30 de abril de 2020

Ciclismo virtual veio para ficar?

(Imagem: Print Screen Zwift)
Nos últimos dois anos o ciclismo virtual começou a ganhar algum destaque. Até houve uns campeonatos nacionais no Reino Unido, a UCI juntou-se à plataforma Zwift para organizar um Mundial, a Canyon fez uma equipa exclusiva para competir neste mundo virtual e até há um concurso que abre as portas do profissionalismo "real" a quem ganhar no virtual. No entanto, entre os profissionais que fazem da estrada a sua modalidade, este tipo de plataformas servia até há dois meses, quanto muito, para alguns treinos se por alguma razão não pudessem sair de casa. Em dois meses, uma boa parte do mundo ficou mesmo fechada em casa e nunca se falou tanto de ciclismo virtual, que até já tem honras de transmissão televisiva.

A BBC, por exemplo, transmitiu a Volta à Suíça digital, o Eurosport e a Global Cycling Network vão a partir de 4 de Maio e até dia 8 lançar o Tour for All. Entre as 14 e as 16 horas será possível ver ciclistas das equipas Alpecin-Fenix, Bahrain-McLaren, CCC, Groupama FDJ, Israel Start-Up Nation, NTT, Rally Cycling, Cofidis, Mitchelton-SCOTT, EF Pro Cycling a competir na plataforma Zwift. As senhoras não foram esquecidas e a Boels Dolmans, Canyon//SRAM Racing, CCC-Liv, Drops, FDJ Nouvelle-Aquitaine, Futuroscope, Team Twenty20, Tibco, Rally Cycling terão representantes.

Se são vários os ciclistas que torcem o nariz a este tipo de competições, também são muitas as equipas que perceberam que estas são um modo de tentar expor os seus patrocinadores. Não tem, nem de perto nem de longe, o impacto mediático do ciclismo "normal", mas o mundo virtual acaba por ser um veículo importante para mostrar os nomes de quem paga para dar nome às equipas e lhes dar vida. Algumas formações têm estado, inclusivamente, muito activas em organizar treinos, convidando o público em geral a participar. A maioria fá-lo através das plataformas como o Zwift, mas também há o treino com um ciclista a orientar o idêntico a uma aula através do Instagram, por exemplo. De referir que estes exemplos estendem-se às equipas de elite portuguesas.

Por cá há uma Volta a Portugal virtua, lá fora, já se assistiu a uma Volta a Flandres, haverá um Giro... Também se tem assistido a pedaladas solidárias, como foi o caso de Geraint Thomas que pedalou 12 horas por dia durante três, para angariar dinheiro para o serviço nacional de saúde britânico. Com tanta incerteza quanto ao regresso do ciclismo, vão somando-se as iniciativas, com cada vez mais grandes nomes da modalidade a participarem.

Tom Dumoulin e Steven Kruijswijk, da Jumbo-Visma, não são fãs e não acreditam que este tipo de ciclismo demonstre a verdadeira forma de um atleta. Compreensível, até porque as distâncias são bem diferentes. Recentemente Kruijswijk até falou como tacticamente, este tipo de corridas diferem em muito de quando se compete na estrada. Quem tem participado nas provas virtuais, concorda com estas afirmações, mas destaca o lado positivo de ir tendo alguns objectivos, uma ajuda em encontrar motivação numa fase tão difícil e com o futuro cada vez mais incerto não só em termos de calendário, mas igualmente para a sobrevivência das equipas e do actual modelo que sustenta a modalidade. Remco Evenepoel (Deuceninck-QuickStep) e Greg van Avermaet (CCC e vencedor da Volta a Flandres virtual) realçam também como as corridas pode ser muito mais curtas, mas o esforço físico é intenso. Ou seja, não deixam de ser bons treinos, perante as limitações actuais.

Apesar da UCI estar a tentar preparar o regresso às competições (muitas só vão realizar-se em 2021, se for possível), mas estando dependente do que acontecerá nas próximas semanas relativamente ao vírus que paralisou o mundo, o ciclismo virtual vai continuando a ter uma forte expressão. Porém, aos poucos todos os atletas já vão tendo em perspectiva de poder treinar na estrada. Em países como Espanha e Itália, por exemplo, os ciclistas não podem sair de casa, na Bélgica podem treinar. Na Colômbia, Egan Bernal até se pode considerar um privilegiado, pois o autarca de Zipaquirá autorizou que o corredor da Ineos e os restantes ciclistas profissionais da cidade - Brandon Rivera (Ineos), Camilo Castiblanco (Team Illuminate), Diego Vasquez (Colnago CM) e Diyer Rincon (Focus Team  VTT) - possam a partir de segunda-feira treinar entre as cinco e oito da manhã. Se forem juntos, têm de deixar cinco metros de distâncias entre eles.

Mas vai o ciclismo virtual continuar a ter uma expressão tão forte quando houver alguma normalidade?

Esta fase de confinamento foi, provavelmente, um enorme empurrão para este tipo de ciclismo (os smart trainers praticamente esgotaram na Europa) e no que diz respeito a ciclistas amadores, ou apenas a apreciadores, é possível que o mundo virtual se torne num chamariz ainda maior. Estas plataformas podem mesmo estar em fase de crescimento entre o público em geral, digamos assim. Contudo, pedalar ao ar-livre será difícil de passar para segundo plano para a maioria dos praticantes.

Já os profissionais não hesitarão em pedalar onde mais gostam, onde o ciclismo é de facto espectacular e onde as audiências televisivas são expressivas. Peter Sagan (Bora-Hansgrohe), que tem andado afastado da virtualidade, disse que não era um ciclista virtual, mas sim real. E todos querem viver a realidade da emoção de bermas cheias de públicos, mas é inegável que trancados em casa, os ciclistas viram as provas virtuais uma opção.

Continuamos à espera que alguma normalidade regresse. Até lá, o mundo virtual conquista o seu espaço, específico, menos mediático, mas veio para ficar.


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