31 de agosto de 2019

A hora de Ruben Guerreiro

Ruben Guerreiro foi quarto classificado no sprint, depois de muitos quilómetros em fuga
e de ter tentado afastar-se do grupo (Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Dizer que Ruben Guerreiro está a confirmar o seu potencial na Vuelta, seria minimizar o que este ciclista já alcançou. Aquele corredor que se está a ver é o Ruben que tem adiado a sua afirmação no World Tour, muito por culpa de quedas ou algum problema de saúde. Nem todos os talentos conseguem ter um impacto imediato, o que não significa que não o venham a ter. Em boa hora Ruben Guerreiro está a mostrar-se, não só na etapa deste sábado, mas na maioria dos dias desta primeira semana de Volta a Espanha. E que seja só o início das boas exibições!

O murro no guiador ao cortar a meta no quarto lugar, demonstrou uma natural frustração de quem muito trabalhou, de quem arriscou numa estrada molhada, debaixo de chuva, de quem foi um verdadeiro guerreiro, numa etapa em que a fuga triunfou novamente na Vuelta.

Não foi desta que ganhou, naquela que está a ser a sua estreia numa grande volta. Mas este é o Ruben que em 2017, quando entrou no World Tour pela porta da Trek-Segafredo, foi incluído no grupo dos "rookies" a seguir com muita atenção. Começou bem numa Austrália que nas épocas seguintes sempre foi um bom ponto de partida para o português. Mas também rapidamente começaram os percalços que o afastavam a competição e a afirmação. 

Guerreiro é um dos muitos ciclistas de qualidade que estiveram na Hagens Berman Axeon. Numa entrevista ao Volta ao Ciclismo em 2016, o director da equipa Axel Merckx disse sobre o português: "Ele é um dos maiores talentos que está aí. Ele deu sinais de ser um pouco frágil, mas isso não faz mal. Ele irá aprender a viver como um ciclista profissional e perceber que entrar no World Tour não é suficiente. Ele terá de evoluir e ficar mais forte."

De facto, essa fragilidade tem sido o problema para Ruben Guerreiro. Parece que sempre que começa a aproximar-se de grandes momentos, algo mau acontece. Porém, Merckx também disse que acreditava iria conseguir tornar-se num ciclista mais forte. Além da Austrália, Guerreiro esteve muito bem em provas como Volta à Califórina, Turquia, Algarve, entre outras. E claro, sem esquecer como da primeira vez que participou no Campeonato Nacional de elite, ganhou, num difícil circuito por Gondomar, em 2017. Foi um dos melhores ciclistas daquele escalão a surgir em Portugal nos últimos anos e tinha de o ser para ser chamado por Merckx e dois anos depois dar o salto mais desejado.

Não tem sido fácil para Ruben Guerreiro acompanhar as elevadas expectativas. Após dois anos muito inconstantes na Trek-Segafredo, Ruben optou por uma mudança para uma Katusha-Alpecin, com um português como director, José Azevedo, além de ter José Gonçalves no plantel.

Não tem sido a melhor das equipas nos últimos anos, mas talvez podendo ter um perfil mais discreto tenha ajudado Ruben Guerreiro a encontrar alguma estabilidade e a afastar-se da pressão e afastar os azares que o perseguiam. Assinou por apenas um ano, ficando claro que tinha de se mostrar para poder continuar ao mais alto nível. E está a fazê-lo e não apenas na Vuelta, mas claro que uma grande volta é um palco com outro mediatismo.

Está na 21ª posição, a mais de 11 minutos e já esteve no top 20, mas a geral não é a preocupação do português, que está com liberdade para fazer a sua corrida. Na difícil subida de Javalambre na quinta etapa, Ruben esteve muito bem, terminando na 15ª posição. Este sábado esteve ainda melhor.

O futuro da Katusha-Alpecin é incerto, mas com exibiçōes deste nível numa estreia na Vuelta adiada há ano, talvez o futuro de Ruben possa ficar mais certo no World Tour, um escalão que tantas vezes não perdoa quem demora mais tempo a afirmar-se, mas que continua a ser o lugar deste promissor ciclista de 25 anos. Chegou a hora de Ruben Guerreiro destacar-se.

9ª etapa: Andorra la Vella - Cortals d'Encamp (94,4 quilómetros)



Este domingo será um daqueles dias que se tornou imagem de marca da Vuelta: etapa curta e sempre a subir e descer! Apesar de ainda se estar a terminar a primeira semana da corrida, não é dia para o quarteto da frente falhar. E se alguém quer reentrar na luta pela geral, eis um perfil de etapa a pedir ataques. 

Pela terceira vez, Miguel Ángel López vestiu a camisola vermelha para no dia seguinte perdê-la. Desta feita para Nicolas Edet (Cofidis), um dos homens da fuga do dia e que teve o alemão Nikias Arndt (Sunweb) a ser o mais forte no sprint final. No entanto, sendo uma etapa tão curta, não altera em nada a responsabilidade da Astana de López - que não arriscou nada com a chuva na parte final da etapa e não se importou de perder bastante tempo para o novo líder -, da Movistar de Alejandro Valverde e Nairo Quintana e da Jumbo-Visma de Primoz Roglic. O esloveno deverá ser o alvo a abater, pois na terça-feira é dia de contra-relógio e não há rival que não o queira ver com uma margem de diferença maior possível. 

Quanto à Cofidis, com Edet a ter ganho uma vantagem maior do que seria de esperar muito devido à chuva nos quilómetros finais - tem 3:01 minutos para López, com Dylan Teuns (Bahrain-Merida) a andar num iô-iô nesta classificação, de líder passou para 18º e agora é segundo, a 2:21 - a equipa francesa poderá tentar ajudar o ciclista a pelo menos ir para o dia de folga como líder, mas muito dependerá se Edet recupera do esforço deste sábado (Valls-Igualada, 166,9 quilómetros), mas não será uma missão nada fácil. Até Quintana está a prometer atacar! 

