(Fotografia: giroditalia.it) |
E o efeito é ainda pior quando se assistiu a ciclismo de tanta qualidade. A Volta a Itália pode não ter tido Alberto Contador, Chris Froome ou Nairo Quintana. Nibali e Valverde lideraram a lista de ciclistas de primeira linha, mas nesta edição ficou confirmado que a modalidade tem novos protagonistas: Steven Kruijswijk, Johan Esteban Chaves, Ilnur Zakarin e Bob Jungels.
A postura com que os ciclistas enfrentaram a competição contribuiu para o espectáculo. Foi um Giro de ataque. Uns mais calculados que outros, mas ninguém teve medo de se mostrar. A lamentar apenas o abandono precoce de Mikel Landa que poderia ter animado ainda mais a luta na estrada. Mas o que importa é quem lá ficou e esses merecem todo o reconhecimento.
(Fotografia: giroditalia.it) |
Com esta vitória colocou-se numa posição muito forte nas negociações na muito falada mudança para a recém-confirmada equipa do Bahrain. Renovar com a Astana estará cada vez menos no panorama futuro do Tubarão.
Giro d'Italia 2016 - Stage 21 - Inteviews por giroditalia
As lágrimas de Nibali quando se recolocou na luta, são um dos momentos deste Giro. O mais marcante foi a queda de Kruijswijk, naquela dramática 19ª etapa. Este holandês (28 anos) - que merecia pelo menos o pódio - passou uma mensagem importante à Lotto-Jumbo: é importante dar-lhe uma equipa, pois ele está preparado para ganhar uma grande volta, principalmente um Giro ou Vuelta, e a sua exibição não parece ter sido algo único. Teremos a possibilidade de comprovar isso mesmo na Volta a Espanha.
Quanto a Chaves (26 anos), o pequeno colombiano foi contratado pela Orica-GreenEDGE precisamente para iniciar o processo de mudança da equipa, que quer apostar mais nas três semanas, do que apenas em clássicas, sprints ou contra-relógios. Porém, a Orica pareceu ter sido apanhada algo desprevenida com a performance de Chaves. Com um contra-relógio fraco e sem grandes ataques nas montanhas, o top dez era enfrentado como o possível e o esperado. No entanto, o colombiano foi mais longe e acabou com a camisola rosa a cair-lhe no colo. Tal como Kruijswijk, Chaves tem que exigir ter uma equipa mais forte na sua protecção. Também ele está pronto para lutar pela vitória e apresenta-se desde já como um dos candidatos a ter em conta na Vuelta.
Bob Jungels andou de rosa e venceu a classifcação
da juventude (Fotografia: giroditalia.it)
|
Ilnur Zakarin não terminou o Giro devido a uma queda na tal 19ª etapa, mas o russo tinha o top dez assegurado e ainda aspirava ao pódio. Só não lutava por mais porque teve um contra-relógio para esquecer: caiu duas vezes. O russo é o futuro da Katusha e nesta altura ainda não se sabe se estará no Tour ou na Vuelta.
Alejandro Valverde esperou até aos 36 anos para se estrear no Giro. A liderança bipartida da Movistar no momento em que Andrey Amador se apresentou tão bem que chegou a vestir a camisola rosa, não foi benéfica para Valverde. Mais uma vez, esta divisão provocou demasiada indecisão na estratégia da equipa. Também não ajudou o espanhol continuar a não se dar bem com altitudes que passem os 1500/2000 metros. Ainda assim, aquela característica de lutador, de nunca dar nada por perdido, valeu a Valverde o lugar no pódio e uma vitória de etapa. Apesar de tudo, um excelente resultado. E o espanhol já pode dizer que esteve no pódio das três grandes voltas, tendo vencido em Espanha.
Como desilusões, destaque para Rafal Majka. O ciclista da Tinkoff até terminou na quinta posição, o que é sempre um resultado positivo numa grande volta. Porém, o polaco pouco ou nada se viu. Não atacou, nem pareceu muito determinado em tentar mostrar-se. Limitou-se a tentar andar com os melhores, numa ambição muito limitada para um ciclista de quem a equipa certamente esperava mais.
Também Tom Dumoulin acabou por não confirmar as expectativas criadas na Volta a Espanha. Venceu o contra-relógio inicial, andou de rosa, chegou a dizer que o tinham percebido mal quando pensaram que não lutaria pela vitória. Mas mal o terreno inclinado chegou, o holandês da Giant-Alpecin falhou e acabou por desistir.
Ainda assim, serão a Cannondale e a AG2R que estarão mais desiludidas. No primeiro caso, Rigoberto Uran fez uma boa terceira semana, mas a segunda foi tão má que já se levantam questões sobre se o colombiano irá alguma vez repetir a forma de 2013 e 2014, anos em que terminou em segundo. A Cannondale pode não ter a equipa mais forte, mas ainda assim estava toda preparada para apoiar o colombiano que, graças aos resultados da terceira semana, conseguiu um top dez (sétimo). Ainda assim, deve saber a pouco para a equipa americana.
