12 de setembro de 2018

Quintana pode não ter perdido apenas a Vuelta

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Desiludido, conformado, derrotado. Nairo Quintana era um homem abatido por mais um dia mau numa grande volta, que o afasta novamente de disputar uma vitória, agora na Vuelta. O ciclista que a Colômbia pensava ser aquele que iria concretizar o sueño amarillo de vencer o Tour, tornou-se num que é constantemente batido pelos adversários, que aposta num conservadorismo que nada de bom lhe tem trazido, mas que parece não querer largar.

Quintana nunca foi um ciclista de loucuras. Houve sempre um toque metódico na sua forma de correr. No entanto, ganhou o Giro em 2014 e a Vuelta em 2016 por assumir-se como um líder, como um candidato, tomando os riscos necessários para que quem ganhar. Porém, as suas vitórias trouxeram a pressão de conquistar o Tour. Chris Froome (Sky) não o deixou. Veio depois o objectivo de ganhar Giro e Tour no mesmo ano. As dificuldades nos contra-relógio mais planos e Tom Dumoulin não deixaram em Itália e em França foi o descalabro de um Quintana esgotado com o esforço inglório feito no Giro. Concentrou-se novamente no Tour em 2018 e falhou por completo, tal como toda a Movistar, que quis enfrentar a Sky olhos nos olhos e acabou por mal assustar. O "castigo" foi ir à Vuelta. Quintana falhou de novo, apesar de ter assumido que esta corrida era mesmo para ganhar.

Conservador por excelência e que tantas críticas lhe valem, das poucas vezes que tentou mexer com a corrida, chegou a fazê-lo a olhar para trás e não com os olhos postos no prémio. Em dois dias, Quintana pagou caro a sua postura. No contra-relógio faltou-lhe o de sempre: maior capacidade para se defender em percursos maioritariamente planos. Na etapa de muita montanha desta quarta-feira, faltaram-lhe as pernas. Nos outros dias tinha-lhe faltado um pouco mais de audácia, que Simon Yates (Mitchelton-Scott), o companheiro Alejandro Valverde e Miguel Ángel López (Astana) não tiveram receio de mostrar. Os dois primeiros estão a recolher os frutos dos riscos, enquanto o outro colombiano não está onde queria, mas pelo menos está a lutar e muito por conquistar o que quer.

Falta sempre algo a Quintana e com mais este falhanço na Vuelta - que só uma reviravolta, que até para esta corrida já é demasiado improvável, poderia evitar - em 2019 poderá começar a faltar um pormenor essencial: estatuto na Movistar. A contratação de Mikel Landa abanou e muito Quintana. A rivalidade interna foi sendo desmentida, mas existe. O espanhol lesionou-se e ficou de fora da Vuelta. O colombiano pensou que seria líder solitário, como não esconde preferir. Valverde mostrou que estava também para disputar a Vuelta e é agora a aposta, com Quintana a assumir que irá trabalhar para o colega.

Se Landa aparecer ao seu nível em 2019 - também ele desiludiu no Tour -, Quintana poderá ver-se definitivamente relegado para um segundo plano. Apostar nos dois, com Valverde como salvaguarda não resultou no Tour. Se se falou da possibilidade de Landa até quebrar contrato com a Movistar, tal não se confirmou. Mas não será de admirar que, tal como aconteceu no ano passado, Quintana seja falado para outras equipas. E se calhar uma mudança até pode fazer-lhe bem. Apesar de ter apenas 28 anos, o crédito está a esgotar-se numa formação que não só tem Landa, como tem um Marc Soler e um Richard Carapaz que não será possível deixar na sombra por muito mais tempo.

Aproximam-se mais tempos difíceis para Quintana a quem neste momento será muito importante demonstrar que também trabalha para a equipa. Falhou como líder. Tem de mostrar que é bom companheiro e ficar ao lado de Valverde para que a Movistar não saia derrotada de mais uma grande volta. A aposta feita no Tour pela equipa pode não ter sido a mais acertada, mas na Vuelta, mesmo com dois líderes, a equipa tem trabalhado e deixado os seus ciclistas bem posicionados. Valverde está a corresponder. Quintana não.