Quanto às cinco difíceis subidas deste domingo, o destaque vai para a categoria especial de Coll de la Gallina (imagem à direita). Serão 12,2 quilómetros de ascensão, com uma pendente média de 8,3%. Entre o quilómetro três e 11, o melhor que os ciclistas terão são pendentes a 7%, estando várias vezes acima dos 10%.

A subida final, Cortals d’Encamp, terá 5,7 quilómetros, com pendente média de 8,3%, sendo a fase inicial a mais complicada. Porém, atenção à aproximação, pois o piso será em gravilha, cerca de quatro quilómetros, segundo o director da corrida Fernando Escartín.

Classificações completas, via ProCyclingStats.




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30 de agosto de 2019

Um filme que já se viu

(Fotografia: © La Vuelta)
Este é um filme já visto. Alejandro Valverde tem tendência a ser figura na Volta a Espanha. Começa forte, até ganha etapas, vai espreitando a liderança, mas acaba por ter o momento de quebra que o tira da luta e até do pódio. Talvez seja por isso que, apesar da exibição bem ao estilo do espanhol e de ter batido aqueles que são vistos como os dois principais candidatos, Miguel Ángel López e Primoz Roglic, a desconfiança mantém-se.

Nos 4,1 quilómetros de Mas de la Costa, com pendentes quase sempre acima dos 10% e com fases acima dos 20%, Valverde quase cedeu num dos ataques de Nairo Quintana, o seu companheiro da Movistar, ou provavelmente mais um rival. Porém, aguentou-se e nos metros finais, a 17%, ainda teve de preocupar-se um pouco com Roglic, mas não muito. Neste tipo de subidas, curtas e bem difíceis, nunca é bom para um ciclista ter Valverde a seu lado no momento de sprintar pela vitória.

Valverde começar a Vuelta forte não é novidade nenhuma. Esclarecido que está que é o espanhol o líder da equipa, pelo menos segundo Nairo Quintana, então fica afastado o suposto plano para o espanhol de perseguir etapas. Já tem uma e vai atacar a geral. Olhando para as edições mais recentes - não esquecendo que a Vuelta foi a única grande volta que Valverde ganhou, em 2009 - o ciclista andou a rondar a camisola vermelha, ainda que não a vista desde 2014, até que tem um ou dois dias em que deita tudo a perder (de recordar que falhou a edição de 2017 devido a lesão)

Talvez por isso, apesar da vitória de Valverde na sétima etapa (Onda - Mas de la Costa, 183,2 quilómetros), seja Primoz Roglic um dos focos de maior atenção. O líder da Jumbo-Visma foi o único a aguentar a pedalada final do espanhol, ainda que não tenha tido de capacidade de contrariar o rival no sprint até à meta. Mas ganhou seis segundos a Miguel Ángel López, mais seis de bonificação e na geral está a... seis do colombiano, que é novamente o líder da Vuelta.

Na terça-feira há um contra-relógio de 36,2 quilómetros que tem todas as características para que Roglic ganhe tempo à concorrência, ainda que no domingo haverá uma etapa muito complicada para os pretendentes à vitória na Volta a Espanha e pode ser muito importante para a classificação geral. López, Valverde e Quintana sabem que têm de ganhar tempo na montanha aos esloveno.

Nem Roglic, nem López têm o currículo de Valverde, mas são neste momento dois dos ciclistas em melhor forma e com equipas capazes de fazer a diferença. A Astana não tem andado muito bem nesta primeira semana de Vuelta, mas ainda há muita corrida pela frente.

Valverde ficou a 16 segundos de López, Quintana a 27. Rafal Majka (Bora-Hansgrohe) já está a 1:58 minutos e todos os outros estão a mais de 2:30. Uma etapa como a de domingo pode até mudar o panorama, mas o quarteto que está na frente dá indicações de estar demasiado forte para a concorrência. Eis o que espera aos ciclistas: duas primeiras categorias (a última a finalizar o dia), duas de segunda e uma de categoria especial em apenas 94,4 quilómetros, entre Andorra la Vella e Cortals d'Encamp.

Antes, este sábado, será o momento para preparar precisamente a difícil etapa de domingo, com uma tirada que até pode ser para os sprinters, caso passem a segunda categoria que termina a menos de 30 quilómetros da meta. Serão 166,9 quilómetros entre Valls e Igualada.

Será também uma boa oportunidade para Miguel Ángel López conseguir algo inédito para ele nesta Vuelta: aguentar mais do que um dia a camisola vermelha. É a terceira vez que a veste e nas duas anteriores perdeu no dia seguinte, muito porque a equipa não está interessada em ter de controlar a Vuelta desde tão cedo. Contudo, a não ser que uma fuga triunfe e alguém volte a tirar a liderança ao colombiano, a Astana poderá mesmo de ter de se preparar para tomar as rédeas no domingo. Dylan Teuns (Bahrain-Merida) teve o seu momento de glória, mas nem por um top dez irá lutar. Perdeu a vermelha e vai pensar em tentar ganhar uma etapa.

Quanto a Valverde, a ver vamos se encontra um final mais feliz na Vuelta para o filme que se tem repetido nos últimos anos. Para já, não há muita euforia em redor do espanhol.


Classificações completas, via ProCyclingStats.



29 de agosto de 2019

Movistar define líder. Quintana diz que não é ele

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Estão esclarecidas as dúvidas na Movistar. Alejandro Valverde é o líder da equipa na Volta a Espanha. Com quase uma semana de corrida, o discurso inicial de apoio a Nairo Quintana e de que Valverde iria à procura de etapas pouco convenceu e agora é o colombiano quem admitiu publicamente que foi tomada a decisão de apostar no veterano espanhol.

"Tivemos uma reunião de equipa e o Eusebio [Unzué] decidiu. O Alejandro está muito bem e vamos apoiá-lo", afirmou Quintana, citado pelo As. De saída da Movistar é o derradeiro voltar de costas a um ciclista que chegou a ser o "menino de ouro" da equipa, mas que nos últimos dois anos viu a sua relação com o director desportivo Unzué deteriorar-se, assim como o seu estatuto na formação espanhola.

