive o azar de cair e de abandonar quando tentava ir bem colocado.

Mas ficou com mazelas que o prejudicassem no contra-relógio?

Até ao dia do contra-relógio tinha algumas dores no corpo, mas no dia já não me doía nada e penso que não iria fazer melhor se não tivesse caído. Penso eu...

E para Tóquio2020, sonha com uma medalha?

Todos sonhamos com uma medalha... Será um objectivo, mas não vou ficar obcecado com isso. Tóquio será outra experiência, mas faltam quatro anos, muitas corridas, muitas coisas em que pensar. Tendo alcançado o sétimo lugar, sabemos que as coisas não serão assim tão fáceis de melhorar e entretanto vão surgir novos contra-relogistas.

Já o quarto lugar nos Europeus foi um pouco frustrante...

Foi um bocadinho! Mas compreendo que, infelizmente, a viagem do Canadá [onde participou nas clássicas do Quebéque e Montreal] provavelmente afectou-me um pouco. Fizemos a viagem de noite e não dormi nada. Depois a viagem para o hotel em Paris... só dormi uma noite em condições. Todos esses factores juntos, parecendo que não, num contra-relógio são muito importantes. Se não se estiver totalmente recuperado vamos ressentir-nos. Foi na última parte, na parte principal, que quebrei e saí do pódio. Fiquei com pena. Foi por muito pouco [17 segundos]. Teria sido uma medalha nos Europeus, ainda mais sendo os primeiros.

As clássicas, o gosto por correr em Portugal, a nova geração e a paternidade


No próximo ano vai apostar nas clássicas do pavé?

Não é que eu seja um ciclista de clássicas, principalmente de pavé. Sou um corredor mais leve e para essas clássicas é preciso um corredor com mais peso. Mas a verdade é que eu gosto de fazer essas clássicas e são uma motivação extra. Espero em 2017 apostar nessas corridas e espero não ter os azares que tive este ano e que as coisas corram melhor! Podemos estar em grande forma, mas nessas corridas é preciso ter muita sorte.

Qual é aquela corrida que gostaria mesmo de ganhar?

Paris-Roubaix. Foi precisamente nessa que caí, mas faz parte do ciclismo.

Vai continuar a apostar nos campeonatos nacionais?

Sim. É uma das poucas oportunidades que tenho de correr em Portugal e gosto sempre de fazer um campeonato nacional, tanto o contra-relógio como a prova de fundo.

"A Volta ao Algarve tem organização para entrar no calendário World Tour"

E vem à Volta ao Algarve?

Ainda não sei. No estágio no final do mês já deveremos ter uma ideia das corridas que vamos fazer em 2017. Não sei se a Movistar vai à Volta ao Algarve.

Tem sido uma corrida que tem crescido nos últimos anos. Considera que tem potencial para entrar no calendário World Tour?

Tem organização para isso. Se realmente querem apostar e numa relação com o turismo, tem todas as condições para tal. As equipas do World Tour gostam porque é uma prova bastante dura, tem o contra-relógio, são cinco dias e calha numa boa altura do ano, normalmente não faz muito frio e isso para as equipas é bastante bom, ajuda a preparar as próximas corridas.

Apesar da longa crise no ciclismo em Portugal, continuam a aparecer jovens talentos. Como vê esta nova geração de ciclistas portugueses?

Portugal tem excelentes ciclistas e isso está comprovado, por isso, as equipas começam a apostar bastante nos portugueses. Esta nova geração tem bastante valor e tem vindo a progredir.

Como é o caso do Ruben Guerreiro...

O Ruben vai ganhar [na Trek-Segafredo] bastante experiência e maturidade no pelotão, pois vai ter ao seu lado ciclistas com bastante experiência [Contador, Mollema, Degenkolb, André Cardoso], que provavelmente o vão ajudar a crescer ainda mais como ciclista.

E no contra-relógio, o Nelson terá mais jovens adversários nos próximos campeonatos nacionais, além do Rafael Reis?

Há sempre trabalho a fazer e espero que em Portugal consigam trabalhar nesse aspecto e continuem a evoluir como têm vindo a fazer. É preciso nas camadas jovens ter bastante treino, estar focado e saber o que realmente se quer. Esta é uma especialidade das mais difíceis porque temos de dar o nosso máximo e, por vezes, passamos além do sofrimento. Vamos muito tempo a sofrer sozinhos e sabemos que não é fácil. Com muito treino e capacidade de superação, se quiserem chegarão lá de certeza.

Foi pai há pouco tempo. A paternidade influenciou-o como ciclista?

Se calhar sinto mais maturidade. Uma filha provoca sempre isso. Se calhar também me ajuda nos meus resultados. O mais difícil é sair de casa e deixá-la, estar longe dela durante tantos dias. Felizmente que as novas tecnologias permitem-me vê-la todos os dias.

Nelson Oliveira compete este domingo no contra-relógio por equipas, na quarta-feira fará o contra-relógio individual e no outro domingo (dia 16) estará na prova de fundo que fechará os Mundiais.




Sem comentários:

Enviar um comentário