20 de março de 2016

A prova de Démare

Fotografia: Twitter @ArnaudDemare
A admiração de Arnaud Démare ao vencer a Milan-San Remo foi, provavelmente, partilhada por muitos. Não que as capacidades do francês não sejam bem conhecidas, mas depois de um 2015 muito fraco, a vitória numa etapa do Paris-Nice colocavam-no, quanto muito, como um outsider no primeiro monumento do ano. Mas aquela queda a 30 quilómetros do fim parecia ter arrumado as hipóteses de Démare. No entanto, o ciclista de 24 anos parece estar a renascer em 2016, acompanhando a equipa da FDJ que está a aparecer em grande nível este ano. Démare venceu com um sprint avassalador, mas demorou mais de um ano para comprovar que a equipa não tem nada a arrepender-se por o ter escolhido em detrimento de Nacer Bouhanni no final de 2014.


Quando venceu a etapa do Paris-Nice, a sinceridade de Démare não podia ser mais perfeita. O francês confessou o quanto era bom saber que ainda podia conquistar vitórias em grandes provas. É preciso não esquecer em 2014 Démare (24 anos) e Bouhanni (25) dividiam as atenções dos sprints na FDJ, ambos com resultados muito satisfatórios, ainda mais tendo em conta as idades. Os dois estavam na equipa desde muito jovens (Bouhanni chegou em 2010 e Démare no ano seguinte). A rivalidade foi sempre crescendo e em 2014 atingiu um nível que tornou impossível a convivência, principalmente quando Bouhanni ficou de fora do Tour, depois de no Giro ter vencido três etapas e a classificação por pontos. O melhor que Démare conseguiu nesse Tour foram dois terceiros lugares.

Bouhanni tornou bem claro para a FDJ: ou ele ou Démare. A equipa escolheu Démare e Bouhanni seguiu para a Cofidis, uma equipa de escalão inferior, mas que lhe dava garantias de ele ser a estrela e de estar no Tour. Sendo o escolhido para ficar na conjunto do World Tour, Démare parece ter sentido a pressão que essa decisão acarretava. Em 2015 nada lhe correu bem. Não houve um rasgo do Démare que se conhecia: zero vitórias e poucos resultados dignos de nota.

Já Bouhanni foi conquistando algumas vitórias e outras tantas quedas aparatosas que também lhe limitaram a temporada.

A pergunta era pertinente: teria a FDJ escolhido mal?

Os dois sprinters não podiam ser mais diferentes. Démare, mais calmo, calculista, discreto como pessoa e menos explosivo que Bouhanni, mas tacticamente inteligente como ciclista. Além de sprinter tem também qualidades para as clássicas e há muito que é apontado como perfeito para um Paris-Roubaix, por exemplo. Quanto a Bouhanni é um ciclista propenso a polémicas, sendo o que se pode chamar um "cabeça quente". É um sprinter explosivo e que não sabe o que é desistir. Já teve alguns problemas com outros ciclistas precisamente por, em algumas ocasiões, ter exagerado e colocado em perigo outros atletas. Ainda recentemente foi desclassificado no Paris-Nice quando quase atirou Michael Matthews contra as barreiras. Quanto a clássicas, a Milan-San Remo é de facto aquela que melhor lhe assenta e ele até esteve na luta (saltou-lhe a corrente durante o sprint). Démare ajusta-se a diferentes terrenos. Bouhanni é o que se apelida de um "sprinter puro"

Com a vitória na Milan-San Remo, Démare pode pelo menos respirar de alívio. A FDJ não escolheu mal. Mas não se livra ainda das dúvidas. A pergunta passa a ser: poderia a FDJ ter escolhido melhor. Démare tem de passar um grande teste: ganhar na Volta a França. Claro que se ganhar no Paris-Roubaix, pelo menos este ano ninguém lhe cobrará muito mais, mas eventualmente terá mesmo de mostrar-se no Tour, até porque Bouhanni dá indicações que estará em melhor condições de enfrentar o grande favorito Marcel Kittel.

A prova de Démare ainda continua. San Remo não lhe permite relaxar, apenas lhe dá a confiança que desesperadamente precisava e que se tinha esfumado em 2015.

Reboque ou potência, a polémica que ameaça marcar a vitória

Se já não bastava para Démare ter de provar que é o sprinter que a FDJ precisa e que foi a melhor escolha, agora tem de provar que venceu de forma limpa a Milan-San Remo. Surgiram acusações que terá sido "rebocado" pelo carro após a queda a 30 quilómetros da meta, que também envolveu Michael Matthews e tirou o australiano da equação.

O ciclista da FDJ defende-se dizendo que não fez batota e chega ao ponto de considerar que apenas está a ser acusado porque não gostaram de ver um francês de 24 anos ganhar a corrida deles (alusão ao facto de dois italianos estarem por trás da polémica: Matteo Tossato e Eros Capecchi). A organização informou que nada fará já que não existem provas visuais (vídeo ou fotografias). Mas outros ciclistas insistem e já se pede que sejam fornecidos os dados recolhidos pelo transponder da bicicleta para se tentar perceber se realmente houve ajuda na Cipressa, a penúltima dificuldade da clássica.

Démare tem todo o interesse em mostrar tudo. O ciclista diz que nada lhe retira o prazer da "mais importante vitória da carreira", mas se não quiser viver com a eterna suspeita - que o diga Cancellara que continua a ser falado sobre a utilização de um motor nas clássicas em 2010 - o melhor é abrir o livro para que apenas se tenha de preocupar em competir e não ser constantemente abordado (e perseguido) pela desconfiança que foi "rebocado".



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