Ameaçou ser um anti-clímax, mas afinal o Tirreno-Adriatico teve uma das edições que mais se há-de falar nos próximos anos. A anulação da única etapa de montanha e que, por norma, define a classificação geral, tirou a oportunidade aos supostos favoritos de se mostrarem (e não os deixou nada satisfeitos). O protocolo do tempo extremo foi accionado, tal como no Paris-Nice, mas neste caso transformou por completo a competição. De repente Stybar e Sagan viram a oportunidade de ganhar o Tirreno-Adriatico, quando lá estavam para preparar as clássicas. E mesmo sem montanha, o final foi absolutamente explosivo e memorável e, no caso de Peter Sagan, um momento que poderá (e deverá) influenciar a sua carreira.
Peter Sagan: nunca o segundo lugar foi tão amargo
O eslovaco da Tinkoff esteve perto, mesmo muito perto, de conquistar a sua terceira prova de uma semana, um feito fantástico quando se fala de um ciclista com maior aptidão para sprints, classificações por pontos (que conquistou mais uma vez) e provas de um dia. Um segundo separou-o do famoso tridente do Tirreno-Adriatico. E sem tirar mérito à vitória de Van Avermaet, Sagan é o grande responsável pelo resultado.
Já soma mais de 30 segundos lugares. Se por um lado demonstra que é um ciclista que está constantemente na luta pela vitória, alguns revelaram ingenuidade e erros tácticos do eslovaco. O do Tirreno-Adriatico é o maior exemplo disso e dificilmente Sagan irá "digerir" esta derrota. Na penúltima etapa, a luta por um sprint intermédio a poucos quilómetros da meta permitiu que se formasse um grupo de luxo. Sagan tinha dois colegas, Stybar - então o surpreendente líder da geral - também tinha dois, juntando-se depois um solitário Greg Avermaet.
Sem surpresa, o belga da BMC deixou a maior parte do trabalho para a Tinkoff e Etixx. Até aí, tudo normal. No grupo estava ainda Kwiatkowski (Sky). Foi ele quem iniciou o sprint final, ainda longe da meta. Sagan reagiu, fechou o espaço, com Avermaet na roda (nesta altura já não havia colegas para ninguém e Stybar não teve capacidade para ir ao sprint.
Então deu-se o que rapidamente se percebeu ser um grande erro. A 400 metros da meta Sagan atacou, talvez tentando aproveitar a curva para surpreender. Muito, muito longe. Avermaet voltou a bater o eslovaco e já lhe chamam a besta negra do campeão do mundo.
Ainda assim, com um curto contra-relógio no final, quase só se falava que Sagan ia fazer história ao ganhar o Tirreno-Adriatico. Esteve ao seu nível, de facto, mas foi certamente subestimado o moral que uma camisola da liderança pode dar. No caso de Avermaet ajudou-o a fazer o contra-relógio da sua vida.
Um segundo separou os dois primeiros da geral. Um segundo que mudará a carreira de Peter Sagan. O eslovaco deixou fugir uma competição que dificilmente voltará a ter oportunidade de ganhar. Tudo porque voltou a cometer um erro de atacar cedo de mais e, provavelmente, porque trabalhou demasiado naquela fuga da penúltima de etapa, quando tinha dois colegas, enquanto Avermaet poupou-se.
Já este sábado Sagan poderá demonstrar como o Tirreno-Adriatico o fez evoluir como ciclista. Chega o primeiro monumento do ano, Milan-Sanremo, e o eslovaco ainda não tem nenhuma vitória nas cinco principais clássicas e também lhe falta uma vitória com a camisola de campeão do mundo. O regresso da maldição? Se Sagan evoluir tacticamente, não haverá maldição que resista.
Grande temporada de Greg van Avermaet
Aconteça o que acontecer no resto do ano, Avermaet já está a ter uma das melhores temporadas da carreira. Aos 30 anos quebrou o enguiço das provas de um dia na Bélgica ao vencer a Omloop e agora ganhou o Tirreno-Adriatico, algo que surpreendeu o próprio. Ele que até era conhecido como o coleccionador de segundos lugares, deu finalmente o salto para se tornar num ganhador e transformar-se um dos grandes favoritos para a época de clássicas. Não que já não o fosse, mas o respeito e a responsabilidade são diferentes.
