(Fotografia: © BettiniPhoto/Facebook Mundiais de Innsbruck-Tirol) |
Valverde tinha acabado de cortar a meta em Innsbruck quando cai uma mensagem no telemóvel: "O que dizer? Que monstro." Pegando nesta expressão de um amante e profundo entendedor de ciclismo, "monstro" talvez seja mesmo a melhor forma de descrever Alejandro Valverde. Simples e directa. Para quê prolongar mais a descrição do que este ciclista fez neste domingo. O que fez na sua carreira.
Aos 38 anos, quando muitos já se retiraram ou pensam estar na altura de o fazer, mantendo-se muitas vezes com papéis secundários nas equipas, este espanhol tem estado na linha da frente, somando vitórias, disputando todas as corridas como se cada uma fosse a mais importante da carreira. Estes Mundiais eram provavelmente essa tal corrida. A corrida de uma vida. As lágrimas no final demonstraram o alívio de finalmente ter o título que lhe faltava, depois de dois segundos lugares e quatro terceiros.
E que gesto se viu de seguida. Peter Sagan, o tricampeão do mundo - que dada as dificuldades do percurso acabou por abandonar -, saltou para o pódio para ser ele a passar o testemunho. Entregou a medalha a Valverde. Um senhor do ciclismo este Peter Sagan! Um senhor de desportivismo! Por momentos roubou um pouco das atenções. Mas o dia é de Valverde. O próximo ano será de Valverde de arco-íris.
Era um dos favoritos, numa lista em que muitos se poderiam incluir. Porém, quando no circuito final de Innsbruck, as últimas três voltas foram eliminando nomes importantes, começou-se a perceber que quem tinha estado na Vuelta estava a pagar o esforço recente de uma grande volta. Valverde terminou a Vuelta em perda, não só não conseguindo ganhar, como deixando escapar o pódio, além das críticas a uma liderança partilhada com Nairo Quintana que não funcionou. Talvez já seja de mais pedir a Valverde para ganhar a grande volta do seu país, mas ficou mais uma demonstração que é um ciclista para os grandes momentos. E que já não queria mais pratas ou bronzes em Mundiais!
O próprio admitiu que foi a vitória da sua carreira. Não que não valorize a Vuelta que conquistou, as quatro Liège-Bastogne-Liège, as cinco Flèche Wallonne, as muitas clássicas e não menos provas por etapas... Mas quando se está tanto tempo à procura de um triunfo, quando se subiu a um pódio seis vezes para ver outro ciclista vestir a camisola que tanto queria, é normal que este título mundial fique no topo das suas principais conquistas.
Este ano conta com 17 triunfos, incluindo etapas, gerais e camisolas de pontos e de montanha. Quantas mais vitórias virão numa carreira que já ultrapassou as 100? Valverde tem mais uma época de contrato com a Movistar e com este ritmo de conquistas pode-se pensar numa carreira que vá além dos 40 anos. No entanto, até que ponto este título mundial poderá precipitar o ponto final? Não agora, claro. Valverde vai querer vencer de arco-íris vestido, mas não surpreenderia que optasse por sair em grande, como campeão do mundo, talvez depois da Vuelta.
Uma mera suposição nesta altura. Uma mera opinião. Certo é que a Movistar volta a ter um campeão do mundo, depois de Rui Costa, ainda que o português tenha depois rumado à então Lampre-Merida. Há um ano temeu-se que a carreira do espanhol pudesse ter terminado naquela grave queda no contra-relógio inaugural do Tour. Não. Regressou tão forte como tem estado nas últimas temporadas, parecendo que o tempo não passa por ele.
Valverde terá sempre aquela mancha que foi a suspensão por doping. Regressou ainda melhor do que antes para assim garantir que não fosse aquele momento que definisse a sua carreira.
Aqueles Mundiais de 2013...
