28 de fevereiro de 2019

"Não vou mentir, não é que estivesse a ficar desmotivado, mas já eram muitos anos a ter os mesmos objectivos"

(Fotografia: © João Fonseca)
Época após época a dominar o ciclismo nacional, a vencer a Volta a Portugal e muitas das principais corridas no país, esta W52-FC Porto já pedia algo mais. Foram necessários cerca de três anos para ser possível concretizar o objectivo de subida ao escalão Profissional Continental, algo muito bem-vindo para Samuel Caldeira que, aos 33 anos, ambicionava poder competir noutras corridas. Ir mais além fronteiras.

2019 acaba assim por ser duplamente mais feliz para o ciclista algarvio. Não só vai poder ter objectivos diferentes e, por consequência, motivantes, como está de regresso à competição depois de uma lesão de complicada recuperação a uma vértebra. Apesar de ainda ter estado no Grande Prémio Nacional 2, em Julho, o próprio admite que foi mais a nível de participação do que competitivo. Falhou a Volta a Portugal e o regresso "a sério" deu-se mesmo neste arranque de temporada.

"Estava com muita vontade e muita ambição de voltar a correr. Foram tempos complicados. Mas tive sempre o apoio da equipa, o que acabou por me dar alguma tranquilidade. Pude focar-me nesta época e numa boa recuperação, mas é sempre complicado ter uma lesão como a que tive", contou ao Volta ao Ciclismo. Caldeira reiterou a importância que teve a mensagem transmitida pelos responsáveis da equipa, que contavam com ele e que deveria concentrar-se apenas em recuperar bem.

A lesão aconteceu devido a uma queda na última etapa na Volta à Comunidade de Madrid, a 6 de Maio, pelo que foi muito tempo que Samuel Caldeira esteve sem objectivos competitivos. Sem surpresa, a sua motivação para 2019 é ainda maior. "Uma lesão é sempre difícil e esta pode trazer problemas futuros a nível de saúde, mas sinto que a superei bem. Sinto-me perfeitamente bem", assegurou.

"Estou numa idade - já não sou novo, tão pouco estou velho - em que tenho vontade de discutir corridas no estrangeiro"

Agora quer obter bons resultados numa equipa Profissional Continental e não nega que a mudança de escalão chegou numa boa altura da sua carreira: "Não vou mentir, não é que estivesse a ficar desmotivado, mas já eram muitos anos na mesma coisa, a ter os mesmos objectivos, a conseguir alcançá-los... Acaba por se tornar um pouco monótono. Sempre ambicionei ter um calendário mais internacional, sinto-me bem a correr nesse tipo de corridas. Penso que sou um ciclista que encaixo bem, pois sempre que vou lá fora consigo estar na frente. Este ano, tendo essa oportunidade, sinto uma enorme felicidade por isso."

Samuel Caldeira disse mesmo que se "chega a um ponto em que a motivação não pode ser ganhar 20 vezes a Volta a Portugal". "Temos ganho e não é garantido que vamos ganhar a próxima e isso é sempre um desafio, mas motivar os atletas em abrir o leque competitivo com outros desafios, acaba por ser bom para todos", salientou. O ciclista, que vai para a sua sétima temporada na estrutura do Sobrado, vai escolher um calendário que inclua mais corridas no estrangeiro. "Tenho essa vontade de correr lá fora. Estou numa idade - já não sou novo, tão pouco estou velho - em que tenho vontade de discutir corridas no estrangeiro e levar o nome da W52-FC Porto lá fora. É esse o meu objectivo."

A equipa começou a época na Volta à Comunidade Valenciana e, tal como no ano passado, irá estar muito presente por Espanha. Caldeira referiu que a W52-FC Porto estará novamente em provas como a Volta a Castela e Leão, Comunidade de Madrid e Astúrias, mas também irá a Aragão. "Além de Espanha temos possivelmente algumas saídas à China, Turquia e outras corridas que acabamos por abrir o leque. Talvez Bélgica, Itália... Devagarinho a equipa vai começar a ir mais além fronteiras", realçou.

"Há algumas coisas que irão mudar e estão a mudar. Mais do que nada, agora temos de desfrutar e de nos concentrar para que tudo saia bem"

O director desportivo, Nuno Ribeiro, manteve o núcleo duro que tem sido garantia de sucesso da equipa e que inclui quatro vencedores da Volta a Portugal: Raúl Alarcón, Rui Vinhas, Gustavo Veloso e Ricardo Mestre. Este último ganhou ao serviço do Tavira. Samuel Caldeira é mais um dos ciclistas com papel central na equipa. Esta continuidade é um factor positivo neste momento de subida, na perspectiva do algarvio: "É confortável para nós. Acaba por ser uma adaptação minha e da equipa, não é só minha. Há algumas coisas que irão mudar e estão a mudar. Mais do que nada, agora temos de desfrutar e de nos concentrar para que tudo saia bem." E garantiu que entre as mudanças por esta subida de categoria está a mentalidade, a ambição e a "injecção de motivação" que os ciclistas receberam por agora estarem no nível Profissional Continental.

A este núcleo duro juntaram-se seis reforços, dois dos quais já bem conhecidos na equipa. Rafael Reis e Joaquim Silva são corredores que regressaram à W52-FC Porto. O primeiro esteve dois anos na Caja Rural, o segundo apenas um. O destaque para as escolhas das novas caras, é o facto de serem todas portuguesas. "Eu sempre disse que nós portugueses temos ciclistas, uns aqui, outros noutras formações, que têm bastante qualidade para fazer uma equipa a nível internacional para competir de igual para igual com as estrangeiras", afirmou, frisando precisamente a aposta que a W52-FC Porto faz nos ciclistas nacionais.

Edgar Pinto (ex-Vito-Feirense-BlackJack) e Daniel Mestre (Efapel) trouxeram, além de ainda mais qualidade, experiência, enquanto Jorge Magalhães e Francisco Campos, ambos ex-Miranda-Mortágua, são dois jovens promissores. Este último com características de sprinter, tal como Samnuel Caldeira. Será o seu sucessor? "Ele tem um futuro bastante bom pela frente. A curto prazo penso que estará a ganhar grandes corridas", disse.

Em 2017 conseguiu finalmente conquistar uma etapa na Volta a Portugal, depois de ter estado algumas vezes tão perto. Samuel Caldeira vê agora abrirem-se outras perspectivas e só pensa em aproveitar esta oportunidade, pois foi preciso esperar 10 anos para ver novamente uma equipa portuguesa a este nível.


27 de fevereiro de 2019

Financiamento garantido. Campenaerts vai tentar bater recorde de Bradley Wiggins

(Fotografia: © João Calado/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Local escolhido, data definida e um ciclista determinado em tirar o recorde da hora a Bradley Wiggins. Faltava garantir o financiamento (e não era pouco), que também já está tratado. Victor Campenaerts tem tudo preparado para enfrentar o primeiro de três grandes objectivos da carreira. O bicampeão europeu de contra-relógio, quer ainda juntar um título mundial e a medalha de ouro olímpica nesta especialidade.

