Durante a corrida, principalmente quando o ritmo aumentou, questionava-se onde está Peter Sagan? Uma espécie de "Onde está Wally", mas com a dificuldade acrescida da camisola do eslovaco ser idêntica à de outras selecções. Sagan escondeu-se no pelotão. Eram os ciclistas da Bélgica, Holanda, Grã-Bretanha e até de uma ambiciosa Polónia que mais se mostravam. Os noruegueses apareceram mais perto do fim. Sagan apareceu mesmo no final, quando era necessário aparecer. Lá estava ele a sprintar, a vir de trás e a passar todos. Atirou a bicicleta na meta e deixou Alexander Kristoff frustrado naquela que poderá ter sido a melhor oportunidade do norueguês em conquistar o título mundial. E teria sido em casa! Mas não. Tudo continuará dentro da normalidade que se vive nos últimos dois anos, com Sagan vestido com a camisola do arco-íris, a lutar pelas clássicas e com contas para ajustar na Volta a França em 2018. O australiano Michael Matthews foi terceiro, ele que já tinha ficado logo atrás de Sagan em Richmond2015.
Não foi o Sagan de ataque, de se mostrar, de controlar todas as tentativas de fugas. Deixou a corrida decorrer, deixou que fossem as selecções mais fortes a tentar apanhar as várias mexidas nuns últimos 90 quilómetros electrizantes. Teve paciência, ou sangue frio, como lhe queiram chamar. Por momentos, admitiu, pensou que nada haveria a fazer quando Julian Alaphilippe e Gianni Moscon se destacaram, com o francês a isolar-se.
Uma falha na transmissão televisiva num momento crítico não permitiu que se visse o que aconteceu durante cerca de dois quilómetros. Por momentos fomos todos membros do público em Bergen, à espera que os ciclistas aparecessem na curva, já dentro do último quilómetro. Até teve a sua piada, agora que tudo terminou. Aumentou a emoção, disso não há dúvida! Mas não repitam a falha técnica, se faz favor! O pelotão surgiu praticamente compacto. Os sprinters ganharam a luta de garantir que assim se resolveriam os Mundiais. Sagan ganhou a luta dos sprinters. É outra vez campeão. Pela terceira vez consecutiva. É o primeiro ciclista a fazê-lo. Essa parte da história ninguém lhe tirará. É já uma lenda dos Mundiais.
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Peter Sagan junta-se a uma curta lista de ciclistas com três títulos mundiais: o italiano Alfredo Binda (1927, 30 e 32), o belga Rik van Steenbergen (1949, 56 e 57), também da Bélgica o inevitável Eddy Merckx (1967, 71 e 74) e o espanhol Oscar Freire (1999, 2001 e 2004). O eslovaco, agora com 101 vitórias como profissional, começou o seu reinado em Richmond, nos EUA, com uma vitória a solo. Há um ano foi a Doha, Qatar, mostrar que pode não ser um sprinter puro, mas pode batê-los. Agora, em Bergen, onde no circuito muito se viram imagens de Sagan e bandeiras eslovacas, quase as únicas que quebravam o cenário de bandeiras da Noruega, Sagan foi novamente ao sprint, com homens que também o defrontam nas clássicas. Ganhou. Só falta um título à trepador e se quer o quarto consecutivo, terá de o conseguir já que em Innsbruck, na Áustria, o percurso será do agrado a ciclistas com estas características. Talvez 2018 não seja para ele, mas terá a ambição de se tornar o primeiro a eventualmente chegar aos quatro títulos.
Os Mundiais de 2018 estão longe. Até lá, Sagan tem muito a mostrar novamente com uma camisola que lhe fica tão bem. Quem conquista o título é sempre merecedor (às vezes mais do que outras), mas há ciclistas a quem o arco-íris assenta melhor. Muito se falava da maldição desta camisola, com os campeões mundiais a terem dificuldades em ganhar quando a envergavam. Recuando aos mais recentes campeões: Michal Kwiatkowski venceu duas vezes (Amstel Gold Race e prólogo do Paris-Nice), Rui Costa ganhou uma etapa na Volta à Suíça e a geral, Philippe Gilbert conquistou uma etapa na Volta a Espanha, Mark Cavendish... 14 vitórias com a camisola de campeão do Mundo!
