7 de agosto de 2020

Apurar responsabilidades


Numa altura em que a razão se vai sobrepondo à emoção que naturalmente surgiu ao se ver aquelas impressionantes imagens da queda de Fabio Jakobsen, enquanto se vai esperando por mais boas notícias sobre o estado de saúde do sprinter Deceuninck-QuickStep, procura-se a atribuição de responsabilidade ou responsabilidades. O caso não é tão simples como culpar (até criminalizar) o acto de Dylan Groenewegen. O futuro do ciclista da Jumbo-Visma vai acabar por estar muito ligado ao de Jakobsen. É também para a organização que se vai olhando.

Mas começando com algumas boas notícias. Fabio Jakobsen acordou do coma induzido. Segundo a Deceuninck-QuickStep conseguiu comunicar com os médicos e mexeu os braços e pernas, afastando assim problemas graves a nível neurológico. Porém, falar e comer são pormenores difíceis de fazer no actual estado de saúde do ciclista, cuja recuperação a equipa salienta o que já se esperava: será longa.

Agora será preciso tempo para perceber qual o futuro deste jovem e talentoso sprinter, campeão holandês e que faz 24 anos a 31 de Agosto. Já o futuro de Groenewegen poderá estar ligado ao do seu compatriota. Mas já lá vamos. Na quinta-feira pediu desculpa via Twitter: "Odeio o que aconteceu ontem [quarta-feira]. Não consigo encontrar as palavras para descrever o quanto lamento pelo Fabio e pelos outros que foram afectados pela queda ou atingidos. De momento, a saúde do Fabio é o mais importante. Estou a pensar nele constantemente." Numa entrevista ao NOS Sport, o ciclista chorou ao falar de Jakobsen.

A sua equipa, a Jumbo-Visma, publicou um comunicado. Não só deixou palavras de apoio a Fabio Jakobsen, sublinhando como todos estão consternados com o que aconteceu, como estão a analisar internamente o sucedido. É realçado a necessidade de incluir Groenewegen nesta discussão.

"O Dylan está devastado por o que aconteceu e as graves consequências não intencionais para os demais envolvidos no acidente", lê-se. "O Dylan reconhece que fez um movimento incorrecto ao desviar-se da sua linha e que foi correctamente desclassificado."

Num dos pontos é referido o apoio ao ciclista numa altura difícil para Groenewegen a nível psicológico, mas ficou a garantia que até a Comissão Disciplinar da UCI decidir a sanção, o ciclista não irá competir. Para já, está a recuperar de uma clavícula partida, pois também acabou por cair naquela primeira etapa da Volta à Polónia, em Katowice.

Processo criminal?

Quem não altera uma palavra que disse logo a seguir ao sucedido é Patrick Lefevere. O director da Deceuninck-QuickStep apelida Groenewegen de assassino e quer ver o ciclista preso. As autoridades polacas já estarão a investigar o caso.

A sanção da UCI poderá estar longe de ser a principal consequência para Dylan Groenewegen. Mesmo que criminalmente não seja acusado, poderá enfrentar um processo civil, possivelmente envolvendo uma milionária indemnização. É essa a opinião de um conhecido advogado da área do desporto (e não só).

Walter van Steenbrugge esteve, por exemplo, envolvido no processo de rescisão de Wout van Aert, também da Jumbo-Visma, com a antiga equipa do ciclista belga. Também foi o advogado de Iljo Keisse, corredor da Deceuninck-QuickStep numa questão de doping.

"Não creio que o Groenewegen possa ser condenado a uma pena de prisão, mas a sua acção requer uma forte sanção disciplinar e, seguramente, uma compensação económica por danos e prejuízos", afirmou ao Het Laatste Nieuws.

Se assim for, o futuro de Groenewegen poderá estar dependente de como irá recuperar Jakobsen: "É um corredor jovem, de 23 anos, pleno de talento que, por causa da queda, pode não correr mais num ano ou mais. Inclusivamente pode não regressar à competição. As perdas para o ciclista e para a sua equipa são enormes."

O advogado acredita que a compensação financeira será sempre milionária, mas é claro ao dizer que a responsabilidade poderá ser partilhada. "Era um final seguro? As barreiras estavam colocadas conforme as regras", questionou, apontando o dedo à organização. E terminou dizendo que "legalmente vai tornar-se numa verdadeira confusão".

Responsabilidade da organização?

O director da Volta à Polónia, Czeslaw Lang, assegurou que aquele final de Katowice era seguro... As imagens e as consequências parecem contrariar essa afirmação. Além das críticas de vários corredores àquele final, a Associação de Ciclistas Profissionais escreveu à UCI e à organização da corrida a alertar para como "as barreiras pareciam muito baixas para garantir a protecção real em caso de queda", lê-se, segundo o Cycling News.

Assinada pelo presidente da associação, Gianni Bugno, este levanta a questão das barreiras parecerem não estar colocadas em segurança nos apoios, podendo ser prova disso a forma "como voaram para todo o lado após o impacto". O mesmo tendo acontecido com os placares de publicidade.

Considerando o acto de Groenewegen merecedor de ser fortemente penalizado, ainda assim ficou uma crítica explícita à organização: "A velocidade dos ciclistas nestas circunstâncias [terão atingido cerca de 80 quilómetros/hora] tornam certamente o espectáculo atractivo, mas com um risco muito elevado para os atletas. Por isso pedimos para repensar as chegadas em descidas nas corridas, quando são esperados sprints num grande grupo." 

A espera

Entra-se na fase em que o ciclismo tem de prosseguir, ainda que não fosse assim que se queria marcar uma retoma, depois de tantas semanas de paragem devido à pandemia. Mas também se entra numa espera por Jakobsen, restando a esperança que possa recuperar primeiro para ter uma vida normal e depois... que bom será que um dia se possa dizer que está de regresso à Volta ao Algarve, onde já venceu etapas... Um dia de cada vez, por agora...

Quanto a Groenewegen, também não tem tempos fáceis pela frente, nada comparáveis a Jakobsen, claro. Não sabe o que o futuro reserva, quando e em que condições poderá competir novamente, ficando a questão de como psicologicamente poderá ficar afectado, pois há que não esquecer que Jakobsen não era apenas um rival. Era um compatriota que conhecia bem há muito. O seu gesto não tem defesa e há-de pagá-lo durante muito tempo, não fosse esta queda vista como uma das mais graves em tempos recentes do ciclismo.

É necessário apurar todas as responsabilidades. As quedas vão continuar a acontecer, mas pode e deve existir a maior segurança possível para minimizar as consequências.

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