14 de maio de 2017

Não basta ter estilo Nibali, é preciso ter categoria e Quintana tem muita

(Fotografia: Giro d'Italia)
Isto é o Giro! Mas talvez não fosse preciso tanto. O incidente com moto da polícia tirou muito provavelmente Geraint Thomas e Adam Yates da discussão da corrida e definitivamente Mikel Landa já não é opção (pode ler aqui). Porém, se há a lamentar não ter sido possível todos os protagonistas mostrarem o seu valor e a sua forma na primeira ascensão que poderia fazer diferenças - já que no Etna ficaram todos sossegados -, podemos ficar muito satisfeitos por haver um Nairo Quintana excepcional, um Thibaut Pinot lutador e um Tom Dumoulin que já se pode dizer: temos trepador.

A Movistar controlou a aproximação ao Blockhaus num estilo muito parecido ao que a Sky faz na Volta a França. A equipa britânica acabou por se ter de preocupar em controlar os danos de uma queda evitável, enquanto a formação espanhola preparou o caminho para Quintana, que rematou o trabalho feito de forma perfeita. Vincenzo Nibali ainda pareceu que estava tão tranquilo que respondeu a um ataque do colombiano com os braços pousados no guiador, como se estivesse a fazer um contra-relógio sem extensor. Teve estilo, é certo, mas Quintana teve a categoria e o italiano já tem mais de um minuto para recuperar, algo viável tendo em conta que é mais forte no contra-relógio e na terça-feira haverá o primeiro, depois do descanso na segunda-feira.

Como estiveram então os candidatos?

Nairo Quintana (Movistar): Excelente! O mais preocupante para os adversários poderá ser o facto do colombiano ainda não estar no seu melhor, mas a demonstração no Blockhaus foi fenomenal. Atacou, não se deixou abater pelas respostas de Nibali e Pinot, contra-atacou uma e outra vez, até que na fase mais difícil (pendente de 14%) deixou todos para trás e só o francês ainda esboçou um esforço de tentar apanhar o colombiano. Já está de rosa, mas é provável que até venha a perder a liderança, devido ao contra-relógio de terça-feira. Quintana sabe que terá de repetir o que fez hoje em mais montanhas. Mas não restam dúvidas (se é que ainda houvesse), Quintana está no Giro para ganhar e é nesta altura o mais forte. Em 2014, ano em que conquistou a Volta a Itália, Quintana venceu duas etapas, uma delas um contra-relógio, mas era uma crono-escalada.

Thibaut Pinot (FDJ): O francês quer esquecer a desilusão da Volta a França em 2016 e longe da pressão mediática gaulesa, apareceu muito bem. Neste momento afirma-se como um dos principais rivais de Quintana, a par de Dumoulin. Pinot não se intimidou por um Quintana que sabe ser superior a ele em subidas, mas que o francês sabe que o pode bater no contra-relógio. Pinot ainda tentou resguardar-se com Nibali, mas quando percebeu que o italiano não seria uma ajuda, foi atrás de Quintana e minimizou perdas (28 segundos). Pinot está na luta.

Tom Dumoulin (Sunweb): Apareceu em Itália mais magro que nunca e o trabalho físico que realizou nos últimos meses começaram este domingo a dar frutos. O holandês está feito num trepador. Não foi ao choque quando Quintana, Pinot e Nibali afastaram-se. No seu ritmo subiu o Bolckhaus e acabou por ultrapassar Nibali e só não conseguiu passar Pinot. Perdeu 30 segundos para Quintana e deixa sinais que está mesmo em Itália para lutar por uma grande volta que lhe fugiu em Espanha, em 2015. Pode até vestir a maglia rosa na terça-feira, ainda que uma das dúvidas é como estará Dumoulin no contra-relógio - uma das suas especialidades - depois da clara perda de peso.

Bauke Mollema (Trek-Segafredo): Que sofrimento. Mollema não conseguiu esconder no rosto o quanto lhe foi difícil manter um ritmo elevado no Blockhaus. Arranjou na roda de Dumoulin um forma perfeita de se manter na discussão, ainda que tenha perdido algum tempo nos últimos metros. Ainda assim, 51 segundos deixam tudo em aberto para o holandês, para pelo menos tentar acabar no pódio.