Quintana e Movistar têm estado cada vez menos em sintonia. Não conseguir ganhar o Tour ajudou a que o encanto pelo colombiano fosse ficando cada vez mais reduzido. No entanto, foi a aposta de Unzué em colocá-lo no Giro e Tour para tentar a dobradinha que ninguém consegue desde 1998, que acabou por precipitar o fim de uma relação que chegou a parecer ter tudo para ser de muito sucesso. Em 2017, Quintana perdeu o Giro no contra-relógio final para Tom Dumoulin e depois falhou por completo no Tour, nem finalizando no top dez. O chamado sueño amarillo tornou-se num autêntico pesadelo, com a família do ciclista a vir a público acusar Unzué de ter obrigado Quintana a fazer as duas grandes voltas.

Entretanto, Unzué fez tudo para contratar Mikel Landa, uma antiga paixão do director e que finalmente conseguiu convencer em assinar pela Movistar em 2018. Se Valverde nunca se afastou por completo do líder para as grandes voltas para abrir caminho a Quintana, como chegou a dizer, a chegada de Landa foi um claro sinal que Quintana nunca seria o líder máximo, apesar de ter ganho o Giro em 2014 e a Vuelta em 2016, além de outras conquistas importantes. Este tridente de grande qualidade individual, nunca funcionou colectivamente e só serviu para criar mais divisões internas. Este ano, Richard Carapaz confirmou credenciais ao vencer o Giro, enquanto Quintana voltou a não conseguir discutir o Tour.

Com as portas de saída escancaradas, Quintana vai aproveitar para mudar de ares. Parecia estar a caminho da Arkéa-Samsic, mas a UAE Team Emirates poderá permitir que o colombiano continue no World Tour. Independentemente da escolha, Quintana queria tentar sair em grande na Vuelta e conquistou uma grande vitória na segunda etapa, de uma forma que há muito não se via neste ciclista. Atacou, sem olhar para trás, sem medo e só com os olhos na meta. Arriscou e ganhou. Mas afinal, nem assim conseguiu impor-se. Valverde também tem andado ao ataque. Curiosamente foi sempre dizendo que era Quintana o líder, ainda que não parecesse. Há que não esquecer que Carapaz ficou fora da Vuelta devido a uma queda, mas nem assim o colombiano conseguiu o tão desejado estatuto.

A julgar pelas palavras de Quintana, o que se via na estrada era mesmo o que parecia: Valverde está a espreitar a geral e não apenas etapas. Já assim o tinha sido na edição passada na Vuelta. Valverde também acabou por querer ganhar a geral e a Movistar apoiou o espanhol que acabou por quebrar por completo.

"Vamos ver até onde chego. Olho dia-a-dia", desabafou ainda o colombiano, citado pelo As. No fundo, pouco muda. Quintana vai continuar por sua conta no adeus à Movistar - nenhum dos seus homens de confiança foi chamado para a Vuelta -, que também vai ver sair Mikel Landa (Bahrain-Merida) e provavelmente Richard Carapaz (estará em negociações com a Ineos).

Aos 39 anos, com camisola de campeão do mundo vestida, Valverde está a realizar uma das temporadas mais fracas de anos mais recentes. No entanto, continua e continuará sempre a ser o capitão da Movistar. Com a vitória no Giro de Carapaz, a equipa espanhola já tem 2019 feito relativamente a grandes voltas, mesmo sem Tour e mesmo que Valverde não consiga ganhar a Vuelta, o que até seria uma pequena surpresa. Mas em Espanha já se sabe: tudo é possível.

Valverde deixou garantias que tudo está bem na equipa: "As pessoas inventam problemas e não há nem 1% do que de diz. Só nós é que sabemos o que acontece dentro do autocarro da equipa." Já fora, todos viram como Valverde não teve problemas em atacar Quintana, quando o colombiano estava a apenas dois segundos da liderança. Também esta nunca foi uma relação fácil e a rivalidade interna continua, pelo menos nesta Vuelta. Em 2020 tudo mudará, pelo menos os protagonistas serão outros na Movistar.

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EF Education First perde dois ciclistas e não ganhou para o susto com outros três

Van Garderen ainda não sabe se continua em prova. Dois companheiros abandonaram
(Fotografia: © Luiz Angel Gomez/PhotoGomezSport/La Vuelta)
Costuma ser um início de grande volta mais típico do Tour, mas este ano as quedas estão a marcar mais a Vuelta. E estão a afectar equipas em bloco. No contra-relógio inaugural foi a Jumbo-Visma que teve metade dos ciclistas a cair, enquanto na UAE Team Emirates foram seis, dos oito. Quase uma semana depois foi a vez da EF Education First a sentir os efeitos de uma queda, mas desta feita com resultados mais graves. Rigoberto Uran e Hugh Carthy foram para o hospital e estão fora da corrida, enquanto Sergio Higuita ficou com as costas bem marcadas, mas prosseguiu, tal como Logan Owen. Mais tarde seria Tejay van Garderen a sofrer uma queda aparatosa e só na manhã desta sexta-feira será tomada a decisão sobre se continua ou não em prova.

Em comum, as quedas tiveram água, com a excepção de a de Van Garderen. Terá sido novamente a estrada molhada que terá levado um ciclista da Jumbo-Visma a perder o controlo da bicicleta. Higuita explicou que esse corredor, que não identificou, "travou numa curva [numa descida] e a roda fugiu de debaixo dele". A partir daí, quem vinha atrás quase não teve hipótese de evitar cair também. Entre os vários ciclistas que foram ao chão estiveram Nicolas Roche (Sunweb) - antigo líder da Vuelta - e Víctor de la Parte (CCC), que foram mais dois corredores a abandonar.

A EF Education First confirmou que tanto Uran como Carthy partiram a clavícula esquerda e vão ser operados. Um rude golpe nas aspirações da equipa, com Uran a ser um candidato à geral - a lesão é no mesmo lado que sofreu uma fractura em Março, no Paris-Nice -, enquanto Hugh Carthy tinha estado muito bem na ajuda na subida a Javalambre, na quarta-feira. Higuita ficou a 3:46 da liderança, com Daniel Martínez a estar a 4:49 do novo líder, Dylan Teuns (Bahrain-Merida) e sem Uran terá de assumir maior protagonismo, mesmo depois de ter começado mal a Vuelta. Quanto a Van Garderen, que estava na fuga quando caiu, será reavaliado pelo médico antes da sétima etapa.

