28 de agosto de 2020

Muito mais do que um Tour

© ASO/Alex Broadway
Foram muitas as dúvidas. De todos. Ciclistas, directores, adeptos... Ver a Volta a França arrancar de Nice este sábado será um dos momentos altos de 2020, mas, desta feita, não por ser apenas o Tour, a eterna grande corrida do ciclismo. Perante um ano tão estranho, poder assistir ao pelotão lutar pela mítica camisola amarela, ver o típico nervosismo naqueles quilómetros finais em que se preparam os sprints, ver os ataques de quem na montanha tenta o seu momento de glória... tudo isso terá uma sensação diferente. Ainda mais especial. E não só pelo que aconteceu até agora, mas também pelo que ainda poderá vir a acontecer.

A Volta a França acaba por ser o primeiro grande teste em tempos de pandemia. Durante o mês de Agosto já se disputaram várias corridas, que permitiram verificar e aprimorar a segurança agora necessária em termos sanitários. Mas o Tour é enorme. Move muitas pessoas. Entre equipas, organização, jornalistas e claro os fãs (sem eles não há ciclismo). A famosa caravana publicitária sofre um rombo, a convivência entre atletas e adeptos também, mas algo tinha de ceder para se colocar a corrida na estrada.

As medidas que agora são implementadas não vão desaparecer tão cedo e numa altura que pela Europa os casos de covid-19 sobem bastante, é essencial que no Tour se consiga passar uma mensagem e uma imagem de que é possível organizar uma prova desta envergadura em segurança. Não se pode falar que não há riscos, mas se for possível minimizá-los, então o futuro próximo do ciclismo poderá ser mais risonho. Agora continua demasiado incerto.

Todos estão cientes que o cancelamento de corridas pode acontecer a qualquer momento e que o calendário possível, criado para o que resta de 2020, pode sofrer ainda mais alterações. Todos os directamente envolvidos na corrida estarão sob intensa pressão para cumprir à risca as regras. Por parte de quem for apoiar na estrada, só se pode esperar que o comportamento esteja à altura de uma era de pandemia e em que se tenta não parar de novo. Mais do que nunca é preciso respeito, acima de tudo. O ciclismo precisa disso mesmo para sobreviver além da Volta a França.

A parte desportiva (e a que queremos mais falar)

O que mais se quer é ter o foco na luta pelas vitórias, ainda que os ciclistas nem partiram e já a Lotto Soudal mandou dois membros do staff para casa devido ao coronavírus. Mas há que olhar para a competição. Tentemos ter esse momento de alegria de ciclismo.


© ASO/Alex Broadway
Claro que vai ser uma edição em que muito se vai falar da luta Ineos Grenadiers (novo nome da equipa britânica) e da Jumbo-Visma. O frente-a-frente Egan Bernal (vencedor do Tour em 2019) e Primoz Roglic (conquistou a Vuelta no ano passado) é o mais aguardado, entre duas equipas que parecem rumar em sentido contrário.

A Ineos Grenadiers provou no Tour de l'Ain e no Critérium du Dauphiné o seu próprio veneno. Ou seja, de como é ser-se completamente controlada por uma formação adversária. De dominadora, a dominada.

Demorou, mas a Jumbo-Visma foi a equipa que conseguiu não só ameaçar, mas mesmo destronar a toda poderosa Ineos Grenadiers. A equipa holandesa construiu um bloco que lhe permite controlar o ritmo da corrida, não deixar os adversários atacarem, ou não terem sucesso nos ataques, e, claro, ainda tem um líder capaz de finalizar o trabalho. Da equipa expectante, é agora a dominadora. Mas será também no Tour? É neste palco que terá de mostrar a superioridade revelada nas recentes corridas.

Roglic caiu no Critérium du Dauphiné, não partiu para a última etapa e muito se especulou sobre o seu estado físico. O mesmo aconteceu com Bernal, que saiu da prova com dores de costas, versão oficial, e que ainda o estará a afectar. Bluff? Pouco importa, porque já a partir de domingo se vai começar a perceber como estão os ciclistas.

Sem Chris Froome e Geraint Thomas, a Ineos Grenadiers garantiu uma essencial coesão em redor de um líder, com Richard Carapaz a ter de se assumir como braço-direito de Bernal e um possível plano B. O director, Dave Brailsford, também admitiu que será uma equipa diferente do que estamos habituados. Um sinal dos tempos, provavelmente. Estamos mesmo perante a nova era da equipa.

