Durante muitos minutos a pergunta foi: o que está a acontecer? Era com incredulidade que se assistia à quebra de Primoz Roglic. Tinha 57 segundos de vantagem. Não era uma margem que desse para celebrar a vitória antecipadamente, mas poucos acreditariam no descalabro a que se assistiu. Não só viu esse tempo desaparecer, como no final, Pogacar tinha deixado mais 59 segundos de diferença para vencer com uma autoridade que impressiona.
Pogacar até havia batido Roglic no título nacional da vertente, em Junho, mas esta exibição, num percurso que terminou na difícil La Planche des Belles Filles, foi algo de sonho. Aliás, Pogacar bem disse que tudo parecia um sonho. Um pesadelo para Roglic, certamente. A maior experiência de um esloveno foi batida pela irreverência de outro.
Atacou, animou etapas, venceu, foi ganhando tempo. Nos últimos dois dias de montanha, esta semana, Pogacar não esteve tão forte. Roglic controlou e até deu uma demonstração de como era o líder. Porém, Pogacar esteve fortíssimo quando foi preciso. A Roglic... faltaram forças.
Há ano e meio, Pogacar estava a estrear-se a vencer ao mais alto nível na Volta ao Algarve - no Alto da Fóia e depois conquistando a geral -, semanas depois de se estrear no World Tour pela UAE Team Emirates. Já então estava rotulado como promissor talento. Não demorou a expor todo esse potencial, de tal maneira que a equipa antecipou a sua estreia numa grande volta, levando-o à Vuelta. E pensava-se que se tinha visto um grande espectáculo de Pogacar, com três vitórias de etapa, a classificação da juventude e o terceiro lugar no pódio. Roglic foi o vencedor.
Ao perder tempo Pogacar foi sempre tratando de recuperar, com Roglic sempre atrás de bonificações que, desta feita, não lhe valeram de nada. Ou quase, o segundo lugar não deixa de ser de mérito, ainda que frustrante. Os eslovenos dividem assim méritos: Roglic foi o primeiro esloveno a vencer uma grande volta (em Espanha), Pogacar é o primeiro a vencer em França, sucedendo a outra estreia. Bernal foi o primeiro colombiano a vencer no Tour em 2019. É de facto uma nova e emocionante era do ciclismo.
Uma aposta de sucesso
Desde que Joxean Fernández Matxin foi chamado para integrar o projecto da UAE Team Emirates (recorde-se que é a herdeira da estrutura italiana Lampre), que jovens de talento começaram a ser contratados (incluí-se dois portugueses, Ivo e Rui Oliveira). O futuro era e é promissor, mas o presente é já de sucesso. Talvez mais cedo do que o esperado, mas Pogacar é um fora de série.
Tanto se fala da mudança de geração entre os voltistas e o Tour já tem dois dos novos rostos como vencedores. Uma nova era se abre, com a UAE Team Emirates a ter agora ainda mais responsabilidade em construir uma equipa mais forte. Porque se algo faltou nesta vitória foi um conjunto que mais coeso em redor de Pogacar nas montanhas. David de la Cruz ainda tentou. Foi um dos muitos que começou a corrida a cair, mas quando recuperou, deu o apoio possível.
Pode parecer estranho criticar a equipa, afinal funcionou o suficiente para ver Pogacar ser o vencedor, pois pode ter feito muito sozinho, mas precisou sempre dos companheiros. Porém, esta UAE Team Emirates precisa de mais e melhor se quiser continuar este sucesso e não ficar demasiado dependente do seu líder (veja-se o que aconteceu a Bernal). Vestir a amarela nesta 20ª etapa foi perfeito, pois este domingo é dia de consagração e não haverá necessidade de defesa, algo importante quando se pudesse estar a falar de um frente-a-frente entre UAE Team Emirates e Jumbo-Visma.
A derrota Jumbo-Visma
Não vai ser fácil digerir perder assim o Tour. O trabalho dos últimos anos era suposto ter tido este sábado o seu culminar. Tudo se desmoronou. Em vez de festa, a formação holandesa terá um trabalho duro pela frente para recuperar Primoz Roglic animicamente e também os restantes ciclistas que tanto deram durante três semanas para que a conquista da Volta a França fosse finalmente uma realidade para uma equipa com tantos anos de World Tour.
No final ficou a imagem de união. Tom Dumoulin e Wout van Aert estavam incrédulos a ver como Roglic estava a perder a camisola amarela. Mas estiveram ao lado do seu líder quando este esboçou finalmente uma pequena reacção naquele rosto que sempre mantém a mesma expressão, sem revelar qualquer sentimento. Mas perder o Tour já foi difícil esconder.
A Roglic (30 anos) restará tentar de novo, mesmo sabendo que dentro da equipa poderá ter de enfrentar concorrência em 2021. Já Pogacar tem o seu lugar de destaque garantido, mas sobe a responsabilidade. Mas agora é tempo de celebrar. Bem merece!
Este Tour pode ter ficado abaixo das expectativas a nível de espectáculo durante as três semanas - com a excepção de Pogacar -, mas afinal valeu mesmo a pena esperar. Foi mesmo no fim, mas foi um dia de ciclismo para recordar. São etapas assim que escrevem a mítica história desta grande volta.
Uma palavra para Richie Porte (Trek-Segafredo). Aos 35 anos está a despedir-se da condição de líder de uma equipa, por opção. Continua sem ganhar uma etapa numa grande volta, mas finalmente conseguiu um resultado de nota. Também realizou um excelente contra-relógio (foi terceiro) e vai subir ao pódio final, num terceiro lugar merecido pelo que fez nesta Volta a França e até pela carreira que teve. Sofreu novamente azares (perdeu tempo na etapa do vento, sofreu um furo anteontem), mas desta feita alcançou um dos seus objectivos, talvez quando menos se esperava.
Classificações completas, via ProCyclingStats.
21ª etapa: Mantes-la-Jolie - Paris, 122 quilómetros
Os sprinters aguentaram tanta montanha para chegar aqui: Paris. Os Campos Elísios esperam pelo vencedor, numa etapa que este tipo de ciclista sempre sonha ganhar. Outros também o querem, mas é raro um ataque resultar.
Em disputa ainda está a camisola verde e apesar de Peter Sagan (Bora-Hansgrohe) querer ganhar a etapa, já deu os parabéns, via redes sociais, pela conquista de uma classificação que conquistou sete vezes. Já se terá rendido às evidências que 55 pontos são difíceis de recuperar.
Falta apenas decidir esse lugar no pódio, pois a Movistar de Nelson Oliveira venceu mais uma classificação por equipas, enquanto Marc Hirschi (Sunweb) foi considerado o super combativo do Tour.
»»Sunweb a ganhar, Bennett a controlar e Sagan a ver a verde escapar««
»»O momento da Ineos Grenadiers (e Landa finalmente atacou!)««
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