Mas uma coisa de cada vez. Primeiro o recorde da hora. A tentativa de bater a marca de Wiggins irá realizar-se a 16 ou 17 de Abril, num velódromo que tem sido a escolha de vários ciclistas, o de Aguascalientes, no México. A marca está nos 54,526 quilómetros e foi estabelecida a 7 de Junho de 2015, em Londres. Wiggins fez muito melhor do que o seu compatriota, que um mês antes tinha fechado os 60 minutos com 52,937 quilómetros. O britânico Alex Dowsett nunca se conformou com a perda do recorde, alegando que Wiggins tinha violado as regras ao ter um guiador feito à sua medida, quando é suposto utilizar material que possa ser adquirido por qualquer pessoa.

A marca de Bradley Wiggins é a que vale, enquanto Dowsett de vez em quando lá fala em tentar de novo. Porém, foi o dinamarquês Martin Toft Madsen (53,630 quilómetros em Julho do ano passado) e o holandês Dion Beukeboom (52,757, um mês depois) que avançaram. Ambos estiveram precisamente no México, mas nenhum conseguiu fazer melhor do que Wiggins. Já a italiana Vittoria Bussi aproveitou bem a viagem àquele país e estabeleceu a marca das senhoras em 48,007 quilómetros, em Setembro de 2018.

"Eu respeito muito o Bradley e não considero que seja um atleta melhor do que o antigo vencedor da Volta a França e cinco vezes campeão olímpico. No entanto, ao progredir e tendo em conta todos os pormenores possíveis, espero ter uma hipótese de ficar com o recorde da hora", afirmou Campenaerts, num comunicado divulgado pela UCI.

Esta vontade de dedicar-se ao recorde da hora cresceu após os Mundiais de Innsbruck. Campenearts foi terceiro, com a camisola arco-íris a ficar para Rohan Dennis, mas o belga não perdeu tempo e foi testar-se no recorde da hora. "Pedalei a uma média de 54,8 quilómetros por hora e nas últimas quatro voltas cheguei aos 60 quilómetros por hora para ver o que sobrava de energia", explicou então ao Het Nieuwsblad. Pormenor importante foi este teste ter durado meia hora, o suficiente para motivar ainda mais o ciclista. "Sei que 30 minutos a este ritmo é muito diferente de 60 e muito terá de ser feito para de facto bater o recorde da hora", disse na altura. Os primeiros testes foram realizados no velódromo de Grenchen, na Suíça, com Campenaerts e passar mais tarde dois meses na Namíbia, para treinos de altitude.

Agora já teve muito tempo para mais testes, até porque não compete desde os Mundiais. Contudo, irá estar na estrada pela Lotto Soudal no Tirreno-Adriatico (de 13 a 19 de Março) e percebe-se a escolha: tem um contra-relógio colectivo a abrir e um individual a fechar. Depois viajará para o México, três semanas antes da tentativa.

A meio deste mês, o belga, de 27 anos, já tinha garantido que o recorde da hora era mesmo um objectivo, mas faltava o necessário financiamento. Em entrevista ao HLN.be, Campenaerts explicou que precisaria de pelo menos 100 mil euros. "O preço inclui o equipamento, a viagem ao México, a estadia, o uso de uma tenda de altitude, os custos com o staff, o salário do meu treinador, o aluguer da pista e muito mais", referiu. Acrescentou que a sua equipa estava a trabalhar para garantir um patrocínio, que chegou de uma empresa que organiza eventos, a Golazo.

Com a alteração das regras, foram vários os ciclistas que se interessaram pelo recorde da hora, depois de ter caído praticamente no esquecimento. Jens Voigt foi o primeiro, num adeus em grande na carreira. Fez 51,110 quilómetros, a 18 de Setembro de 2014. Em menos de um ano houve mais sete tentativas, quatro resultaram em recordes. No entanto, a fantástica marca de Wiggins acabou por voltar a resfriar o interesse.

Além de Dowsett, também Dennis não esconde que um dia gostaria de tentar deter novamente o recorde, mas tão cedo o australiano não irá dedicar-se a este objectivo. Se Campenaerts tiver sucesso ou ficar muito perto, poderá ajudar a recuperar o interesse no recorde da hora, pois, para já, os 54,526 quilómetros de Wiggins estão a ser vistos como muito, mas mesmo muito, difíceis de bater.

Estes foram os ciclistas que tentaram estabelecer o recorde da hora desde a aplicação das novas regras. A negrito estão os que detiveram a marca.
  • Dion Beukeboom (Holanda), 52,757 quilómetros - Aguascalientes (México), 22 de Agosto de 2018
  • Martin Toft Madsen (Dinamarca), 53,630 quilómetros - Aguascalientes (México), 26 de Julho de 2018
  • Bradley Wiggins (GB), 54.526 quilómetros - Londres (Inglaterra), 7 de Junho de 2015
  • Alex Dowsett (GB), 52.937 - Manchester (Inglaterra), 2 de Maio de 2015
  • Gustav Larsson (Suécia), 50,015 quilómetros - Manchester (Inglaterra), 14 de Março de 2015
  • Thomas Dekker (Hol), 52,221 - Aguascalientes (México), 25 de Maio de 2015
  • Rohan Dennis (Aus), 52.491, Grenchen (Suíça), 8 de Fevereiro de 2015
  • Jack Bobridge (Aus), 51,300 - Melbourne (Austrália), 31 de Janeiro de 2015
  • Matthias Brändle (Aut), 51.852 - Aigle (Suíça), 30 de Outubro de 2014
  • Jens Voigt (Ale) 51.115 - Grenchen (Suíça), 18 de Setembro de 2014

26 de fevereiro de 2019

Volta ao Alentejo abrangente no percurso mas de portas fechadas para equipas sub-23 portuguesas

Luís Mendonça foi o vencedor em 2018
A 37ª edição da Volta ao Alentejo vai para a estrada entre 20 e 24 de Março, com um percurso que passará por cerca de 70% dos municípios alentejanos e terá um perfil idêntico ao habitual. Mantém as seis etapas em cinco dias, com uma dupla jornada no sábado, mas não contará com as equipas de clube, ou seja, portas fechadas a muitos sub-23 portugueses. Joaquim Gomes fala em "questão estratégica" de forma a equilibrar o número de equipas nacionais com as estrangeiras, mas também diz que, apesar de até ser possível incluir as seis formações de clube, o orçamento não o permite.

"Foi uma questão estratégica que, no fundo, acompanha o dinamismo das próprias equipas no nosso país. Há alguns anos tínhamos cinco/seis equipas profissionais, agora temos nove. A alteração regulamentar que permitiu que, no ano passado, as melhores equipas de clube pudessem participar na Volta a Portugal, fez com que o país de forma sui generis,  tenha o que mais nenhum país do mundo tem: nove equipas Continentais. Para tentar manter o cariz internacional da Volta ao Alentejo, se nós tivéssemos as nove equipas nacionais [Continentais], mais seis equipas de clube, ficaríamos com pouca capacidade para incrementar formações estrangeiras. Optámos por ter as nove equipas Continentais portuguesas e convidar igual número de equipas estrangeiras", explicou Joaquim Gomes ao Volta ao Ciclismo.

