Sérgio Paulinho está de volta a Portugal e já veste as cores da Efapel. Aos 36 anos e depois de uma longa experiência ao mais alto nível como gregário de um dos corredores mais importantes, Alberto Contador, o ciclista regressa para um desafio que não esperava ter nesta fase da carreira: ser líder de uma equipa. E não se pense que ser forçado a abandonar o World Tour por não ter encontrado uma equipa deixou Sérgio Paulinho desmoralizado. Muito pelo contrário. Fala da aventura que o espera sempre com um grande sorriso, visivelmente motivado pela experiência de ser líder e de ter a oportunidade de lutar pela conquista da Volta a Portugal.
"[Ser líder] vai ser, senão o maior, um dos maiores desafios da minha vida", confessou ao Volta ao Ciclismo, mostrando-se consciente do trabalho que tem pela frente, principalmente a nível mental, mas transparecendo confiança: "Acho que 2017 vai ser um ano espectacular. Acho que vou ser bastante feliz. Não quer dizer que vá ganhar a Volta a Portugal, mas vou trabalhar para isso." Mas até lá, espera-o uma árdua tarefa. Nas suas palavras, é preciso "mudar o chip", ou seja, depois de anos a trabalhar para um líder, agora terá de ser o ciclista português a liderar, terá de ser ele a assumir a responsabilidade de ganhar.
"É um trabalho mais mental do que físico", explicou. "A nível físico, em termos de preparação como gregário ou líder, acaba por não ser muito diferente. A grande diferença vai ser a nível mental porque quando era gregário, fazia o meu trabalho, encostava e ia devagar até à meta. Agora, como líder, o caso é completamente diferente." Sérgio Paulinho disse que já começou a trabalhar na tal "mudança de chip" com Américo Silva. O director desportivo da Efapel é um amigo de longa data do ciclista. Ainda jovem, Paulinho já treinava com Américo Silva, então ciclista profissional, e a amizade perdura. A intervenção do director desportivo foi mesmo decisiva para convencer o ciclista a assinar pela Efapel: "Voltar a trabalhar com ele foi também o que me fez regressar a Portugal."
"A minha carreira tem passado principalmente por fazer a Volta a França e a Volta a Espanha. Ao fim do terceiro ano já começa a ser algo monótono. Esta vinda para Portugal acaba por me dar ânimo, dá-me mais motivação"
Foram 12 anos no World Tour que chegaram ao fim juntamente com o fechar de portas da Tinkoff. Como qualquer ciclista viveu aquilo que sempre ambicionou, participou nas melhores corridas internacionais. Ainda assim, confessou que a carreira estava a tornar-se monótona. "A minha carreira tem passado principalmente por fazer a Volta a França e a Volta a Espanha. Os primeiros dois/três anos são sempre muito interessantes. Tudo é novidade. Porém, ao fim do terceiro ano já começa a ser algo monótono. Já sabia que na Volta a França o Alberto [Contador] era o líder, já sabia o que ia fazer. Esta vinda para Portugal acaba por me dar ânimo, dá-me mais motivação... É uma motivação diferente", salientou.
Afirmou não lamentar ter deixado o World Tour, ainda que admita que não gostou da forma como saiu. Por isso, até deixa a porta aberta para um possível regresso: "Gostava de voltar para fazer mais um ano e depois, quem sabe, voltar a Portugal ou terminar a carreira." No entanto, que não restem dúvidas, está muito feliz por regressar ao seu país e de representar a Efapel, realçando que se não voltar ao World Tour, não perderá o sono por causa disso. Quer competir mais dois anos e não se importa de ficar em Portugal, referindo que, depois desse tempo, irá avaliar ano a ano a continuidade da carreira, não impondo um limite para a terminar.
Agora, na Efapel, quer viver o ciclismo de uma forma mais calma - ainda que sempre com a pressão inerente à sua responsabilidade - e perto da família. "Não lamento ter deixado o World Tour porque se passa muito tempo fora de casa. Tenho 36 anos, dois filhos e adoro a vida que tenho e a minha carreira, mas acaba por ser cansativo. Em 2015, quando fiz a Volta a Itália, em quatro meses se estive três semanas em casa foi muito. Entre corridas, estágios... Depois de anos a fazer isto consecutivamente, acaba por cansar. Estava a ficar um pouco saturado." Ao receber a proposta de Américo Silva e sem convites para continuar no World Tour, conversou com a família sobre a mudança que queria enfrentar. "Disse-lhes: "Chega! Para mim este projecto vai ser melhor, vai ser uma motivação diferente e vou aceitar o convite."