Ficamos pelos ciclistas que ainda estão no activo, ainda que o britânico não tenha estado em Bergen. E tal como Cavendish, a famosa maldição não atinge Sagan. Em 2016 ganhou 12 vezes (sem contar com classificações dos pontos, com o título Europeu e a revalidação do Mundial), em 2017 já são 11, mais esta vitória em Bergen e também umas classificações por pontos. Começa de novo a contagem, faltando saber se irá cumprir a tradição do campeão do Mundo mostrar-se na Lombardia, quinto e último monumento do ano (há um ano isso não aconteceu, porque os Mundiais de Doha realizaram-se em Outubro devido ao calor).
Curiosidades numéricas à parte, Peter Sagan esteve tacticamente bem nesta corrida. Ele que esteve doente depois das clássicas do Canadá e tentou dizer que não era favorito (como se alguém acreditasse...), não se desgastou desnecessariamente e aproveitou a oportunidade quando ela se proporcionou. Houve sprint e Sagan foi à luta, mas nunca se o viu meter-se nos ataques que antes Tim Wellens lançou, ou Tom Dumoulin e até a perigosa movimentação de Alaphilippe e Moscon.
Não foi bem o Sagan que estamos habituados a ver, mas venceu. Falta-lhe agora estabelecer o estatuto de grande nas clássicas, principalmente nos monumentos. Apenas uma Volta a Flandres parece escasso para alguém tão dotado para estas competições de um dia. A competição é outra, as equipas do World Tour não são as selecções. Ambiente diferente, é certo, mas em 2018 pede-se - para não dizer que se exige - que Sagan conquiste pelo menos mais um monumento com a camisola do arco-íris.
27 anos e uma carreira brilhante e ainda com tanto para dar. É este tipo de ciclista que nos faz gostar tanto deste desporto! E num momento de festa, este grande atleta sobre mostrar que também é um senhor quando quer. Dedicou a vitória a Michele Scarponi, italiano que morreu em Abril, atropelado durante um treino. Esta segunda-feira faria 38 anos.
Rui Costa o melhor dos portugueses
Já se sabe que no que diz respeito a estar bem colocado no pelotão Rui Costa é exímio. O poveiro fez-se valer dessa sua qualidade para estar com os melhores quando a corrida acelerou a 90 quilómetros do final (foram 276,5 no total). Com as equipas com sprinters a fazerem tudo para eliminar fugas, tornou-se difícil para Rui Costa sair do grupo. Ainda tentou seguir Tom Dumoulin na subida e atacou na última volta, mas numa zona mais plana e cujo o sucesso de uma fuga estava praticamente condenado ao insucesso. Quando o grupo surge na curta recta da meta, Rui Costa aparece junto aos candidatos para aquele tipo de final. Naquela altura já não se esperava muito mais do que o top 20 que alcançou (19º).
“Acabou por acontecer o que eu temia. A corrida foi muito dura, sobretudo desde a altura em que a Holanda e a Bélgica pegaram na corrida, a cerca de 90 quilómetros do fim, mas a subida não era suficientemente extensa para fazer a diferença. Passou um grupo pequeno, mas estavam lá alguns sprinters. Ainda tentei atacar, mas não era possível. Saio com a consciência de que estava bem e de que dei o meu máximo, mas o percurso não era o ideal”, afirmou o campeão do Mundo de 2013, citado pela Federação Portuguesa de Ciclismo.
Rui Costa teve quase sempre o apoio dos colegas, não havendo dúvidas que era nele que estavam centradas as opções para a corrida. No entanto, todos acabaram por se atrasar já na parte final, com uma queda a deixar o pelotão cortado. Nelson Oliveira foi 56º a 2:32 minutos. Tiago Machado e Ricardo Vilela cortaram a meta juntos no mesmo grupo de Nelson (65º e 66º, respectivamente). José Gonçalves chegou a 11:53 minutos de Sagan (131º). O campeão nacional Ruben Guerreiro abandonou quando já não faltava muito para terminar a corrida. Para o jovem de 23 anos foi a estreia nos Mundiais na categoria de elite. Experiência importante para quem chegou em 2017 ao World Tour, através da Trek-Segafredo. Muito se espera deste ciclista. Em Bergen foi apenas mais um passo na sua evolução.