Já a AG2R levou as mãos à cabeça com o descalabro de Domenico Pozzovivo na derradeira etapa de montanha, no sábado. O top dez parecia estar mais ou menos garantido, mas tombou para 20º. Aos 33 anos, o italiano pode começar a perder crédito na equipa e em final de contrato, Pozzovivo está pressionado a alcançar resultados. Terá o objectivo de se mostrar no Tour.
Também John Darwin Atapuma procura mostrar serviço, mas à BMC. Durante quase toda a corrida ninguém se lembrava que o ciclista estava sequer em prova. Porém, nas últimas etapas de montanha apareceu com vontade de ganhar uma. Foi um animador que não conseguiu a vitória, mas alcançou um surpreendente nono lugar e é um resultado que lhe permitirá negociar a renovação.
E os colombianos continuam a dar muito que falar no Giro - assim tem sido nos últimos anos -, mas houve um que deu força às dúvidas sobre a sua contratação por parte da Movistar. Carlos Betancurt deu muitas dores de cabeça à AG2R que preferiu dispensá-lo, mas a equipa espanhola acredita que pode recuperar um ciclista que todos reconhecem talento. Betancurt viu-se durante um curto ataque na segunda semana e desistiu na 19ª etapa. Muito pouco.
O representante português
André Cardoso foi o único português em prova e merece mais uma vez todo o reconhecimento do excelente companheiro de equipa que é e que, mesmo a trabalhar para o líder, consegue constantemente terminar no top 20. Foi 14º a 34:12 minutos de Nibali. É um ciclista que a Cannondale sabe sempre que pode contar com ele, mas é impossível não pensar o que poderia Cardoso fazer com um bocadinho de liberdade.
Os outros primeira linha e uma polémica para terminar
Nibali e Valverde não eram os únicos grandes nomes. Eram os que lutariam pela geral. Mas quando se fala de sprinters, então estiveram em Itália alguns dos maiores nomes. À cabeça, Marcel Kittel e André Greipel. E os alemães dominaram as etapas ao sprint. Todas. Matteo Trentin (Etixx-QuickStep) foi o único sprinter italiano a vencer... numa etapa de média montanha! Este triunfo foi também ele um dos grandes momentos do Giro.
Giacomo Nizzolo pensou por minutos que tinha finalmente conquistado a sua primeira etapa numa grande volta, mas a subida ao pódio em Torino para receber a camisola vermelha - que a certa altura parecia que ninguém a queria - foi tão amarga, pois foi desclassificado por ter "tapado" Sacha Modolo e Nikias Arndt (a Giant começou e acabou a ganhar) foi declarado o vencedor. Mais um alemão... A armada italiana de sprinters foi uma desilusão.
A equipa do Giro e a outra revelação
A Astana pode ter conquistado a classificação das equipas, mas o destaque vai todo para a Ettix-QuickStep: quatro vitórias de etapa, três homens a vestirem a camisola rosa e um top dez. O conjunto belga foi muito além do que esperava. E na altura que Gianluca Brambilla vestia orgulhosamente a maglia rosa, um outro nome surgia: Primoz Roglic (Lotto-Jumbo). O esloveno perdeu a primeira etapa para Dumoulin por centésimos, mas no contra-relógio de 40,5 quilómetros venceu, mostrando que é mais um ciclista a ter em conta para esta vertente,mesmo tendo beneficiado da chuva que afectou quem partiu mais tarde. E foi a primeira vez que fez um tão longo...
A Sky e a infelicidade do Giro
Mikel Nieve venceu a classificação da montanha
(Fotografia: giroditalia.it)
|
Se a liderança bipartida não é solução, como mostrou a Movistar, não ter um plano B também pode custar caro. E equipas como a Sky podem dar-se ao luxo de ter um ciclista que assuma a liderança se algum imprevisto acontecer. Mikel Nieve conquistou uma etapa e a camisola da montanha e andou bem nas tiradas decisivas. Ficou a sensação que poderia ter feito algo mais se não tivesse sido obrigado a perder tempo.
Veja aqui as classificações da 99ª edição do Giro.
Será uma Volta a Itália com vários momentos para recordar, mas talvez tenha faltado um: Fabian Cancellara não conseguiu a desejada camisola rosa, tendo sido a primeira vítima de uma gastroenterite que afectou alguns ciclistas. Em ano de despedida, ter-lhe-ia ficado bem.
Agora inicia-se a contagem decrescente para a Volta a França e, até lá, haverá muito ciclismo para curar esta ressaca.