© ASO/Alex Broadway
A Jumbo-Visma tem Roglic e um Tom Dumoulin que começou de forma algo fraca a retoma do calendário, mas no Dauphiné demonstrou que podem contar com ele. A lesão no joelho será mesmo coisa do passado. Algo ainda mais importante quando a equipa perdeu Steven Kruijswijk devido a uma lesão no ombro, após queda no Dauphiné (não foi uma boa corrida de preparação para muitos ciclistas).

Ou seja, não haverá a muito antecipada luta de tridentes, mas haverá uma luta de titãs.

Centrar a luta em dois ciclistas?

É difícil não centrar a luta pela amarela em Bernal e Roglic, mas neste Tour a começar no final de um mês de Agosto, depois de semanas de confinamento, com os ciclistas a não terem a preparação de outras temporadas - seja em tempo de competição ou mesmo em estágios de altitude, por exemplo -, paira a incerteza.

O que foi possível ver nas competições realizadas até ao momento, é que não é fácil manter uma regularidade exibicional. Este será um dos Tour mais duros dos últimos anos, apenas com um contra-relógio, que terminará na difícil subida de La Planche des Belles Filles. Em qualquer etapa de montanha pode-se perder tempo difícil de recuperar.

© Groupama-FDJ
Por tanta incerteza de como irão as equipas e os seus líderes conseguir estar durante as três semanas, não é de afastar que haja quem se intrometa na luta pela amarela. Aliás, é mesmo de esperar que haja intromissão. E o primeiro nome que surge é o renascido Thibaut Pinot. Que bem esteve em 2019 até que uma lesão o tirou da prova!

O francês da Groupama-FDJ fez por merecer para que seja colocado entre os principais candidatos, praticamente ao lado de Bernal e Roglic. Talvez no degrau abaixo, pois a Groupama-FDJ não tem a força de, pelo menos a Jumbo-Visma. Será desta que Bernard Hinault tem um sucessor? A última vitória francesa foi em 1985. E se há ano para Pinot ganhar, é este. Muita montanha e um contra-relógio que termina a subir.

Tadej Pogacar (UAE Team Emirates), Miguel Ángel López (Astana) - ambos estreantes no Tour -, Emanuel Buchmann (Bora-Hansgrohe, fortíssimo candidato ao pódio, ainda que também tenha caído no Dauphiné e poderá não estar a 100% neste arranque de corrida), Mikel Landa (Bahrain-McLaren, agora como líder único já não terá desculpas para não lutar pela vitória) são ciclistas que podem ter uma palavra a dizer pelo menos para chegar ao pódio. Nairo Quintana (Arkéa Samsic) será uma espécie de joker, apontando alto para quem está numa equipa do segundo escalão.

E sim, terão muito a dizer numa corrida que, do lado de quem vai passar horas em frente ao televisor a ver o Tour, se espera possa continuar com o espectáculo a que se assistiu em 2019, depois de muitos anos em que o Tour pecou por alguma (às vezes muita) falta de interesse.

© Bettiniphoto/Movistar Team
Um português apenas

Nelson Oliveira é o único português em prova, numa Movistar tão pouco candidata até a um top dez. A formação espanhola ainda chamou Marc Soler para tentar reforçar uma equipa que não convence. Alejandro Valverde já mostra que a idade vai tendo o seu peso, mas nunca é de afastar que vá atrás de vitórias de etapas.

Enric Mas deverá ser mais o homem da geral, faltando perceber se Soler está disponível para se sacrificar novamente em prol de um líder ou se vai perseguir o seu próprio resultado. A paz e coesão na Movistar ainda não chegou, mesmo que agora não tenha as intensas guerras internas e a complata falta de união que marcaram o tempo de Valverde/Landa/Quintana.

Mas de Nelson Oliveira não há dúvidas sobre o que esperar. O eterno homem de confiança, de muito trabalho e de dedicação total à equipa e aos seus líderes. E quem sabe, se o Tour não correr bem aos líderes, talvez mais adiante, o português possa ter alguma liberdade.

Nelson Oliveira tem o dorsal 95 e pode confirmar aqui todas as equipas, dorsais e etapas da muito aguardada 107ª edição da Volta a França.

1ª etapa: Nice Moyen Pays - Nice, 156 quilómetros



Dia para os sprinters vestirem a camisola amarela. Apesar de ser um Tour que certamente não agradou muito a este tipo de ciclista dada a dureza da maioria dos dias, ainda assim há oportunidades para vencer. E sendo o primeiro dia, a vitória traz o bónus da sempre desejada amarela, mesmo que seja por um dia. É que no domingo já há duas primeiras categorias!

»»Froome: saída pela porta pequena (ou pelo menos não tão grande)««

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