2017, um ano importante para o ciclismo nacional
Sérgio Paulinho é o nome mais sonante, num ano em que o pelotão português irá voltar a contar também com Edgar Pinto e Fábio Silvestre, além de terem permanecido outros ciclistas importantes, como Joni Brandão, o galego Gustavo Veloso, Frederico Figueiredo e Amaro Antunes, por exemplo. "Vai ser um pelotão mais recheado. Acho que irá haver mais discussão nas corridas e isso só beneficia o ciclismo português. Será um ano bastante importante para o ciclismo nacional", frisou.
"A equipa está melhor do que no ano passado. Está mais completa tanto para a alta como para a média montanha"
A W52-FC Porto dominou em 2016 e a equipa tem sido a mais forte nos últimos anos em Portugal. O Sporting-Tavira também se reforçou, Rádio Popular-Boavista, Louletano-Hospital de Loulé e a nova equipa LA Alumínios-Metalusa-BlackJack prometem dar luta em todas as corridas. E como está a Efapel? "A equipa está melhor do que no ano passado. Está mais completa tanto para a alta como para a média montanha. Acaba por ser uma equipa mais composta e acho que estamos preparados para nos bater com a W52-FC Porto, Sporting-Tavira ou qualquer outra equipa", respondeu.
O ciclista, agora líder da Efapel, será o que terá maior experiência internacional ao mais alto nível no pelotão. Sérgio Paulinho considera que os anos de World Tour poderão fazer a diferença, pois poderá transmiti-la aos seus novos companheiros e poderá também ter "um papel fundamental na Volta a Portugal". Contudo, referiu de novo que a "mudança de chip" será decisiva para estar na luta pela vitória na competição mais importante para as equipas portuguesas.
Até lá, Sérgio Paulinho terá outros objectivos e a estreia pela Efapel será feita numa corrida na qual continuará a sentir o ambiente World Tour: Volta ao Algarve. A prova, que se realiza entre 15 e 19 de Fevereiro, contará com 12 das 18 equipas do principal escalão do ciclismo. "Vai ser estranho e engraçado. Estranho porque vou estar numa equipa diferente ao que estava habituado. A realidade é esta: a Efapel não tem as mesmas condições de uma equipa do World Tour. Será engraçado porque estou a fazer uma Volta ao Algarve para mim, como líder da equipa e não, como nos últimos anos, como gregário do Alberto Contador ou de outro líder da equipa. Acaba por ser um misto de sensações", admitiu.
Sempre disponível para a selecção
Em 2016, Sérgio Paulinho esteve nos Europeus e nos Mundiais e deseja continuar a ter a oportunidade de representar Portugal, mas com uma condição: "Sempre disse ao José Poeira que se eu estiver bem fisicamente, que pode contar comigo, caso contrário, se tem um ciclista que possa representar o papel melhor do que eu, então deve levar o outro ciclista. Mas a selecção pode sempre contar comigo."
"Esta mudança era o que eu estava a precisar para dar outro rumo à minha carreira"
Num ano complicado, os Europeus acabaram por ser uma das melhores exibições do ciclista português. "Se calhar foi das corridas que terminei mais satisfeito. Estive ali até ao último momento, ajudei o Rui [Costa] até onde pude e acabei bastante contente com o trabalho feito", disse. Acrescentou que a sua performance também se deveu ao facto de, apesar de o Rui Costa ser o líder, Paulinho também tinha alguma liberdade, o que normalmente não acontecia na Tinkoff.
Mas para Sérgio Paulinho, a equipa vem sempre em primeiro lugar e a partir de hoje estará na estrada com o equipamento da Efapel e com a sua nova bicicleta. O ciclista está ansioso pelo momento em que começará a competir, até porque, confessa, ficou "muito contente" com a reacção das pessoas nas redes sociais quando foi anunciada a sua contratação. "Esta mudança era o que eu estava a precisar para dar outro rumo à minha carreira. Vai ser um desafio bastante interessante e acho que o vou conseguir superá-lo."
Esta segunda-feira será publicada a segunda parte da conversa com Sérgio Paulinho. O ciclista português falou de um 2016 complicado a nível físico, de Oleg Tinkov, Peter Sagan e da mágoa que ficou da atitude de Alberto Contador. Recordou os momentos que mais o marcaram na carreira e falou também dos cada vez mais portugueses que vão conseguindo entrar no World Tour.
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