Para as equipas de clube será um rude golpe, já que a Alentejana era das competições mais importantes a que tinham acesso, não esquecendo que é um escalão que vive muito das corridas de elite, já que não há um calendário de sub-23. Para que as portas se tivessem aberto novamente a estas equipas, teria sido necessário acrescentar mais de 25 mil euros ao orçamento da corrida. "Não é só o custo directo com as equipas. Há um conjunto de obrigações financeiras que nós temos de cumprir com as equipas para que possam estar na prova, mas isso arrasta outros custos indirectos, nomeadamente com o policiamento. O maior número de corredores em competição irá exigir um aumento de militares da GNR, que por si só iria fazer aumentar o orçamento da prova", disse o director da corrida.

"Queremos ter - num termo que muito se utiliza - uma prova limpinha, com o número de equipas portuguesas a competir num patamar de igualdade com o mesmo número de equipas estrangeiras. Por muito que também tenhamos responsabilidade relativamente ao desenvolvimento do ciclismo português e em poder dar o nosso próprio contributo para as equipas de clube, infelizmente não podemos dar o passo maior do que a perna. Espero que as equipas de clube nos possam de compreender", acrescentou. Lamentou ainda que isto signifique deixar de fora a recém formada equipa alentejana de sub-23, Crédito Agrícola-Jorbi-Almodôvar, que até tem como principal patrocinador aquele que dá nome à Volta ao Alentejo.

A W52-FC Porto e a espanhola Euskadi-Murias serão as duas estruturas Profissionais Continentais presentes. Para completar o pelotão que contará com as cinco equipas Continentais portuguesas (Sporting-Tavira, Aviludo-Louletano, Rádio Popular-Boavista, Efapel e Vito-Feirense-PNB), mais as três Continentais sub-25 (UD Oliveirense-InOutbuild, Miranda-Mortágua e LA Alumínios-LA Sport) estarão: Bai-Sicasal-Petro (Angola), Differdange Geba (Luxemburgo), Fundacion Euskadi (Espanha), Lokosphinx (Rússia), SRA (Suíça), Team Wiggins (Grã-Bretanha) e UNO X (Noruega), todas elas do escalão Continental. E para fechar, a selecção de sub-23 da Grã-Bretanha.

Quanto ao percurso, mantém-se com um perfil idêntico, com a dupla jornada de sábado a ser novamente o destaque. A subida no Cabeço do Mouro poderá fazer diferenças de manhã, com o contra-relógio vespertino a poder ter um importante papel na geral. Foi precisamente no esforço individual de Castelo de Vide (8,4 quilómetros) que há um ano Luís Mendonça vestiu a amarela, que seguraria no último dia. O ciclista trocou a Aviludo-Louletanto pela Rádio Popular-Boavista e quer tentar repetir o triunfo, mas fracturou o escafóide (osso na mão) na queda da primeira etapa da Volta ao Algarve e está agora a tentar recuperar a tempo de estar a 100% na Alentejana. Há 12 anos que um português não vencia esta corrida, o último havia sido Sérgio Ribeiro.

Este ano será Montemor-o-Novo a receber a grande partida da Volta ao Alentejo, com a consagração a ser num local já habitual, na Praça do Giraldo, em Évora. De salientar ainda o regresso de Ponte de Sôr e Moura a cidades sedes, depois de uma longa ausência, ainda que fossem locais de passagem da corrida.

1ª etapa (20 de Março): Montemor-o-Novo - Moura (208,1 quilómetros)



2ª etapa (21): Mértola - Odemira (182,2 quilómetros)



3ª etapa (22): Santiago do Cacém - Mora (176,5 quilómetros)



4ª etapa (23): Ponte de Sôr - Portalegre (74 quilómetros)



5ª etapa (23): Castelo de Vide - Castelo de Vide (8,4 quilómetros)



6ª etapa (24): Portalegre - Évora (152 quilómetros)



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Warbasse dedicou-se tanto a aprender francês que tirou um curso que incluía multas se não falasse a língua

(Fotografia: © AG2R La Mondiale)
Estar numa reunião de equipa e perceber muito pouco do que está a ser dito, era capaz de não ser o ideal para um ciclista que tem de saber exactamente o que é preciso fazer numa etapa, por exemplo. Para Larry Warbasse não chegava as suas capacidades como ciclista para se integrar na AG2R. Este americano tinha de aprender francês. A sua dedicação até impressionou os próprios colegas, pois inscreveu-se num curso tão intensivo, que até estava proibido de olhar para o telemóvel para não ler outra língua que não o francês. E era multado se falasse outra língua!

"Eu diria se estivesse numa reunião da equipa, eu talvez percebesse cerca de 15/20% do que estava a ser dito. Sinto-me um pouco embaraçado porque eu vivo no sul de França", admitiu ao VeloNews. Warbasse foi dos ciclistas que conseguiu resolver a sua situação rapidamente depois de, em Agosto, a Aqua Blue Sport ter anunciado o seu fim, já nem participando em mais corridas. Assinou um contrato após o NoGo Tour, uma semana a pedalar pelos Alpes na companhia de Connor Dunne - outro ciclista da equipa irlandesa -, durante a qual regressaram às origens: andar de bicicleta por diversão.

Quando começou a preparação para a nova temporada a pensar na AG2R, esta não foi feita somente na estrada. O americano inscreveu-se em Outubro num curso muito intensivo para aprender francês. "Pagavas uma multa de dois euros se falasses uma língua que não fosse o francês. E não podia sequer olhar para o telemóvel porque eles não queriam que se lê-se nenhum texto que não fosse em francês", explicou o ciclista de 28 anos. O curso realizou-se num instituto perto de Nice e das oito às 17 horas, Warbasse só falava e ouvia francês. O corredor explicou que os seus dias começavam com uma hora e meia de exercícios, seguindo-se várias horas de prática, recorrendo à utilização de auscultadores, ouvindo e repetindo frases.

Nem ao almoço havia descanso. Os professores comiam com os alunos, promovendo assim conversas. Sempre em francês, claro. Um mês muito intenso, mas que valeu a pena: "Agora sinto que percebo 80% do que está a ser falado. Tornou a minha vida muito mais fácil porque consigo falar com as pessoas", disse. Numa equipa em que 20 dos 28 ciclistas são franceses, mas há dois suíços, outros tantos belgas e um luxemburguês e a equipa técnica também é praticamente toda gaulesa, a adaptação de Warbasse foi muito facilitada pela escolha de incluir um curso de francês na sua preparação para 2019.

Quando chegaram os estágios e as primeiras corridas do ano, o esforço do americano não passou despercebido, como realçou o companheiro de equipa Tony Gallopin: "Todos ficaram surpreendidos. Agora, sempre que o vejo, ele está sempre a melhorar. Às vezes falamos um pouco de inglês, mas ele agora consegue falar [em francês] com todos na equipa."