A CCC não adiantou os ferimentos de De la Parte, já um muito desiludido Roche teve de levar pontos no antebraço, além das "queimaduras" habituais de quem teve um encontro imediato com o alcatrão.

A lista de abandonos engrossou nesta sexta etapa feita a grande ritmo: 42,03 quilómetros/hora, nos 198,9 entre Mora de Rubielos e Ares del Maestrat. Devido a quedas, na quarta-feira abandonou Gregor Mühlberger, da Bora-Hansgrohe, com Steven Kruijswijk a deixar a Vuelta na quarta etapa com dores no joelho, consequência do incidente no contra-relógio por equipas do primeiro dia.

Já a UAE Team Emirates parece ter afastado os azares, depois de todos menos Valerio Conti e Sergio Henao (este último porque já tinha ficado para trás) terem caído no contra-relógio. Fabio Aru e Tadej Pocagar estão a demonstrar boa forma, tentando recuperar algum terreno perdido desde então.

Não foi o Herrada mais velho a ganhar, foi o mais novo

(Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
Um dia depois de José Herrada ter ficado em lágrimas pelo terceiro lugar na etapa, quando esteve tão perto de ganhar uma etapa na Vuelta aos 31 anos, foi a vez do mais novo dos Herrada, Jesús (29), ir para a fuga e ter um final bem mais feliz. Ambos estão na Codidis e Jesús tem sido sempre o ciclista com maior potencial, mesmo quando estavam na Movistar.

Há um ano foi um herói espanhol ao vestir a camisola vermelha durante dois dias, mas faltava-lhe a grande vitória numa grande volta, não esquecendo que já conta com uma etapa no Critérium du Dauphiné e esta época conquistou a primeira edição do Challenge Mont Ventoux.

Mais uma vitória espanhola depois de Ángel Madrazo (Burgos-BH) e está mais do que confirmado que se há grande volta em que as equipas Profissionais Continentais têm mais possibilidade de ter protagonismo, além de aparecer na televisão ao integrar fugas, é na Vuelta.

Foi também um dia em que um português esteve mais perto de vencer uma etapa. Nelson Oliveira teve permissão da Movistar para entrar na fuga, mas a subida final foi madrasta e acabou ultrapassado por Herrada e Dylan Teuns. Não foi desta o ciclista de Anadia somou mais uma tirada em Espanha, depois da vitória em 2015, então ao serviço da Lampre-Merida.

Quanto ao belga da Bahrain-Merida, Dylan Teuns, está a ser o ciclista de destaque nesta segunda metade da temporada na equipa. Venceu uma etapa no Tour, em La Planche des Belles Filles, e agora é líder da Vuelta. Não conseguiu sprintar com Herrada, pois acabou por ser ele sempre a trabalhar ao perceber que poderia ser líder. David de la Cruz (Ineos) também beneficiou da fuga para saltar para o segundo lugar, a 38 segundos, com Miguel Ángel López (Astana) a ceder a camisola da liderança outra vez um dia depois de a ter alcançado. Ficou a um minuto de Teuns.

O belga, de 27 anos, não é um ciclista que se veja como uma grande ameaça a López ou Primoz Roglic (Jumbo-Visma) os principais nomes na luta pela vitória, nesta fase da corrida. Dizer que também foi dada a liderança a Richard Carapaz no Giro e que depois o equatoriano deu uma lição de ciclismo a todos e que Teuns pode fazer o mesmo, talvez seja de mais. Porém, Teuns colocou-se numa posição de lutar por um bom lugar e será de esperar que tentará vender caro a camisola que agora veste.

De referir que Ruben Guerreiro (Katusha-Alpecin) continua a ser o melhor português, mantendo o 18º lugar, estando a 4:38 de Teuns.

Classificações completas, via ProCyclingStats.

7ª etapa: Onda - Mas de la Costa (183,2 quilómetros)



Teuns terá já um teste importante no regresso da alta montanha à Vuelta. Mais uma chegada em alto, de primeira categoria, mas antes haverá o "aquecimento" com uma terceira, segunda e outra terceira consecutivas. Depois o pelotão poderá respirar um pouco, mas não muito. Há mais uma segunda categoria e uma ascensão não categorizada antes de enfrentar Mas de la Costa. São apenas 4,1 quilómetros, mas começam com 22,5% de pendente e acabam com 17,5%! No meio haverá uns metros a 25%, a 14%, sendo que os 10% serão a fase mais fácil... A média é de 12,5%. Brutal! Típica subida da Vuelta.





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28 de agosto de 2019

De um incidente caricato ao momento mais esperado de uma carreira

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Miguel Ángel López foi um autêntico Super-Homem em Javalambre. O colombiano fez jus à alcunha e pareceu voar rumo à recuperação da camisola vermelha. Porém, se de López não há dúvidas que ainda muito se há-de falar nesta Vuelta, é justo que o destaque do dia seja para Ángel Madrazo. Há uma frase difícil de esquecer, da autoria de Rui Vinhas. Após ganhar a Volta a Portugal, o ciclista disse que "todos os gregários deveriam viver um momento assim". Madrazo, de 31 anos, certamente concordará. Tem uma carreira a trabalhar para outros e quando encontrou uma equipa que lhe deu liberdade, foi à procura do seu momento. Teve logo um muito bom no segundo dia da Vuelta, quando vestiu a camisola da montanha, o que lhe permitiu subir ao pódio. Mas agora venceu uma etapa numa grande volta, um triunfo muito especial para o ciclista e extremamente importante para a Burgos-BH.

"O triunfo da raiva, sacrifício e perseverança", escreveu a equipa no Twitter. A festa foi efusiva, pois não só a Burgos-BH alcançou uma vitória histórica para o projecto, como Jetse Bol foi segundo. A vontade era tanta que o carro até tentou dar um empurrãozinho! Agora já se pode dizer uma piada, mas a 24 quilómetros do fim da etapa, não houve vontade nenhuma de rir. A dar o apoio a Bol, quem conduzia o carro da Burgos-BH distraiu-se e acabou por tocar em Madrazo que seguia à frente. O espanhol evitou a queda a muito custo e quase que José Herrada (Cofidis) sofria por "tabela". É caso para dizer, que susto!


