Fim da Volta a Espanha e ponto final na temporada de ciclismo de estrada. Não foi fácil, mas as três grandes voltas realizaram-se, mesmo com a Vuelta a ser três dias mais curta e a coincidir numa semana com o Giro. Primoz Roglic ultrapassou a desilusão de ter perdido de forma tão dramática o Tour e conquistou a sua segunda grande volta em Espanha. Duas presenças, duas vitórias. A Jumbo-Visma foi dos conjuntos mais fortes na montanha, a Movistar das equipas que mais trabalhou. As ProTeam desiludiram, mas não foram as únicas. A EF Pro Cycling sai de Espanha bem feliz e a UAE Team Emirates dos três portugueses - Rui Costa e os gémeos Oliveira - também ficou satisfeita.
Aqui fica como se comportaram as 22 equipas, pela ordem da classificação colectiva. Agora é esperar por 2021 para vermos de novo o melhor do ciclismo na estrada.
Movistar: Trabalhou muito para Enric Mas, mas o seu líder não concluiu da melhor forma o esforço dos companheiros. Não foi uma má volta para a Movistar, que lutou, que controlou, mas no final falhou no mais importante. Enric Mas não esteve à altura do que tinha prometido antes da corrida e Alejandro Valverde tem, merecidamente, estatuto, mas faltou ser mais um elemento para o colectivo e não tanto para pensar só no seu top dez. Afinal a Movistar queria ganhar a Vuelta com Mas. Marc Soler salvou a honra com uma vitória de etapa, mas também baralhou a táctica em certos dias. É um ciclista que continua a dar mostras que não quer ser gregário em praticamente qualquer circunstância. Nelson Oliveira foi uma das figuras da equipa. É um luxo ter um ciclista que trabalha como o português. Ele sim, é a definição do que é um corredor que pensa na equipa, seja quem for o líder. E ainda foi terceiro na etapa da sua especialidade: o contra-relógio. A Movistar venceu por equipas, algo que não surpreende! É já uma tradição. E claro, a situação na La Covatilla em que pareceu ter dado uma ajuda a Roglic para Carapaz não ganhar a Vuelta, acaba por marcar muito a prestação da equipa.
Jumbo-Visma: No que diz respeito à montanha, foi o bloco mais forte. Não dominou como na Volta a França, mas foi a equipa com mais capacidade de apoio ao líder nas subidas, com natural destaque para Sepp Kuss. É um escudeiro do melhor que há no pelotão e parte da vitória de Roglic tem Kuss como responsável. Só claudicou na La Covatilla, mas não manchou a sua exibição. Jonas Vingegaard também merece ser referenciado. Primeira grande volta aos 23 anos e mostrou que está pronto para fazer parte do bloco das grandes voltas. E avisou, está a ser preparado para uma futura liderança. Toda a equipa esteve bem, com Roglic a finalizar desta feita com sucesso o trabalho, tendo ganho quatro etapas. O Tour não será esquecido, mas a vitória na Vuelta ajudará a superar a desilusão e a dar nova motivação para 2021.
Astana: É uma equipa partida. Aleksandr Vlasov e Ion Izagirre destacaram-se. O primeiro porque ficou à porta do top dez na sua estreia em grandes voltas - atenção a este jovem russo para 2021 -, o segundo venceu uma etapa. Porém, os ciclistas da Astana parecem correr muito por si e não em prol de um líder. Ficou a sensação que talvez a Astana pudesse ter conseguido algo melhor se Vlasov não estivesse tão só. É um problema que não se viu só na Vuelta. A equipa cazaque tem muito a repensar na sua forma de correr nas grandes voltas.
UAE Team Emirates: Manteve a alta rodagem da temporada, conseguindo uma vitória com Jasper Philipsen e o top dez com David de la Cruz. Faltou Rui Costa conseguir um triunfo numa etapa. Foi dos ciclistas mais combativos da Vuelta, mas sai sem um merecido prémio e ainda com uma desclassificação algo polémica na antepenúltima etapa. Fica o aspecto positivo: Rui Costa mostrou-se forte em Espanha. Os gémeos Oliveira, Ivo e Rui, estrearam-se nas três semanas e demonstraram que estão prontos para mais. Ivo terminou muito forte a corrida. Ambos vão destacando-se na preparação dos sprints, mas podem assumir um papel de maior relevância no trabalho em protecção dos líderes. Boa corrida para os três portugueses e para a equipa em geral.