Uma demonstração de dedicação e de respeito para com as origens da equipa pela qual assinou, por parte deste campeão americano, em 2017, e que está de regresso ao World Tour. Antes de representar a Aqua Blue Sport (Profissional Continental), esteve três anos na BMC e dois na também extinta IAM Cycling. Agora é em francês que se vai expressar no ciclismo.


25 de fevereiro de 2019

Ficou em segundo plano na Volta ao Algarve mas está pronto para a ribalta

Andersen deu tudo no Malhão para ganhar a Volta ao Algarve
Soren Kragh Andersen foi um nome que surgiu pela calada para entrar numa luta inesperada pela Volta ao Algarve. Este ciclista de clássicas estava fora do radar para disputar a geral. No entanto, o que demonstrou naquela que foi a sua primeira corrida da época, é que aos 24 anos quer confirmar as expectativas de ser uma das revelações das clássicas de 2019 e que ainda se pode esperar mais deste dinamarquês do que boas exibições no pavé.

A Sunweb está longe de estar concentrada apenas em Tom Dumoulin. A equipa alemã solidificou uma estrutura que lhe permite ter uma equipa de desenvolvimento que está a formar cada vez mais jovens ciclistas, preparadíssimos para entrar no World Tour. Vai também garantindo outros bons atletas, contratando-os a diferentes formações. É o caso de Soren Kragh Andersen, que desde 2016 tem estado a evoluir junto das principais referências da Sunweb, depois de se mostrar na Tre-For Blue Water, do escalão Continental, no seu país. Tem mantido alguma discrição, quebrada por vitórias que foram revelando o que o nórdico poderia vir a ser. Em 2019 espera-se que pudesse ser um nome a aparecer nas clássicas que se aproximam do pavé. Porém, resolveu assumir protagonismo logo na primeira corrida do ano, na Volta ao Algarve.

A vitória no Paris-Tour, em Outubro, depois de já ter ganhou uma etapa na Volta à Suíça em Junho, ajudou a colocá-lo entre os ciclistas que se poderiam revelar nas clássicas de 2019. E Sorem Kragh Andersen está claramente em forma para as enfrentar. No Algarve era Sam Oomen quem reunia o consenso para liderar a Sunweb, sendo ele um ciclista mais para provas por etapas. Porém, Andersen teve outras ideias. Foi sexto na primeira etapa, ao sprint. O que só ajudava a não o colocar entre candidatos à geral. Mas na Fóia mostrou a sua capacidade para subir, ficando a 51 segundos de Tadej Pogacar UAE Team Emirates), que venceu a etapa e assumiu a liderança.

Foi no contra-relógio que Andersen obrigou todos a vê-lo como candidato outsider inesperado, tanto como Pogacar ser líder. Estamos a falar de um campeão nacional da especialidade de sub-23 e foi colocar-se a 36 segundos do esloveno, ficando a dois segundos de vencer a etapa. Stefan Küng (Groupama-FDJ) foi perfeito de mais para ser batido. Nova etapa ao sprint e o dinamarquês colocou-se no pelotão melhor do que todos os rivais na geral, saltando para o segundo lugar a 29 segundos, devido a um corte no grupo. Veio o Malhão e Andersen deu espectáculo. Atacou de longe, sabia que Zdenek Stybar (Deceuninck-QuickStep) não o ajudaria pois tinha Enric Mas na corrida pela geral, e resolveu então assumir todo o esforço.

A atitude foi de que preferia ser ele a controlar a frente da corrida e tentar ganhar tempo, do que estar à espera de ver Stybar passar na frente e talvez reduzir o ritmo. Mostrou ambição, coragem, e não esperou que ninguém fizesse nada por ele. Foi à procura dos segundos que teria de recuperar para tirar a amarela a Pogacar. Ficou a 14, no segundo lugar, com Stybar a "tirar-lhe" a vitória no Malhão, por três.

Soren Kragh Andersen acabou por se ver relegado para um segundo plano - merecia pelo menos uma etapa pela performance em toda a Algarvia -, muito por culpa de um Tadej Pogacar que, aos 20 anos, não esperou muito para começar a vencer na sua estreia no World Tour. Contudo, Andersen foi dos melhores ciclistas da Volta ao Algarve, um dos mais regulares e um dos mais espectaculares. E a correr assim, poderá não ficar em segundo plano durante muito mais tempo.

Demonstrou ser um ciclista muito completo. Coloca-se bem na frente nos sprints, é um bom contra-relogista e dá-se bem com subidas exigentes, mas não demasiado extensas. É um homem de clássicas, gosta do pavé, mas que poderá alargar o seu leque de escolhas de corridas para umas idênticas à Volta ao Algarve.

Não se pode dizer que surpreenda a forma como subiu, principalmente no Malhão. Uma das suas clássicas preferidas é a Volta a Flandres. Ou seja, está mais do que habituado a passar "muros". A outra corrida de eleição é mais um monumento: Milano-Sanremo. Quem não passa bem a Cipressa e o Poggio, não tem hipótese de ganhar.

"Quis começar uma boa cultura na Sunweb, na qual estamos a correr na frente. Muitas vezes dá resultado e se não, é um bom treino", disse no final da etapa no Malhão, explicando assim a sua vontade de atacar, de se manter na frente e de dar o tudo por tudo por uma vitória que nem nunca se pensava que estaria sequer na luta.

Ciclismo em família

Ao ver o irmão treinar e competir, Soren quis seguir as pedaladas de Asbjorn, dois anos mais velho. Os irmãos começaram assim à procura de singrar no ciclismo. Até 2016 passaram a maior parte das temporadas juntos, mas nessa época as subidas foram diferentes. Soren deu o salto para o World Tour, enquanto Asjborn - ciclista mais forte no sprint, mas também com características para as clássicas - foi para a francesa da Delko Marseille-Provence KTM, do segundo escalão, Profissional Continental. No ano passado regressou à Dinamarca e à categoria Continental, na Waoo. Um passo atrás para agora dar dois à frente. Assinou por um ano pela Sunweb. Os irmãos estão novamente juntos.

E será juntos que vão competir na Omloop Het Nieuwsblad. A época de clássicas está aí. É já no sábado que começa uma fase intensa de 2019, precisamente com esta corrida belga.

Quanto aos tais jovens ciclistas que a Sunweb tem na sua equipa, além dos aqui falados Andersen e Oomen, eis alguns nomes que não se vai demorar muito mais tempo até se falar deles: Lennard Kämna, Max Kanter, Joris Nieuwenhuis, Joris Nieuwenhuis, Casper Pedersen, Robert Power, Cees Bol, Marc Hirschi (campeão do mundo de sub-23 e que também se mostrou na Algarvia)...