Um incidente caricato que poderia ter custado o momento que dá nova vida a uma Burgos-BH a precisar urgentemente de uma boa notícia. Estamos a falar de uma equipa que começou o ano a auto-suspender-se devido aos casos de doping, ainda antes da UCI a sancionar. Grande parte da estrutura foi alterada, desde ciclistas a staff, tudo para apostar num recomeço que limpasse a má imagem deixada, um ano depois de ter subido ao escalão Profissional Continental.

Este é um projecto com mais de dez anos de existência. A ambição de estar na Vuelta fez com que os seus responsáveis apostassem na mudança de nível. Mas não tem sido fácil e o futuro não irá ficar mais facilitado só porque ganhou uma etapa na Volta a Espanha. Se a UCI manter o novo regulamento quanto à atribuição de convites para as grandes voltas, as organizações passaram a ter apenas dois em vez de quatro. A Burgos-BH sabe que dificilmente receberá um em 2020 se não subir o nível das exibições e resultados.

Até ao triunfo em Javalambre, só por duas vezes a equipa havia vencido em 2019. Primeiro no Alto de Montejunto, no Troféu Joaquim Agostinho, por intermédio do português José Neves. Depois foi à China ganhar uma etapa na Volta ao Lago Qinghai com Matthew Gibson. Curiosamente, nenhum dos ciclistas foi chamado para a Vuelta.


Ficou rapidamente bem claro como a Burgos-BH ia dar o tudo por tudo para dar nas vistas na Vuelta. Madrazo tinha o objectivo de vestir a camisola de líder da montanha. Já a tem e agora quer levá-la até Madrid. Difícil, mas há que tentar. Depois queria ganhar uma etapa. Já está. Vuelta feita para Burgos-BH? De certa forma sim, mas quanto mais conseguir melhor, pois em causa pode estar um projecto que sem a presença na Volta a Espanha, poderá deixar de fazer sentido existir como Profissional Continental. Madrazo - que chegou a representar a Movistar durante cinco épocas e a Caja Rural em três, antes das duas na francesa Delko Marseille Provence KTM - irá tentar continuar a ser figura, mas quem sabe ainda se veja também os portugueses Ricardo Vilela e Nuno Bico em destaque.

López vs Roglic

Apenas com cinco etapas cumpridas e esta Vuelta já teve a capacidade para deixar exposto quem está em melhor condições para lutar pela vitória. Contudo, tendo em conta a muita montanha que ainda há pela frente, o que é verdade hoje, poderá não ser bem assim amanhã...

Após a primeira chegada em alto, Miguel Ángel López foi o Super-Homem nos 11,1 quilómetros da estreia da subida de Javalambre na Vuelta. Local muito interessante e que não surpreenderá se regressar em percursos futuros. O colombiano comprovou o que já tinha demonstrado e mesmo sem ter uma Astana a ajudá-lo, sozinho deu conta de tudo e todos. Só não apanhou o trio da frente, que chegou a ter mais de dez minutos de vantagem.

Primoz Roglic (Jumbo-Visma) não é tanto de "explosões" nas subidas, mas ao seu ritmo não deixou escapar Alejandro Valverde e com 14 segundos a separá-lo de López, tem o colombiano debaixo de olho. Poderá revelar-se uma luta muito interessante entre o esloveno e o colombiano, uma que não se viu no Giro, mas está a começar a aquecer na Vuelta.

E Valverde? Lá vai dizendo que Nairo Quintana é que é o líder, mas continua a atacar por ele, sem se preocupar com o colombiano. Quintana cedeu um pouco, mas está a 23 segundos. Valverde ficou a 28. Na Movistar vive-se mais do mesmo e não se aprendeu a lição da Volta a Itália: foi difícil, mas a equipa lá se uniu em redor de Richard Carapaz e venceu a corrida.

Rigoberto Uran, Johan Esteban Chaves, Fabio Aru, Pierre Latour, Rafal Majka, Sergio Higuita e a lista continua, todos quebraram. Aconteceu o mesmo com Nicolas Roche. Perdeu a camisola da liderança para López, mas o ciclista da Sunweb realizou uma prestação que o coloca como número um da Sunweb, pois Wilco Kelderman também entra na tal lista. Roche ficou a 57 segundos de López, enquanto o holandês já tem 1:50 minutos para recuperar.


Há um destaque português. Este é um Ruben Guerreiro (Katusha-Alpecin) que se espera ver mais vezes e ainda com margem para melhorar. Subiu 18 posições na geral, é 18º, a 3:18 minutos de López, depois de um excelente 15º lugar em Javalambre.

Classificações completas, via ProCyclingStats.

6ª etapa: Mora de Rubielos - Ares del Maestrat (198,9 quilómetros)



Será um dia mais longo na bicicleta e, para não variar, com muito sobe e desce. Tendo em conta que no sábado a etapa apresenta-se mais difícil, é possível que na geral não se tente fazer grandes diferenças nesta sexta-feira. Será mais um bom dia para uma fuga triunfar. A subida final é uma terceira categoria com 7,8 quilómetros, com uma pendente média de 5%.




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27 de agosto de 2019

Uma nova chegada em alto para ajudar a definir os candidatos

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
O pelotão aproveitou bem uma etapa que, apesar de não ser completamente plana, tinha um terreno mais simpático comparativamente com a maioria dos dias. Ainda houve uma tentativa de abanico por parte da EF Education First, mas ninguém importante ficou para trás (Wout Poels, da Ineos, já tinha saído da lista de candidatos logo na segunda tirada). Ass duas principais notícias do dia foram o abandono de Steven Kruijswijk e a vitória de Fabio Jakobsen, na sua estreia numa grande volta. Esta "calma", dentro do possível numa Vuelta, até se compreendeu tendo em conta que a primeira chegada em alto é já esta quarta-feira. É uma subida nova na Volta a Espanha e que ninguém terá vida fácil.