A primeira subida ao pódio de Valverde foi em 2003. Ficou atrás do compatriota Igor Astarloa. Dois anos depois foi batido pelo belga Tom Boonen. Seguiram-se três terceiros consecutivos entre 2012 e 2014. Philippe Gilbert, Rui Costa e Michal Kwiatkowski foram os campeões, com Edvald Boasson Hagen, Joaquim Rodríguez e Simon Gerrans a serem segundos, respectivamente.
Aqueles Mundiais de 2013, em Florença, foram uns que, apesar das duas melhadas para Espanha, Valverde não se livrou de críticas. O trio que terminou no pódio estava a disputar a vitória e Valverde acabou por ser acusado de não jogar em equipa com Rodríguez, quando tinham o ciclista português como adversário comum. Rui Costa bateu Purito, mas foi uma derrota que custou aos espanhóis de aceitar, mesmo que o poveiro até representasse então uma equipa daquele país. Ficou sempre a ideia que Valverde não ajudou o compatriota.
Purito e Valverde podem não ter ficado os melhores amigos, mas o ex-ciclista deixou uma mensagem no Twitter a dar os parabéns a Valverde, mas principalmente ao seleccionador Javier Minguez.
O último campeão do mundo espanhol havia sido Óscar Freire, em 2004, naquela que foi a sua terceira vitória. Abraham Olano conquistou o título em 1995, o primeiro da história do ciclismo de Espanha.
A corrida
Quase 260 quilómetros, 4670 metros de acumulado, uma subida final de 2,8 quilómetros, mas com pendentes a chegar aos 28%... Innsbruck prometeu um inferno e assim foi. Os mais puros dos trepadores foram cedendo, Primoz Roglic ficou envolvido numa queda que o prejudicou, mas essencialmente foi a dureza do percurso que fez a maior mossa. Os últimos 60 quilómetros foram muito atacados, desfazendo a fuga de 11 ciclistas que chegou a ter mais de 17 minutos de vantagem. Foi em ataques e contra-ataques que Valverde, Romain Bardet, Michael Woods e Gianni Moscon acabaram por ser o quarteto que, na subida final, parecia ficar definido para discutir a vitória. Julian Alaphilippe foi talvez a maior desilusão nesta fase da prova. Moscon começou aos ziguezagues, meteu a roda na berma e não mais recuperou ritmo. Só Tom Dumoulin conseguiria na descida apanhar o então trio, mas as forças eram nulas para ir a mais uma medalha, depois da prata no contra-relógio.
Ao sprint, não havia dúvidas quem era o mais forte. Valverde confirmou-o. Romain Bardet irá ficar a pensar se deveria ter forçado um pouco mais na descida e tentado descolar, mesmo sabendo que o espanhol também desce bem. Foi segundo, com o canadiano Michael Woods a fechar o pódio. Desde 2005 que um francês não subia ao pódio nos Mundiais na prova de fundo - Anthony Geslin foi terceiro - e o Canadá precisa de recuar a 1984, quando Steve Bauer ficou também com o bronze.
Rui Costa realizou uma excelente corrida. Sempre bem colocado, atento às movimentações, mexendo também ele no grupo. No entanto, à entrada da última subida viu-se o português a dar murros nas pernas. A condição física começou a ceder no pior dos momentos devido a cãibras. Ainda assim, e mesmo não sendo uma subida que goste, o campeão do mundo de 2013 não baixou o braços e fechou o top dez, a 43 segundos de Valverde.
Nelson Oliveira foi 39º, a cinco minutos do vencedor, tendo realizado um bom trabalho ao lado de Rui Costa. Ruben Guerreiro e Tiago Machado abandonaram depois de também eles muito trabalharem (resultados completos neste link).
Para o ano os Mundiais rumam a Yorkshire, na Grã-Bretanha, de 22 a 29 de Setembro.
»»Este é Rui Costa««
»»O novo Merckx? Não. É o novo Remco Evenepoel, um nome a não esquecer««
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