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24 de fevereiro de 2019

A vitória de Pogacar é tão importante para a Volta ao Algarve como a de Thomas

Ambiente incrível no Malhão, na última etapa da Algarvia
(Fotografia: © João Fonseca/Federação Portuguesa de Ciclismo)
Se há algo a que está habituado é a ganhar. Sabe bem o que é subir ao pódio, ser o melhor e em corridas importantes, como o Tour de l'Avenir em sub-23 e o Giro della Lunigiana em juniores. Porém, nesta nova dimensão na carreira, no World Tour, é tudo novo. De sorrisos tímidos, talvez o pensar que seria uma Volta ao Algarve em que passasse despercebido, fez com que nem assimilasse bem o que lhe estava a acontecer. Mas Tadej Pocagar, um daqueles nomes que irá estar brevemente entre os que mais se quererá ver nas grandes voltas, venceu mesmo, no seu ano de estreia na UAE Team Emirates e é um triunfo tão importante para ele como para a corrida portuguesa.

Quando se olha para o historial, a Volta ao Algarve tem muito com que se orgulhar. Só em anos mais recentes viu um Alberto Contador, que sempre será recordado como um dos grandes do ciclismo, ser rei três vezes do Malhão e vencer duas edições. Geraint Thomas confirmou por cá toda a sua capacidade de triunfar e é agora um vencedor do Tour, depois de somar duas Algarvias. Tony Martin, um dos melhores de sempre no contra-relógio, venceu também ele duas vezes. Michal Kwiatkowski é também um campeão do mundo como Martin, mas de fundo. Outras duas vitórias. Temos ainda um Richie Porte e um Primoz Roglic que estão entre os principais nomes nas grandes voltas, com o esloveno a conquistar definitivamente esse estatuto há um ano, no Tour.

Se agora Pogacar é um "miúdo" de 20 anos, ainda desconhecido para alguns, caso confirme as elevadas expectativas que recaem nele, não demorar-se-á muito a ser mais um grande nome que venceu a Volta ao Algarve, ajudando a validar ainda mais esta aposta em elevar a corrida a 2.HC (segunda categoria, apenas atrás das provas World Tour) - foi o terceiro ano neste escalão - e que demonstra ser tanto para uns ciclistas mais experientes ganharem, como uma porta para os mais novos se mostrarem.

Este esloveno, compatriota de Roglic, está a receber uma forte atenção mediática pela sua prestação na Volta ao Algarve. Autoritário na Fóia, que conquistou, defendeu-se na Volta ao Algarve frente a uma Sky que ainda tentou com David de la Cruz e Wout Poels, tal como a Deceuninck-QuickStep com Enric Mas. Porém, Pogacar segurou a liderança por 14 segundos, com Poels a ser terceiro a 21 e Mas quarto a 25. A vitória e a forma como a garantiu está em destaque um pouco por todo o mundo.

Ainda assim, há outro jovem que merece não ficar esquecido. Um dinamarquês de 24 anos que está a demonstrar ser mais um talento a crescer dentro de uma Sunweb que ameaça tornar-se num caso sério de formação de jovens ciclistas. Soren Kragh Andersen foi quem ficou a 14 segundos, tendo sido o mais audaz entre os rivais de Pogacar. Foi quem atacou de longe e ao perceber que não teria ajuda, também não se coibiu de continuar tentar. Não tinha nada a perder. O segundo lugar até terá sabido a pouco, pois talvez a etapa lhe tivesse ficado bem.

Stybar entrou na fuga e conquistou o Malhão
Foi Zdenek Stybar (Deuceninck-QuickStep) quem ficou com o lugar de topo num Malhão que voltou a ser palco de um bom espectáculo de ciclismo (173,5 quilómetros, com partida em Faro). São também estas etapas que engrandecem uma Volta ao Algarve que sofre uma forte concorrência no calendário nesta altura do ano, mas mais uma vez teve um pelotão com grandes nomes actuais e alguns daqueles que num futuro muito breve muito se falará. Além de Pogacar, houve o vencedor da primeira etapa, o sprinter Fabio Jakobsen (Deuceninck-QuickStep), também ele a ameaçar ter um carreira de valor.

Quando Pogacar chegar ao nível que a UAE Team Emirates tem a certeza que o espera, terá uma Volta ao Algarve gravada nas suas memórias. Foi pelas estradas algarvias - que nem era suposto estar, pois foi chamado à última hora - que se começou a habituar a vestir camisolas amarelas, a ser requisitado para as fotografias e talvez a partir de agora não se esqueça que, como líder tem de partir na frente do pelotão nas etapas. Sim, Pogacar tentou em Albufeira partir, discreto, mais atrás. Esqueceu-se do pormenor da amarela!

A UAE Team Emirates tremeu um pouco na defesa da camisola amarela. Pogacar não. As exibições valorizam e muito esta vitória. Quase dá para esquecer que na equipa estava um Fabio Aru, um dos cabeças de cartaz desta Algarvia. Mal se viu, não ajudando a queda do primeiro dia. Ainda assim, fez pouco. Pogacar fez muito e é um dos jovens contratados pela equipa que cedo começam a demonstrar, tal como Jasper Philipsen e como também se acredita que os gémeos Oliveira o venham a fazer.

Desta feita não ganhou a Sky, mas a Volta ao Algarve está a ser muito falada, pois viu nascer uma estrela. Para o ano há mais!

A tristeza de Amaro

Nem todos saem feliz. Amaro Antunes era um ciclista desiludido por não ter conseguido vencer novamente no Malhão. Desde que a subida iniciava, que o nome do algarvio estava pintado na estrada, não dando espaço para que mais ninguém tivesse direito a tal apoio. A mancha laranja tomou conta do Malhão e Amaro bem tentou. Queria dar uma vitória aos muitos adeptos e nem evitou que as lágrimas lhe tomassem conta dos olhos no final da etapa, tendo inclusivamente pedido desculpa por não ter ganho.

Amaro Antunes (CCC) foi 10º na etapa, a 34 segundos de Stybar. João Rodrigues (W52-FC Porto), outro algarvio, ficou com a distinção de melhor português, a 24. Ambos têm razão para ficar orgulhosos. Fecharam no top dez, mas aqui trocaram posições. Amaro foi oitavo, a 2:52, e João Rodrigues nono, a 3:27. Que potencial está a demonstrar cada vez mais este ciclista de 24 anos!

Um lugar de destaque para a W52-FC Porto, no seu primeiro ano como Profissional Continental. No entanto, houve um momento menos bom, com Joaquim Silva a ser desclassificado por ter sido empurrado pelo carro de apoio.

Mais uma para a Deceuninck-QuickStep

O pódio final: Declercq, Stybar. Pogacar e Ackermann
Numa luta acesa com a Astana na luta pelo título de equipa mais ganhadora, a Deceuninck-QuickStep respondeu à conquista de Jakob Fuglsang da Ruta del Sol com a vitória no Malhão de Stybar. Neste momento está a Astana em vantagem por 11-10. No entanto, a equipa belga meteu ainda no pódio final da Algarvia Tim Declercq, com vencedor da montanha. Não era um objectivo, mas ao entrar na fuga, aproveitou a oportunidade.

Com Arnaud Démare (Groupama-FDJ) a nem partir em Faro, ficou em aberto a classificação dos pontos. Aproveitou Pascal Ackermann. O alemão da Bora-Hansgrohe não venceu qualquer etapa, mas arranjou maneira de ter o seu destaque. O melhor jovem foi Tadej Pogacar, com a Sky a ser a vencedora por equipas.