(Imagem: La Vuelta)
Com o contra-relógio por equipas a fazer mais diferenças do que o esperado, muito devido às quedas da Jumbo-Visma e UAE Team Emirates, e com a segunda etapa, de média montanha, também a ter algum impacto na geral, a meta no Alto de Javalambre, onde se situa o observatório astronómico, poderá começar a ajudar a definir de vez quem está em condições de discutir a Vuelta, mesmo que ainda se esteja numa fase tão inicial da prova.

É uma típica etapa desta grande volta, não muito longa - 170,7 quilómetros -, mas muito desgastante. A segunda categoria, logo nos primeiros quilómetros, será seguida de sobe e desce constante até à terceira categoria (ver gráfico em baixo). O pelotão poderá começar a partir muito antes dos 11,1 quilómetros finais, com uma média de 7,8% (imagem do lado direito). Não tem pendentes loucas, mas tem muitos quilómetros acima dos 10% e máxima de 16%.

Nesta fase da temporada as pernas pesam e mesmo os que apresentam uma boa forma e descansaram entre o Giro e Volta a Espanha, não deixam de estar numa fase final de temporada. Também por isso a Vuelta acaba por ser muito mais indefinida quanto a vencedores. Até a Jumbo-Visma, que se apresentou com um bloco fortíssimo, já sofreu uma baixa importante, consequência da referida queda. Steven Kruijswijk, líder a par de Primoz Roglic, abandonou. As dores no joelho não deixavam antever nada de bom quando as maiores dificuldades chegassem, pelo que o holandês jogou pelo seguro.

A quinta etapa também poderá ajudar a perceber precisamente como estão os blocos. A Astana não esteve bem na segunda tirada, enquanto a Movistar trabalhou um pouco, mais para Alejandro Valverde, com Nairo Quintana a surpreender ao fugir para ganhar a tirada. Na formação espanhola nunca se sabe muito bem o que esperar, pois Valverde poderá ir atrás da vitória, com 49 segundos a separá-lo da camisola vermelha de Nicolas Roche. Mas Quintana está a apenas dois segundos, mas já é difícil esconder - ou talvez já nem se tente fazê-lo - que é um homem algo isolado na Movistar.

Mas voltando à Astana, Miguel Ángel López começou bem a Vuelta, liderou, mas se no contra-relógio a equipa foi perfeita, na etapa em linha faltou mais união. Se López comprovar que está bem, Ion Izagirre terá de abdicar do seu objectivo pessoal. No segundo dia tentou atacar e depois quebrou quando o seu líder mais precisou dele. López também gostaria de ver Fuglsang mais próximo de si, mas o Tour pode prejudicar a força do dinamarquês, ainda que não o tenha terminado devido a queda.

Mas há uma equipa que está a gerar muita curiosidade. A EF Education First está a confirmar que o seu trio de colombianos foram a Espanha para lutar pela vitória. Daniel Martínez já perdeu 1:46 minutos, contudo, não é carta fora do baralho. Longe disso. Pode ser muito importante ao lado de Rigoberto Uran, terceiro, a oito segundos de Roche. Uran sofreu uma queda, mas aparentemente sem gravidade e tem outro ciclista que tanto o pode ajudar, como poderá lançar alguma "confusão" entre os adversários. É que Sergio Higuita não está a querer passar despercebido na sua estreia numa grande volta. 22 anos e tanto talento ainda por desenvolver.

Está a 37 segundos de Roche e é um trepador com muito potencial. Se este trio estiver bem, poderá ser o maior rival para a Jumbo-Visma de Roglic e para López e Quintana. Será que a Vuelta vai ser um esloveno entre colombianos?

Na Vuelta há tendência aos ciclistas apresentar-se mais livres de tácticas pré-definidas, o que potencia o espectáculo e uma luta mais acesa pela camisola vermelha. Não vai ser fácil para Roche mantê-la, já que terá de garantir que o líder da Sunweb, Wilco Kelderman, se mantém bem posicionado. Este holandês é sempre uma incógnita, mas foi em Espanha que se viu o seu melhor.

Se Fabio Aru (UAE Team Emirates) e Pierre Latour (AG2R) são dois ciclistas a não perder de vista, pelo que mostraram na segunda etapa, atenção à Bora-Hansgrohe. Discretamente Emanuel Buchmann foi somando resultados regulares no Tour e fechou na quarta posição. O mesmo poderá acontecer agora. Davide Formolo quer despedir-se em grande da equipa (está a caminho da UAE Team Emirates) e Rafal Majka é outro Kelderman. Pode fazer muito, mas tem ficado tantas vezes aquém. Mas foi na Vuelta que fez pódio em 2015. Ambos estão no top dez, a 46 segundos, e esta Bora-Hansgrohe não aposta apenas em Sam Bennett nos sprints. Agora também olha sempre para a geral.


Fabio Jakobsen já vence nas grandes voltas


(Imagem: La Vuelta)
A poucos dias de completar 23 anos, Fabio Jakobsen está a confirmar que é um sprinter de topo. Ou quase a lá chegar. Desde que na época passada venceu a clássica Danilith Nokere Koerse que o jovem holandês não parou de somar boas exibições. A Deceuninck-QuickStep deu-lhe a oportunidade de se estrear numa grande volta nesta Vuelta e logo com a camisola de campeão nacional, que vestiu no final de Junho. Sam Bennett foi demolidor no primeiro sprint, mas Jakobsen foi superior na segunda tentativa.

A preparação da equipa foi perfeita e Max Richeze fez um trabalho fantástico, numa altura em que faz as últimas corridas pela equipa, já que vai juntar-se a Fernando Gaviria na UAE Team Emirates na 2020. Mas o seu profissionalismo é intocável e abriu caminho a Jakobsen, enquanto Bennett errou na trajectória numa rotunda e até ficou perto de uma recuperação total, mas a quarta etapa foi para um holandês. Vencedor em Lagos na Volta ao Algarve é um ciclista que cada vez mais se espera que se junte rapidamente ao lote de luxo de nomes do sprint mundial como Dylan Groenewegen, Gaviria, Peter Sagan, Caleb Ewan... E claro, Elia Viviani, que na próxima época será um rival de Jakobsen, pois está de partida para a Cofidis. Como sempre, o director Patrick Lefevere tem uma nova estrela pronta a assumir protagonismo, quando uma sai da equipa belga.

