25 de maio de 2021

Libertem o João e deixem o Remco em paz

© Tim de Waele/Getty Images/Deceuninck-QuickStep
Remco, Remco, Remco! Muito se falou do regresso de Evenepoel, ofuscando quase tudo e todos antes e durante os primeiros dias do Giro. João Almeida teve o seu merecido destaque, que Patrick Lefevere, director da Deceuninck-QuickStep resolveu "colorir" com a notícia que o ciclista português ia sair da equipa no final do ano, com direito a críticas ao empresário do atleta. Timing estranho, já que o fez no dia antes da prova arrancar. João começou bem, Remco também - ainda que tenha ficado atrás do português no contra-relógio - e até foi a um sprint intermédio para ganhar a dianteira na geral para ser o número um da Deceuninck-QuickStep. Como se houve essa questão... Depois, João perdeu tempo e teve de definitivamente ficar a ajudar o belga. Quando Evenepoel começou a dar sinais de fraqueza a equipa manteve-se unida em torno do líder, com Almeida a ter essas ordens. Nada de novo e absolutamente normal. A aposta falhou. Agora é a vez de João ir para a frente nos cinco dias que faltam de Volta a Itália. Se há corrida que está a contribuir para o crescimento do português, é este Giro.

Há uns meses, quando João Almeida foi líder durante 15 dias em Itália, foi um sonho rosa que o lançou para a ribalta e confirmou todo o seu potencial, que ainda não atingiu por completo, pelo que muito mais e melhor se vai ver deste ciclista. Mas eis que este Giro traz a realidade que bem se conhecia. A Deceuninck-QuickStep aposta grande parte do seu futuro próximo no prodígio Evenepoel. Nove meses depois da gravíssima queda na Lombardia, finalmente regressou. E logo numa prova de três semanas, que nunca tinha feito na curta carreira.

De doidos? Certo é que apesar do bom início, aconteceu o que seria de expectável: Evenepoel ainda está longe de ser o que era antes da queda. O processo de recuperação ainda não terminou, principalmente a nível mental. Aquelas descidas... Há que dar tempo ao tempo. Quem não quer ver este espectacular ciclista de volta ao seu melhor? Não está a ser óptimo ver Egan Bernal (Ineos Grenadiers) a ser... Bernal? Situações diferentes, é certo, mas posições idênticas: apesar de jovens, tiveram um sucesso rápido e souberam cedo o que é passar maus momentos e viver sob desconfiança do que podem fazer no futuro... Mesmo sendo tão jovens.

João Almeida (22 anos) merecia ser líder. Está em boa forma e, apesar de lhe faltar uma grande vitória, já mostrou que a pode alcançar. Aquela quarta etapa selou-lhe um destino que mais cedo ou mais tarde seria inevitável se Remco não cedesse. Era o número dois. Merecia que o tivessem protegido mais, por tudo o que já fez, não só no último Giro. A equipa rodeou o seu "menino bonito" e Remco foi alimentando a euforia dentro e fora da Deceuninck-QuickStep. Nove meses depois estava a lutar pelo Giro! É difícil acreditar que não se esperava de maneira nenhuma esta quebra. Talvez não de 28 minutos, mas que não estaria na luta pela vitória do Giro e que até poderia ficar fora do top dez.

Remco Evenepoel é o primeiro a querer mais e mais. Vive bem com essa pressão que se auto impõe. Mas viu-se na situação que todos pediam... exigiam o "velho" Remco (até parece mal dizer velho tendo ele 21 anos, feitos em Janeiro). Se este Giro muito pode estar a ajudar no amadurecimento de João Almeida, também acontecerá o mesmo a Remco. Não é nenhum extraterrestre, não é nenhum super-herói, é um homem que também quebra. Há que o deixar recuperar, há que o deixar ser Remco Evenepoel ao seu ritmo. O novo Eddy Merckx? Quando o chamaram isso, ainda enquanto júnior, a sua resposta foi: "Não, sou o Remco Evenepoel!" E é isso mesmo. Merckx há só um, por mais que na Bélgica se diga que há um novo Merckx sempre que surge um ciclista com talento. E Evenepoel também haverá só um e se conseguir recuperar por completo física e mentalmente, será igualmente fenomenal, à sua maneira.

Quanto a João Almeida, assentou durante a corrida depois de algumas atribulações e declarações que pareciam fomentar polémicas. O português cumpriu as ordens da equipa. Goste-se ou não, é o que tem de fazer. Se foram as melhores... Muito haverá a analisar no final do Giro por parte da formação de Lefevere. Há que recordar que a Deceuninck-QuickStep abdicou de lutar por sprints ou de estar em fugas, como é normal em grandes voltas, o que significa que trocou o habitual objectivo de conquistar etapas, por uma geral. Quando Evenepoel deu os primeiros sinais que estava a claudicar, a equipa manteve a hierarquia. Nesta segunda-feira, a equipa finalmente libertou um João Almeida em crescendo, com Remco em quebra total. Um top dez é o mínimo para a equipa salvar o Giro.

O português está em 10º. São 10:01 minutos para Egan Bernal. Uma montanha de tempo para recuperar. Só uma catástofre afastará o colombiano da conquista da sua segunda grande volta (venceu o Tour em 2019). Pódio para João Almeida? Hugh Carthy (EF Education-Nippo), terceiro, está a 3:40 de Bernal. Tem sido um Giro complicado para os líderes das equipas - menos para Bernal - pelo que o português pode muito bem alcançar mais um top dez, depois de ter sido quarto na sua estreia no Giro e numa grande volta.

Qualquer coisa que venha a mais (na classificação ou ganhar uma etapa), será bem-vindo e merecido para um ciclista que nos vai dar muitas razões para celebrar. Só precisa que o libertem das amarras de Remco, que agora diz ser a sua vez de ajudar e que vai estar ao lado do português, dentro do que as forças deixarem. Só lhe ficará bem e assim sim, é como funciona uma equipa.

Cinco dias para dar tudo! Bota lume João!

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