Classificações completas da 45ª edição da Volta ao Algarve neste link, via ProCyclingStats.


23 de fevereiro de 2019

"Vou deixar tudo na estrada e se possível ganhar [no Malhão]"

Desde os primeiros instantes da Volta ao Algarve que não é fácil encontrar Amaro Antunes sozinho. Entre adeptos, jornalistas e, claro, amigos, o algarvio tem sido um foco de atenção neste seu regresso à Algarvia, dois anos depois de ter vencido no Malhão. Contingências de ser um corredor da "casa", mas também por ser um ciclista do World Tour. Aos 28 anos chegou ao mais alto nível do ciclismo mundial e está em contagem decrescente para a sua primeira grande volta: o Giro. Porém, quer concentrar-se no presente, pois não atira a toalha ao chão na geral e quer retribuir todo o carinho que está a receber com uma vitória.

"Quero salientar o grande apoio que tenho sentido aqui no Algarve. Tem sido incrível. Deixam-me sem palavras. Muitas vezes o cansaço é extremo, mas o não querer desiludir e querer demonstrar o reconhecimento às pessoas por virem à estrada, fazem-me tentar algo mais. Acho que são essas coisas que são gratificantes. São coisas que me fazem querer dar um pouco de espectáculo e retribuir com uma vitória", salientou ao Volta ao Ciclismo. Foi também por essa razão que, na etapa da Fóia, Amaro Antunes atacou a cerca de 40 quilómetros da meta para tentar recuperar o prejuízo do dia anterior. Aquela queda tão perto de Lagos é algo que nem sequer tenta esconder o quanto o deixou desiludido. "Trabalhei muito no Inverno a pensar nesta corrida, um Inverno rigoroso, com chuva... Preocupei-me em ir estudar todas as etapas. Conheço o percurso de olhos fechados e depois ver cair por terra por uma coisa uma simples, banal... é complicado, mas pronto, faz parte."

Um desabafo a que se segue um discurso bem mais animador: "Não vou atirar a toalha ao chão na geral. Vou tentar fazer uma boa etapa no Malhão." E volta a falar do intenso apoio que está a receber e que tanto está a fazer a diferença na sua atitude. "Irei ter uma multidão na estrada. Tenho muitos colegas que irão lá estar. Tenho recebido muitas mensagens de pessoas que irão lá torcer por mim. É óbvio que é uma responsabilidade, uma pressão e eu sei que a tenho. Sem dúvida que vou deixar tudo na estrada e se possível ganhar."


"Irei com responsabilidade, não vou esconder isso, mas vai ser a minha primeira grande volta e irei um pouco na expectativa, para ver como é que o corpo irá responder"

Foi assim em 2017, então com a camisola da W52-FC Porto. Um triunfo marcante, naquele que era o primeiro ano em que a Algarvia tinha a segunda categoria internacional, 2.HC, a mais alta entre as provas portuguesas. Então foi o arranque para uma temporada sensacional, com triunfos na Clássica da Arrábida, Troféu Joaquim Agostinho e uma Volta a Portugal ganha por Raúl Alarcón, mas com Amaro a ter uma enorme influência. Venceu na Serra da Estrela, onde "puxou" o seu líder para longe de todos os rivais na Serra da Estrela Foi segundo na geral e ainda o rei da montanha.

Seguiu-se o mais do que esperado passo internacional. Escolheu a polaca CCC Sprandi Polkowice, do escalão Profissional Continental. Foi uma época de altos e baixos, marcada por uma queda na Ruta del Sol que o deixou muito mal tratado. Não esteve na Algarvia por falta de convite para a sua equipa, mas agora a CCC não precisa de ser convidada. É do World Tour e esse estatuto abre de todas as corridas. A CCC aproveitou a estrutura da BMC, que deixou o patrocínio a uma das equipas mais fortes do pelotão.

Abriram-se as portas do World Tour e Amaro Antunes foi chamado a dar o salto. Tudo mudou. "O ambiente, a logística, a organização é totalmente diferente. Temos outro tipo de visão. Aqui preocupam-se muito com os pormenores mínimos e creio que se começa a ver as diferenças e os resultados", explicou. A CCC já soma três vitórias das 20 que o director, Jim Ochowicz, colocou como objectivo: duas de Patrick Bevin e uma de Greg van Avermaet.

E vem aí a Volta a Itália. Será a primeira grande volta de Amaro Antunes. "Sem dúvida que é algo que me motiva muito. É algo que me deixa bastante feliz." Não utilizou a palavra líder, mas afirmou: "Irei com responsabilidade, não vou esconder isso, mas vai ser a minha primeira grande volta e irei um pouco na expectativa, para ver como é que o corpo irá responder. Não me vou colocar muita pressão. É uma corrida que será nova para mim. É tudo novo. Será ir dia a dia."

Rapidamente reiterou que é na Volta ao Algarve que está concentrado. O contra-relógio não é uma vertente que lhe seja favorável, mas estando agora no World Tour, mais do que nunca há que trabalhar para aperfeiçoar. "Trabalhámos bastante a posição, melhorei bastante esse aspecto", referiu. Perdeu 1:17 minutos para Stefan Küng (Groupama-FDJ), um especialista, e 1:01 para a jovem revelação Tadej Pogacar (UAE Team Emirates), o camisola amarela. Este sábado recuperou sete segundos, o que significa que são 2:36 para recuperar. Difícil, mas a dupla subida ao Malhão já quebrou muitos e bons trepadores. E já se sabe, no Malhão, manda o Amaro!


Momento para UAE Team Emirates ser equipa. Sky pode repetir táctica de sucesso

(Fotografia: © João Fonseca/Federação Portuguesa de Ciclismo)
A dupla subida ao Malhão tornou-se um final tradicional na Volta ao Algarve e é uma boa escolha. Tem havido espectáculo, a corrida entra praticamente sempre em aberto para na última etapa, muito porque, mesmo com diferenças simpáticas na geral, o Malhão é uma daquelas subidas curtas, mas que pode fazer mossa. Por isso mesmo, Tadej Pogacar não terá um dia nada fácil. Meio minuto de distância para a concorrência não lhe garante nada, mas irá assegurar a quem assistir à corrida mais um bom momento de ciclismo nas estradas algarvias.

Três quilómetros, com pendentes a rondar os 10%, mas que depois ainda aumentam um pouco. Na curta recta da meta da meta até se atreveria dizer que é mais fácil, não fosse o facto de depois de tanto esforço, os últimos metros também doerem e muito. Será um grande teste para Pogacar, que neste sábado, em Tavira, não evitou um corte de sete segundos no pelotão que fez com que a sua desvantagem fosse agora de 29 segundos para o segundo classificado. Mas principalmente será um teste para a UAE Team Emirates. O jovem esloveno já fez muito mais do que esperado. Com apenas 20 anos, na sua época de estreia no World Tour já venceu no Alto da Fóia. Numa equipa em que Fabio Aru estava no Algarve com responsabilidade acrescida depois de um 2018 demasiado mau para o ciclista do seu estatuto, o italiano foi mais do mesmo. Entre a queda da primeira etapa e a Fóia disse adeus à geral. Pogacar assumiu e muito bem a responsabilidade.