Classificação completa, via ProCyclingStats.




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26 de agosto de 2019

Uma Vuelta muito irlandesa

(Fotografia: © BORA - hansgrohe / Bettiniphoto)
A Irlanda nunca esteve tanto no mapa no ciclismo como na era de Stephen Roche e Sean Kelly. Não deixou de ter ciclistas de elevado valor nas gerações que se seguiram, mas a herança deixada por aqueles dois corredores nunca conseguiu ser igualada, pelo que não se estranha que se fale da era dourada da modalidade na Irlanda na década de 80 e início de 90.

Dan Martin ainda alimentou alguma esperança e alcançou grandes vitórias e outros bons resultados (tem dois monumentos e duas etapas no Tour, por exemplo). Contudo, o sobrinho de Roche nunca se aproximou de uma possibilidade de ganhar uma grande volta. Mas Martin fez e faz com que se fale da Irlanda, tendo nos últimos três anos a companhia de um sprinter que despontou tarde, mas que não pára de ganhar: Sam Bennett. Este, juntamente com Nicolas Roche (o apelido não é coincidência, pois é filho de Stephen), faz com que a Irlanda esteja a ser muito falada numa grande volta. Afinal, não é todos os dias que um lidera a Vuelta e o outro ganha a primeira etapa para os sprinters, na sua estreia na corrida espanhola. Irlanda e Colômbia, as duas nações em destaque em três dias de corridas.

Bennett foge aos laços da família Roche, mas tem os genes de um vencedor. Só quem está numa equipa, Bora-Hansgrohe, que tem Peter Sagan e Pascal Ackermann como os outros sprinters é que poderia encontrar tantas dificuldades em estar nas grandes voltas, apesar das 12 vitórias em 2019. Foram sete em 2018 e 10 no ano antes. Até esta afirmação, o melhor que tinha alcançado havia sido cinco triunfos em 2015.

Sam Bennett tem 28 anos. Pode não ter sido um jovem prodígio, como um Fernando Gaviria ou Peter Sagan, por exemplo, mas comprovou ser um sprinter do melhor que o pelotão tem actualmente. Como equipa alemã, a Bora-Hansgrohe quis apostar em Ackermann no Giro, numa escolha que se revelou acertada, apesar de Bennett ser na altura o ciclista que mais ganhava. Sagan não dá espaço a mais sprinters no Tour. Sobrou a Vuelta para Bennett. A sua primeira. Mas sabe-lhe a pouco e percebe-se porquê. Há um ano, na Volta a Itália, ganhou quatro etapas. Na primeira oportunidade que teve em Espanha - na terceira etapa - Bennett abriu a contagem e deixou todos os rivais a vê-lo pelas costas e a alguma distância.

Quase que pareceu fácil! E nem foi a primeira vez que se viu Bennett ganhar assim e até já o fez frente a alguns dos principais nomes do sprint. Porém, é um ciclista em final de contrato e sem o futuro resolvido, o que não deixa de ser uma surpresa. O próprio já assumiu que esperaria ter a sua situação resolvida nesta altura do ano, mas é difícil não ver Bennett encontrar uma equipa que lhe ofereça boas condições para ser o sprinter número um. A Deceuninck-QuickStep foi já dada como possibilidade, com a saída de Elia Viviani para a Cofidis a deixar aberta uma vaga em 2020. Álvaro Hodeg e Fabio Jakobsen (este último também está na Vuelta) são os sprinters em ascensão, mas o director Patrick Lefevere não se importará de contar com alguém com a experiência de Bennett (já esteve nas três grandes e noutras das principais corridas do calendário ao longo da carreira) e até deixou uns elogios ao irlandês há umas semanas.

Bennett está na Vuelta também a pensar no seu futuro. Já Nicolas Roche pensa mais no presente. Aos 35 anos, espera ainda por uma renovação ou uma mudança de equipa. No entanto, Roche só pensa em aproveitar uma inesperada liderança na Vuelta. Vestiu a camisola vermelha por um dia há seis anos. Agora vai para o segundo em 2019 e quer tentar manter o máximo possível, sem prejudicar o seu principal papel: ajudar o líder da Sunweb, Wilco Kelderman.

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Como aconteceu com outros corredores ou até atletas de outras modalidades, ter um apelido de alguém que marcou uma era num país com poucos heróis no ciclismo, não foi fácil para Nicolas. Tem duas vitórias de etapas, precisamente na Vuelta. Passou por equipas como a AG2R, Tinkoff, Sky, BMC, antes de chegar à Sunweb. Porém, destacou-se mais no trabalho de gregário do que como líder. Com a carreira numa recta final, percebe-se como Roche esteja mais concentrado em viver um dia de cada vez, num momento que não sendo único, poderá não repetir-se. Como curiosidade, a família Roche tem mais um ciclista em acção, ainda a tentar singrar. Alexis Roche tem 21 anos e corre na equipa francesa da Côtes d'Armor-Marie Morin-Vé.

O pai, Stephen, venceu um Giro e um Tour em 1987, ano em que foi campeão do mundo. Sean Kelly conquistou uma Vuelta em 1988, tendo um palmarés recheado de clássicas. Houve uma natural rivalidade entre ambos, mas foram dois irlandeses que elevaram a Irlanda a uma referência naquela década de 80 e início de 90. Os tempos são agora outros, mas os irlandeses sempre foram marcando presença no pelotão de uma forma de outra. Se Bennett é a imagem de sucesso no presente, Eddie Dunbar (Ineos) e Ryan Mullen (Trek-Segafredo), por exemplo, são candidatos a sê-lo num futuro próximo (nenhum dos dois está na Vuelta).

Classificações completas, via ProCyclingStats.