Mitchelton-Scott: Esteban Chaves ainda prometeu nos primeiros dias, mas depois foi mais do mesmo. O colombiano não consegue regressar à sua melhor forma e a equipa ressente-se disso quando aposta mais nele. Mikel Nieve foi top 15, mas acabou por ser uma formação que passou despercebida na Vuelta.
Cofidis: Guillaume Martin esteve bem melhor do que num Tour em que começou forte, mas foi baixando de forma. Faltou a vitória de etapa que a equipa tanto precisava, num primeiro ano de regresso ao World Tour parco em triunfos (duas). Porém, as exibições de Martin colocam-no como um dos mais combativos da corrida e conquistou merecidamente a camisola das bolas azuis da montanha. Não foi um objectivo inicial, mas ao proporcionar-se a hipótese de ganhar, Martin mostrou parte da sua qualidade. Sim, este ciclista pode valer muito mais. A Cofidis acabou a proteger o seu líder nesta luta da montanha e sai da Vuelta minimamente satisfeita.
Ineos Grenadiers: Foi à Vuelta com a intenção de a ganhar. Mas mais uma vez ficou bem claro que a equipa britânica não tem a força de outros tempos e Richard Carapaz também sofreu com isso. O equatoriano surgiu bem na corrida, foi líder por duas vezes, mas ficou muito rapidamente sozinho sempre que as principais subidas surgiram. Chris Froome ainda chegou a ver-se a certa altura, mas não chegou. Andrey Amador foi de longe o melhor gregário, mas acabava por se desgastar em demasia por entrar muito cedo ao trabalho. Carapaz sai da Vuelta com nota positiva, a equipa sai a saber que ganhou um Giro de forma inesperada com Tao Geoghegan Hart, mas se quer ser novamente competitiva frente a uma Jumbo-Visma cada vez mais forte, vai ter de melhorar o funcionamento do seu colectivo.
Groupama-FDJ: Andou discreta, mas teve David Gaudu a bom nível. Thibaut Pinot cedo abandonou, no que se tornou numa oportunidade para o jovem francês de se mostrar. Duas etapas, top dez... Gaudu não será gregário por muito mais tempo. Já era visto como sucessor de Pinot, agora poderá muito bem partilhar uma liderança nas grandes voltas. A boa notícia para a Groupama-FDJ nesta Vuelta foi mesmo essa: tem mais uma opção para número um.
Sunweb: Com uma média de idades a rondar os 23 anos, normalmente não se esperaria muito de uma equipa com tantos estreantes em grandes voltas. Porém, depois de um Tour e Giro de grande nível, a Sunweb atraiu algumas atenções. Com as expectativas mais altas, acabou por ser uma desilusão não ver os jovens ciclistas mais activos. Mas dentro do possível cumpriram. Entraram em fugas, tentaram ganhar etapas. Não se poderia pedir muito mais dada a inexperiência da maioria dos atletas convocados.
EF Pro Cycling: Perder cedo Daniel Martínez e ver Michael Woods ficar, também cedo, fora da luta pela geral, fez temer uma Vuelta longe do esperado. Mas eis que surgiu um Hugh Carthy a finalmente confirmar credenciais. Venceu no mítico Angliru, foi terceiro na geral e a equipa ainda conseguiu vencer mais duas tiradas, uma com Woods e outra com Magnus Cort. A EF Pro Cycling, vai aos poucos crescendo, conquistando mais bons resultados e termina a Vuelta como uma das equipas que melhores exibições fez.
CCC: Passou completamente ao lado da corrida. O maior destaque foi para Will Barta que foi segundo no contra-relógio. É uma equipa em fim de vida e os seus ciclistas mal se viram. Entraram numa ou outra fuga, mas foi muito pouco, não ajudando ter Simon Geschke e Francisco Ventoso abandonarem. Prestação muito fraca.
AG2R: Só três ciclistas terminaram a Vuelta! Entrou em fugas, mas foi uma equipa que pouco se viu e que demonstrou que está claramente a precisar de um novo rumo, algo que deverá começar a acontecer em 2021.
NTT: Mais uma formação que passou despercebida. Talvez pese a incerteza se irá ou não continuar no próximo ano. Só Gino Mäder se mostrou e ainda se viu Michael Valgren. Mas foi pouco, muito pouco para uma equipa que bem precisava de se mostrar e com ciclistas ainda sem contrato para a próxima temporada.