Aru ajudar Pogacar seria uma surpresa, pelo que Valerio Conti, Kristijan Durasak e, numa primeira fase do Malhão, talvez Simone Petilli, sejam os companheiros que mais podem ajudar o inesperado líder no Malhão. E vai precisar que esta equipa comece a funcionar como tal. Seria um bom exemplo para a restante temporada. A Sky procura a sua sexta vitória na Algarvia em oito anos e Wout Poels não quer desperdiçar outra oportunidade de ganhar. Já o fez na Volta à Comunidade Valenciana e no monumento Liège-Bastogne-Liège. Foi em 2016 e foi quando começou a falar em querer mais oportunidades e de querer liderar numa grande volta.

Entre quedas e o facto de na Sky o papel de líder estar completamente tapado para Poels, é aqui, na Volta ao Algarve que Poels pode fazer aquilo que se sabe que tem capacidade, mas que numa equipa como a britânica, as oportunidades para os gregários só surgem de quando em vez. A Sky poderá tentar repetir a táctica de 2018. Com Geraint Thomas na liderança e Michal Kwiatkowski a 19 segundos, o polaco foi para a frente, baralhando os adversários. A perseguição surgiu tarde e Kwiatkowski venceu no Malhão e a geral.

Agora é o cenário é diferente, pois é Pogacar o camisola amarela. Porém, Poels está a 30 segundos (recuperou sete) e David de la Cruz a 57. Se o espanhol for para a frente, vai obrigar a UAE Team Emirates a defender-se, mas também se pode dar o caso da Sky simplesmente impor aquele seu ritmo infernal e tentar eliminar um a um os seus adversários.

Porém, aqui poderá ficar exposta a ataques de um ciclista que tão bem os faz. As comparações entre Enric Mas (Deceuninck-QuickStep) e Alberto Contador tem razão de ser. Sabe mexer com as corridas e pode sozinho meter em dificuldades os próprios homens da Sky. E se De la Cruz tentar escapar, Mas poderá ter um "aliado" espanhol para mexer na corrida. São 31 segundos que tem para recuperar e pode perguntar a Contador como se ganha no Malhão, pois El Pistolero venceu naquele Alto em 2010, 2014 e 2016. Zdenek Stybar, que há um ano mostrou-se no Malhão, tem 2:12 de desvantagem, o que lhe poderá valer liberdade de mexer na etapa e talvez ser muito útil ao companheiro Enric Mas.

E atenção a Soren Kragh Andersen. O ciclista da Sunweb era um outsider e meteu-se na luta depois da Fóia e principalmente do contra-relógio. Subiu agora para segundo, beneficiando dos cortes na chegada a Tavira O dinamarquês está a 29 segundos e também esta equipa poderá jogar outro ciclista na frente. Sam Oomen tem 1:28 minutos e não pode ser menosprezado se tentar escapar ao grupo da frente.  No entanto, o holandês desperdiçou 20 segundos ao ser sancionado este sábado por ter ficado demasiado tempo atrás do carro, para recuperar o lugar no pelotão. No top dez está ainda Marc Hirschi, o campeão mundial de sub-23, a 2:35, e mais um para a Sunweb poder jogar tacticamente.

Ou seja, a UAE Team Emirates ver-se-á na contingência de ter de ou responder a todos os ataques, ou ter de escolher as suas lutas e esperar que mais alguém ajude. Uma etapa muito táctica à espera dos ciclistas.

Todos os restantes corredores estão a mais de dois minutos, difíceis de recuperar, mas no Malhão nada é impossível. Haverá quem vá à procura da vitória de etapa. O destaque irá para Amaro Antunes (CCC). O homem da casa terá uma mancha laranja a apoiá-lo na subida que conquistou em 2017. Tem 2:36 para recuperar. O algarvio esteve envolvido na queda na primeira etapa e perdeu mais tempo no contra-relógio, recuperando em Tavira nove segundos. Talvez a geral seja pedir de mais, ainda que não seja de atirar a toalha ao chão. Mas estará lá para tentar ser o rei do Malhão, um top dez e a camisola da montanha (é segundo com menos dois pontos que Pogacar).

Há outros portugueses que conhecem todos os centímetros do Malhão. João Rodrigues é outro algarvio em destaque. Está a 3:21, na 17ª posição, é o melhor da W52-FC Porto naquele que poderá ser o ano da sua afirmação com um papel de maior destaque dentro da equipa Profissional Continental. Se ver o João Rodrigues tentar estar na frente não será uma surpresa, ver Tiago Machado a dar o tudo por tudo é mais do que esperado. Entre a queda e falta de pernas, o ciclista do Sporting-Tavira rapidamente claudicou qualquer hipótese de um bom resultado na geral. É 32º, a 6:57. Porém, o famalicense adoptou o Algarve como um dos seus locais de treino de eleição, pelo que o Malhão também não tem segredos para ele.

Não escondeu alguma frustração por não estar a conseguir realizar uma corrida como desejaria, pelo que sobra-lhe o Malhão para tentar ganhar pela primeira vez pela nova equipa, neste seu regresso a Portugal.

Quinta e última etapa: Faro – Malhão, 173,5 quilómetros



Groenewegen segue guião quase à risca

Depois de uma etapa ao sprint em que uma queda marcou desde logo a Volta ao Algarve, a sete quilómetros de Lagos, desta feita o guião foi seguido à risca. Houve uma fuga, com mais uma vez as equipas portuguesas a aproveitarem para se destacar - Efapel e LA Alumínios-LA Sport têm andado particularmente activas -, o pelotão apanhou os ciclistas da frente, mais um ou outro tentou escapar e tudo terminou ao sprint, com todos os candidatos presentes. Dylan Groenewegen ainda se desviou do guião ao ter um problema mecânico que o obrigou a uma recuperação, mas nada que lhe tirasse a força para triunfar novamente em Tavira.

O holandês da Jumbo-Visma foi o mais forte após 198,3 quilómetros que começaram em Albufeira. Foi a sua segunda vitória do ano em duas corridas e a terceira na Volta ao Algarve. Há um ano tinha também ganho em Lagos. Groenewegen cumpriu o que se esperava, já Arnaud Démare somou outro segundo lugar, depois de ter perdido para Fabio Jakobsen (Deceuninck-Quick-Step) em Lagos. Ainda assim, o francês da Groupama-FDJ subiu ao pódio para vestir a camisola vermelha dos pontos.

O melhor português da quarta etapa da 45ª edição da Volta ao Algarve foi Samuel Caldeira, o sprinter da W52-FC Porto, que terminou no 15º lugar.

Classificações após a quarta etapa, via ProCyclingStats.