Cancellara deixou o melhor para o fim?
O suíço da Trek já está a deixar saudades e ainda faltam meses até à reforma. Fabian Cancellara está a fazer um início de temporada fabuloso e no Tirreno-Adriatico juntou mais um triunfo no contra-relógio. A forma como o fez demonstra que Spartacus entra na época de clássicas e monumentos em excelente forma. Deixou, por exemplo, Tony Martin e Alex Dowsett a 15 segundos. Jogos Olímpicos, Mundiais, além das clássicas e claro do objetivo de conseguir uma camisola rosa no Giro começa a parecer difícil não ver Cancellara ter uma despedida de sonho.
Cannondale a cair/FDJ a voar
É uma das grandes questões que ficam do Tirreno-Adriatico: o que se passa com a Cannondale nos contra-relógios de equipa. Nova queda, no que parece tornar-se um desesperante hábito...
Já a FDJ está no lado oposto. A equipa francesa nunca foi conhecida por ser ou ter grandes especialistas de contra-relógio. No Tirreno-Adriatico colocou dois ciclistas no top dez e até Thibaut Pinot mostrou melhorias substanciais ao ficar apenas a 27 segundos de Cancellara. E no contra-relógio de equipas, a FDJ foi a terceira melhor! Boas indicações para Pinot que quer lutar com os melhores na Volta a França. Falta saber como estará a descer, um dos seus maiores handicaps.
Os portugueses
Os irmãos Gonçalves foram os portugueses que mais se viram no Tirreno-Adriatico. José Gonçalves está a prometer mais uma boa época, enquanto Domingos - a cumprir a época de estreia na Caja Rural - já revela que mereceu a aposta da equipa espanhola, que poderá contar com ele e com o seu espírito de lutador e de trabalhador. Ainda na Caja Rural, Ricardo Vilela comprova que está a melhorar a forma.
Tiago Machado foi ainda assim o melhor na classificação geral: 31º a 2:45 de Avermaet. Mas o português da Katusha teve uma presença discreta, ficando no apoio ao seu líder, Joaquin Rodríguez. Situação idêntica à de Nelson Oliveira. Ainda assim, o campeão nacional de contra-relógio teve a oportunidade para se mostrar na etapa final. O próprio admitiu que o 24º lugar a 25 segundos de Cancellara foi uma desilusão. Mas atenção ao português nas clássicas, com baterias apontadas para a Volta à Flandres e Paris-Roubaix.
A lição do tempo extremo
É bom ver que o protocolo do tempo extremo está a ser levado muito a sério, sem ser necessário actos de revolta dos ciclistas, como aconteceu no passado. No entanto, e se no Paris-Nice a anulação da etapa foi praticamente consensual, já cancelar a etapa rainha do Tirreno-Adriatico um dia antes provocou muitas críticas, principalmente por parte dos ciclistas que estavam em Itália para discutir a geral. Vicenzo Nibali encabeçou as críticas, ao colocar fotografias que mostravam que afinal no Monte san Vicino não havia a neve, ao contrário do que tinha sido indicado pela organização e motivado a anulação.
Talvez uma das razões para anular um dia antes tenha sido para evitar a situação do Paris-Nice, onde a etapa ainda decorreu por alguns quilómetros até ser cancelada. Entretanto alguns ciclistas acabariam por desistir, devido à exposição ao muito frio. No entanto, uma das questões acaba por ser também, por que razão não existem planos B em provas nas quais não é inédito o tempo prejudicar a realização das provas. Preparado com antecedência seria viável um plano B? Mesmo não sendo tão decisivo como o plano A, poderia evitar algumas críticas e principalmente parar o pelotão um dia, numa competição curta.
Sem comentários:
Enviar um comentário