Deceuninck-QuickStep: Não foi uma grande volta para recordar. Apenas uma vitória de etapa por Sam Bennett, com o irlandês a ser desclassificado noutra tirada que havia ganho, por sprint irregular. Os seus ciclistas estiveram nas fugas, Rémi Cavagna até foi nomeado o super combativo da Vuelta, mas não foi uma corrida bem conseguida por parte da formação belga, tendo em conta que se espera sempre muito mais.
Bahrain-McLaren: Não houve muita classe da equipa, mas ver Wout Poels fechar na sexta posição foi extremamente positivo. O holandês foi dos que perdeu tempo no arranque frenético da Vuelta, mas foi subindo de forma e praticamente sozinho garantiu um bom lugar na geral, agora que tem a oportunidade de liderar uma equipa, depois de anos como gregário da luxo da Sky/Ineos. Para a Bahrain-McLaren valeu mesmo Wout Poels, os restantes ciclistas, rapidamente desapareciam quando as subidas surgiam no percurso. E foram muitas!
Caja Rural: Entrou nas fugas, mas pouco mais se viu da equipa espanhola do segundo escalão. Há muito que não tem conseguido ser uma formação que consegue estar mais vezes na discussão de etapas. Foi uma performance abaixo do que se esperava, tendo em conta que alguns ciclistas eram vistos como potenciais animadores de etapas.
Trek-Segafredo: Equipa sem história para contar na Vuelta. Uma das grandes apostas era Matteo Moschetti para os sprints, mas o jovem ciclista chegou foram do tempo limite logo na sétima etapa e foi para casa. Ciclistas como Michel Ries e Juan Pedro López tiveram a oportunidade de se estrear numa grande volta. Mal se viram, mas a Trek-Segafredo terá aproveitado para preparar o futuro.
Israel Start-Up Nation: Valeu Daniel Martin. E valeu muito. Uma vitória de etapa, quarto lugar na classificação... O irlandês teve uma das melhores prestações da sua carreira em grande voltas (talvez a melhor), numa altura em que até se estaria a preparar para ser gregário de Chris Froome. A equipa nem na ajuda ao líder teve capacidade, principalmente na montanha, mas sai de Espanha bem feliz com o resultado final de Martin, que não se esperava nesta fase da carreira ver a este nível.
Bora-Hansgrohe: Andou um pouco na sombra, mas Felix Grossschartner conseguiu um bom nono lugar e chegou a estar mais acima na tabela. Na luta por etapas, Pascal Ackermann conseguiu cumprir em Madrid, sendo que terminou a Vuelta com duas vitórias, a primeira por desclassificação de Sam Bennett, após sprint perigoso. Pode ter sido uma equipa que pouco se viu, mas fez uma boa Vuelta perante os objectivos que tinha.
Burgos-BH: Muito diferente de 2020. Nem etapas, nem luta pela montanha, a equipa espanhola do segundo escalão esteve muito abaixo do esperado. Tal como a Caja Rural esperava-se que animasse mais a corrida, mas tirando os seus ciclistas irem aparecendo em fugas, acabaram por ser inconsequentes. Ricardo Vilela talvez tenha sido afectado pelo facto de ser chamado à última hora para a corrida. A sua preparação já não terá previsto fazer uma prova de três semanas e pouco se viu do português.
Lotto Soudal: Com Tim Wellens a vencer duas etapas, a chegar a ser líder da classificação da montanha, a Lotto Soudal terminou a Vuelta com a missão cumprida. O belga surgiu forte, entrou em várias fugas e foi o destaque da formação, assim como o jovem estreante em grandes voltas, Gerben Thijssen. O sprinter, de 22 anos, foi segundo numa das etapas. Acabou por abandonar, mas a Lotto Soudal já tem mais um homem rápido a aparecer para discutir mais vitórias no futuro.
Total Direct Energie: Esteve na Vuelta depois de conseguir entrar directamente na corrida por ter vencido o ranking do segundo escalão em 2019, a formação francesa foi mais uma que mal se viu. Mesmo entrar em fugas foi algo complicado. Má Vuelta.
Classificações completas, via ProCyclingStats.
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»»Ineos Grenadiers e Movistar a trabalhar e Roglic a ganhar mais uns preciosos segundos««