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22 de fevereiro de 2019

"Pensava em júnior que era um bom ciclista, mas quando damos um salto destes, percebemos que há muito pela frente"

"Que idade tens?" É uma pergunta que Hélder Gonçalves tem ouvido várias vezes nos últimos dias, mas quando entre quem questiona está Steve Cummings e Wout Poels, o jovem ciclista responde de sorriso rasgado. Tem 18 anos e há um estava a competir nos juniores do Roriz. Agora, na UD Oliveirense-InOutbuild, está lado a lado com alguns grandes nomes do World Tour e a adorar cada minuto. Não esconde que foi um choque quando soube que ia à Volta Algarve e que estava receoso sobre o que ia encontrar, afinal nunca tinha sequer feito 200 quilómetros a pedalar antes desta época e agora até troca impressões com ídolos.

"É incrível. Eu só fiz uma corrida com o pelotão nacional e foi aquela que dizem que é a mais fácil [Prova de Abertura Região de Aveiro]. Na semana seguinte estou na Volta ao Algarve, que tem categoria acima da Volta a Portugal... Nem tenho palavras para explicar!" Hélder Gonçalves surge descontraído, ainda que já ia pensando nas dificuldades que iria sentir no conta-relógio, que não é a sua especialidade, mas principalmente porque o vento era bastante forte para quem é tão "levezinho". Quando o chamou, Manuel Correia tratou-o por "benjamim". Nada que o jovem ciclista não goste, afinal é mesmo o mais novo de todo o pelotão da Algarvia. "É uma coisa que ainda tenho de enquadrar melhor na minha cabeça. Sou mesmo o benjamim ao lado destas estrelas."

A ausência inesperada de um companheiro devido a problemas de saúda, abriu uma porta que Gonçalves não esperava acontecer tão cedo. Contudo, é uma oportunidade que está a aproveitar ao máximo. "Foi um choque quando o chefe me disse que vinha, nem reagi. Depois do choque inicial fiquei feliz", explicou ao Volta ao Ciclismo, contando ainda que tinha terminado a corrida de abriu a época em Portugal quando foi informado.


"Quando descolei, na fase mais dura da corrida [na etapa da Fóia], ele [Poels] ia a olhar de boca fechada para o GPS e eu a sofrer muito! Ele estava a fazer a subida com uma tranquilidade incrível e eu em choque!"

"Até agora tem corrido tudo muito bem. O Rafael tem estado muito bem, está numa forma incrível. A equipa está bem. Eu lá tenho sobrevivido, mas tem sido uma experiência incrível", salientou. E ao "sobreviver" está a cumprir ao que lhe foi pedido pelo director desportivo Manuel Correia: "Pediu-me para que eu sobrevivesse. Foi uma reunião muito rápida!" O responsável disse ainda a Hélder Gonçalves para desfrutar. "Não há grandes exigências dado os adversários e ainda temos poucas corridas [este ano]. Somos a equipa mais jovem. Estamos todos aqui para aprender", afirmou.

Ao ver-se ao lado de ciclistas que normalmente via na televisão, Gonçalves realçou que não ia desperdiçar a oportunidade de conversar com alguns corredores que mais gosta. Poels é um deles e já tem uma história para contar ao competir com o homem da Sky: "Há um momento que gostava de recordar. Quando descolei, na fase mais dura da corrida [na etapa da Fóia], ele ia a olhar de boca fechada para o GPS e eu a sofrer muito! Ele estava a fazer a subida com uma tranquilidade incrível e eu em choque!"

Com Cummings (Dimension Data) a história foi outra: "Cheguei a dizer-lhe que ele poderia ser meu pai. Ele pensava que o estava a chamar velhote!" Mas o britânico, que tem 37 anos, não levou Gonçalves a mal e até conversou com o jovem ciclista. "Perguntou-me a idade e falámos um pouco. Ele disse-me que no ano que nasci ele já corria! Disse-me para desfrutar", contou, acrescentando: "Ele é gigante e eu um franganote de 50 e poucos quilos ao lado dele."

Começar a sua fase de sub-23 numa equipa que tantos jovens tem lançado para o mais alto nível do ciclismo - os gémeos Oliveira e Ruben Guerreiro, por exemplo - é por si só uma conquista para Hélder Gonçalves, mas... "Eu ainda estou a evoluir. Pensava em júnior que era um bom ciclista, mas quando damos um salto destes, percebemos que há muito pela frente. Um trepador em juniores chegar à Fóia com o grupo dos sprinters, foi logo ali mais um choque!"

Hélder Gonçalves vai tentando lidar com todas estas novas experiências que está a viver, em tão poucos dias, como ciclista de uma equipa Continental sub-25. Até admite que nem tem muito tempo de lidar com tantas emoções, pois o dia é pedalar, ir para o hotel, comer e dormir. "Acredito que quando chegar a casa irei reflectir sobre tudo o que aconteceu. Antes de vir para o Algarve disse aos meus pais que, por muito que um dia seja ciclista profissional, esta será uma das minhas referências e das corridas com mais categoria que poderei realizar."


"Cheguei a um ponto na minha vida que tive de optar. Se se quer ser bom, só pode ser boa numa coisa"

É de Barcelos, terra de outros Gonçalves bem famosos - os gémeos José e Domingos -, mas também de mais ciclistas de referência no pelotão, como João Matias. "Ele até disse que poderíamos formar uma equipa de ciclistas de Barcelos para correr na Volta ao Algarve", contou Hélder Gonçalves. Chegar onde já conseguiu chegar não o fez perder a humildade. É um jovem agradecido a todos os que têm ajudado neste seu caminho. Começou por realçar as "pessoas fantásticas do Roriz, que ajudam a formar grandes atletas e, acima de tudo, grandes pessoas".

Depois recordou como começou o ano com uma lesão no joelho direito, o que também afectou a sua actual forma física, que gostaria que fosse melhor. "Tive uma grande equipa ajudar-me. Houve muito trabalho realizado para que eu pudesse estar a Prova de Abertura." Terminou salientando como encontrou uma união, uma família no ciclismo na UD Oliveirense-InOutbuild. E por falar em famílias, não se esquece de referir que foi com o pai que começou a andar de bicicleta quando se fartou do futebol. "Comecei um pouco tarde no ciclismo. Fui para o Roriz como juvenil de segundo ano." Mas foi muito a tempo para tentar construir uma carreira como ciclista de estrada, ainda que se esteja perante alguém que foi vice-campeão nacional de XCO e de ciclocrosse.

"Cheguei a um ponto na minha vida que tive de optar. Se se quer ser bom, só pode ser boa numa coisa. Foi sempre esse lema que me contaram. Eu próprio senti isso e decidi apostar tudo na estrada. Também gosto, senão não o faria", frisou. O ciclocrosse poderá não ser completamente riscado das suas épocas, já que, como vertente de Inverno, é apreciado por muitos corredores para preparar a temporada de estrada. Mas um dia de cada vez para Hélder Gonçalves. Sobreviveu ao contra-relógio, terminando na 148ª posição, a 4:43 minutos do vencedor Stefan Küng (Groupama-FDJ). Passado mais este teste, acredita que pode terminar a Volta ao Algarve e tornar assim ainda mais memorável a experiência que está a viver.

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