Luta acesa

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Um dia ganha-se, noutro perde-se. Valverde respondeu a um contra-relógio menos bom, com uma subida bem melhor no Alto del Balcón de Bizkaia (a pendente chegou aos 24%!). Recuperou oito segundos, sendo agora 25 os que o separam de Yates. Faltam duas etapas de montanha, mas primeiro há uma algo estranha para a Vuelta: a desta quinta-feira não tem contagens de montanha.

A dose de moral está agora do lado do espanhol, mas Yates tem aspectos positivos a retirar. O irmão, Adam, está de facto bem nesta última semana, tal como a restante equipa. A poupança de esforços da Mitchelton-Scott, que chegou a irritar Valverde e Quintana, está a agora a ter os seus dividendos.

Yates sempre se preocupou mais com Valverde do que com Quintana e tinha muita razão. Porém, nem um nem outro podem descuidar-se. Se têm tudo para serem os dois discutir a Vuelta, há um joker que já está no terceiro lugar. Enric Mas foi mais uma vez sensacional. O espanhol, de apenas 23 anos, da Quick-Step Floors teve mais um grande dia e, ao contrário de Steven Kruijswijk (Lotto-Jumbo), não pagou o esforço do excelente contra-relógio.

Enric Mas aproveitou a quebra de Quintana, López e Kruijswijk para se meter no pódio, a 1:22 de Yates. Começou a Vuelta discreto, foi aparecendo aos poucos e agora está com os melhores, ataca, contra-ataca... Arrisca e está a resultar. Pode não ser visto como a das maiores das ameaças à dupla da frente, mas como hoje ficou provado, se for consistente e manter-se na frente, basta alguém fraquejar que ele aproveita.

Apesar da etapa não ter sido perfeita, López ainda assim subiu a quarto, estando a 1:36. A Astana continua a trabalhar muito bem, faltando agora o Superman, como é conhecido, voar para um resultado que o recoloque na disputa pela vitória, ou pelo menos no pódio. Kruijswijk está agora a 1:48 e Quintana a 2:11.

De quatro candidatos, passou-se a seis no contra-relógio e é possível que se fique reduzidao a dois, com um Mas a espreitar uma surpresa. Neste momento, no pódio está a referência do ciclismo espanhol ainda em actividade e um corredor que tem tudo para vir a ser uma das referências da nova geração.

18ª etapa: Ejea de los Caballeros - Lleida, 186,1 quilómetros

Michael Woods deu a segunda vitória à EF Education First-Drapac p/b Cannondale nesta Vuelta, depois de Simon Clarke na quinta etapa. As vitórias este ano estão a escassear para a equipa americana. Tinha apenas quatro quando chegou a Espanha. O canadiano foi sétimo na geral há um ano, contudo, em 2018, tem com Rigoberto Uran destinado para a geral, Woods perseguiu a vitória de etapa, a sua primeira numa grande volta com uma dedicatória muito especial.

O ciclista, de 31 anos, contou que há dois meses o seu filho nasceu morto. "Perdemos o pequenino. O nome dele era Hunter. Todo o tempo em que ia a subir, estava a pensar nele. Queria ganhar tanto por ele e consegui", confessou o vencedor da tirada entre Getxo e Balcón de Bizkaia (157 quilómetros).

Pode ver aqui as classificações completas, com destaque para a mudança de dono na camisola da montanha. Luis Ángel Maté (Cofidis) cedeu a liderança que controlou desde a primeira etapa em linha. Thomas de Gendt atacou com tudo o que tinha esta classificação nesta etapa e tem agora dez pontos de vantagem sobre o espanhol, que até já tinha ajudado noutra etapa. O ciclista da Lotto Soudal é mais forte na alta montanha, onde Maté não tem consigo aguentar o ritmo e que provavelmente lhe custou uma camisola por que tanto trabalhou.

Esta quinta-feira será então um dia atípico na Vuelta: não há contagens de montanha. Os sprinters podem entrar em acção, antes da chegada a Madrid, no domingo. Depois chegam os dois dias de montanha finais. O último com a muito esperada etapa de 97,5 quilómetros (*).



(*) Por lapso foi referido no texto anterior que esta etapa curta era na sexta-feira. As mais sinceras desculpas pelo erro, que foi entretanto corrigido.

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