4ª etapa: Culera - El Puig (175,5 quilómetros)



Depois de 188 quilómetros entre Ciudad del Juguete e Alicante muito pouco planos, mas ainda assim uma etapa para sprinters, para terça-feira quase se pode dizer que será uma etapa bem mais simples. Quase... porque dificilmente será. Além da terceira categoria de quase seis quilómetros a uma média de 4,5%, as previsões meteorológicas não são as mais simpáticas. Se de facto chover na fase final dos 175,5 quilómetros entre Culera e El Puig, poderá ser um dia de muito nervosismo no pelotão.




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25 de agosto de 2019

Eis Nairo Quintana!

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Lembra-se daquele Nairo Quintana que mexia com as corridas, arriscava, atacava sem ficar a olhar constantemente para trás? Aí está ele! Afinal ainda há algo do bom velho Quintana - salvo seja, já que só tem 29 anos - nesta versão que, em anos recentes, se deixou dominar mais pelo receio de perder do que optar por arriscar para tentar ganhar. A vitória na segunda etapa da Vuelta foi muito mais do que um triunfo, foi um aviso a todos que veio discutir a corrida. Aviso para os rivais e internamente, para a Movistar.

Não foi uma etapa de alta montanha - até o próprio admitiu ter ficado surpreendido por vencer numa tirada assim - e sim, os rivais da fuga ficaram literalmente a olhar uns para os outros, não se entendendo na perseguição a Quintana. Mas lá está, arriscou e ganhou. E ganhou mais do que uma etapa, ganhou uma palavra forte dentro de uma Movistar que já olha mais para 2020 sem Quintana do que em dar tudo nesta Vuelta para Quintana.

A prova que mais uma vez esta Movistar não está assim tão unida em redor de Quintana, foi a forma como Alejandro Valverde tentou mexer na corrida. Ataques para beneficiar ele próprio, não Quintana. Chegou a ver-se uma aceleração, com Nelson Oliveira a ter de trabalhar para Valverde, enquanto Quintana, um pouco mais atrás, teve de se desenrascar sozinho para não sair da frente da corrida. Valverde disse que ia à Vuelta para lutar por etapas. Até pode ser, mas esta forma de correr demonstra que coloca os seus objectivos à frente de uma possível conquista de Quintana, tal como em 2018. 

Amanhã tudo pode mudar, é certo. Quintana não tem sido o ciclista mais constante nas grandes voltas. Mas, no imediato, o colombiano venceu a etapa com categoria, ainda que as bonificações tenham dado a liderança a Nicolas Roche por dois segundos. Quintana pode até quebrar noutra etapa, numa de alta montanha, como tantas vezes se tem visto, mas esta foi uma mensagem forte do colombiano, talvez com vontade de sair da Movistar com um último impacto. Um daqueles que ninguém esquece. Para isso, terá de ganhar a Vuelta. Quer sair mostrando que ainda pode ser o Quintana que venceu o Giro em 2014 e a Vuelta em 2016. Quer sair mostrando ser o Quintana que tanto se pensou que seria o primeiro colombiano a ganhar o Tour. 

Isso já não será possível. Mas com 29 anos, custava pensar que o melhor deste ciclista já tinha passado. Talvez a perspectiva de sair da Movistar esteja a "acordar" Quintana. Mas ainda falta muita corrida e muita luta com rivais... e internamente.

Um suspiro de alívio para a Sunweb

(Fotografia: © Sarah Meyssonnier/La Vuelta)
Para uma equipa que de repente passa de um objectivo de consolidação em redor de Tom Dumoulin, para ter de reprogramar os seus projectos com a anunciada saída do holandês para a Jumbo-Visma, ver Nicolas Roche liderar a Vuelta é um momento importante de uma época muito aquém do esperado.  Apenas seis vitórias, ainda que uma no Giro, por Chad Haga (contra-relógio final) e sem grande expectativa de ver o palmarés aumentar muito mais até ao final de 2019.

Porém, enquanto a Sunweb vai repensando a sua estratégia para 2020, Nicolas Roche tenta, aos 35 anos, saborear um momento que repete seis anos depois. É a segunda vez que o irlandês veste a camisola vermelha da liderança na Volta a Espanha e o que mais deseja é tentar assim permanecer mais do que um dia, o tempo que durou em 2013.

Numa segunda etapa com alguma montanha (Benidorm - Calpe, 199,6 quilómetros), a segunda categoria, a cerca de 30 quilómetros do final, partiu por completo o pelotão, eliminou os sprinters e proporcionou que alguns dos candidatos tentassem recuperar o tempo perdido no acidentado contra-relógio inicial. Assim foi com Primoz Roglic (Jumbo-Visma) e Fabio Aru (UAE Team Emirates) e foi muito animador ver o italiano mostrar-se em forma depois da complicada temporada que teve até ao momento, não esquecendo que foi dos que caiu no sábado.

O que não foi tão animador foi ver a Astana. Miguel Ángel López está bem, é certo. Não surpreende que tenha perdido a camisola vermelha, já que seria um desgaste grande ter de controlar uma Vuelta desde tão cedo. No entanto, perdeu 33 segundos muito por culpa da falta de ajuda dos companheiros. Os que trabalharam mais cedo, quebraram na referida subida, o que era expectável. O problema é que Jakob Fuglsang comprovou que não vai lutar pela geral e quer "rodar" para os Mundiais e Ion Izagirre atacou a pensar no seu resultado e não no de López. O espanhol poderá não conseguir esconder a frustração de não ter recebido uma liderança numa grande volta nesta sua mudança para a Astana.

Classificações completas, via ProCyclingStats.

3ª etapa: Ibi. Ciudad del Juguete - Alicante (188 quilómetros)


Senhores sprinters, eis a vossa oportunidade. Não são muitos, com destaque para Sam Bennett (Bora-Hansgrohe), Fabio Jakobsen (Deceuninck-QuickStep), Luka Mezgec (Mitchelton-Scott) e, claro, Fernando Gaviria (UAE Team Emirates). Porém, não será uma etapa nada plana, inclusivamente com duas terceiras categorias já na segunda metade do dia. Caso algum descole, fica a consolação que ainda poderá ter tempo de chegar à frente da corrida.




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