Vincenzo Nibali (Bahrain-Merida): Chamam-lhe o homem das recuperações, mas também é verdade que o faz muitas vezes com a ajuda do azar de outros ciclistas. Nibali mostrou alguma arrogância na forma como abordou o Blockhaus. Aquela forma de subir, com os braços no guiador, respondendo assim a Quintana, queriam indicar que estava muito tranquilo e preparado para responder ao colombiano. Porém, o italiano, aquele que é considerado o principal candidato ao lado de Quintana, fraquejou e de que maneira. A posição de estilo deu lugar a uma posição de esforço e grande sofrimento para tentar não perder tempo. Teste chumbado por Nibali quando mais precisava de passar. Com o contra-relógio na terça-feira, 1:10 minutos não preocupará em demasia, mas se na primeira montanha, que nem é a mais difícil, Nibali mostrou tantas fragilidades... Há razões para ficar preocupado. Mas é verdade, o italiano tem tendência a melhorar com o decorrer da corrida e é propício a pequenos milagres.

Ilnur Zakarin (Katusha-Alpecin) e Steven Kruijswijk (Lotto-Jumbo): Foram duas desilusões. Tanta ambição sem que a condição física a acompanhasse. Ambos os ciclistas começaram cedo no Blockhaus a ficar para trás. Para Kruijswijk irá crescer a frustração de há um ano ter perdido o Giro devido a uma queda, pois pode ser um ciclista de qualidade, mas perante os adversários, os 3:06 minutos podem ser demasiado para aspirar a mais do que um top dez, mas com tanta reviravolta que a Volta a Itália é pródiga, quem sabe o pódio. Zakarin quer afirmar-se como um dos melhores voltistas da actualidade. A Katusha-Alpecin deu-lhe uma equipa que trabalhasse para ele, mas o russo não respondeu quando chegou a altura de se mostrar. No Etna até foi o único dos candidatos a mostrar-se e recuperou uns segundos que tinha perdido nas três etapas anteriores. Agora tem 2:28 minutos de desvantagem. Nada está perdido, mas há muito trabalho a fazer nas próximas etapas de montanha.

Bob Jungels (Quick-Step Floors): Defendeu-se como pôde. O luxemburguês já tinha avisado que o Blockhaus seria difícil para ele. Tomou a melhor decisão para minimizar estragos. Procurou o seu ritmo e assim mantém vivo o objectivo do top dez. Perdeu 3:30 minutos, mas Jungels apostará forte no contra-relógio e tentará fazer melhor noutras subidas. Há que recordar que é um jovem ciclista e que terá ainda a camisola da juventude ao seu alcance, mas que agora está no corpo de Davide Formolo (Cannondale-Drapac).

Tejay van Garderen (BMC): Quando é que a BMC vai dizer chega? Uma dificuldade e já lá vão 3:36 minutos. Nem no Tour, nem no Giro. Van Garderen pode muito bem estar a desperdiçar a última oportunidade como líder numa grande volta. Bem tentou acompanhar o ritmo de outros ciclistas, mas nem na roda de Jungels ficou. Foi uma exibição triste e que acaba por resumir como tem sido a carreira do americano desde que abandonou o Tour em 2015, no ano em que realmente apareceu forte. Sem Rohan Dennis, Van Garderen era a única aposta da equipa, mas mais uma vez uma aposta perdida.

Os portugueses: Rui Costa (UAE Team Emirates) perdeu mais de cinco minutos e agora não há dúvidas nenhumas, resta ao campeão do mundo de 2013 lutar por etapas, como aliás tinha assumido antes do Giro. No seu blogue escreveu: "Prefiro uma vitória de etapa que um top 10. O 8º. 9º, 7º classificado dos outros anos quase ninguém se lembra de quem foi, mas os vencedores das etapas têm o seu dia de glória e ficam para a história." Estas não são as etapas para José Gonçalves (Katusha-Alpecin), que fez o seu trabalho e depois poupou-se. Perdeu mais de 26 minutos. O melhor foi mesmo José Mendes. Terminou na 19ª posição a 4:03 minutos, um bom resultado, mas é pena que o campeão nacional já tenha perdido tanto tempo noutras etapas.

Falta muito Giro. Esta etapa ajudou a definir um pouco os candidatos, tendo principalmente contribuído para excluir alguns ciclistas, infelizmente nem todos de uma forma desportivamente justa. Quintana assume-se cada vez mais como favorito e é aquele que tem uma equipa forte a apoiá-lo. Pinot é sempre uma incógnita, sendo capaz do melhor e pior, podendo também contar com a ajuda de alguns companheiros. Já os restantes candidatos estão mais sozinhos. Segunda-feira é dia de descanso, mas não em demasia: há contra-relógio de 39,8 quilómetros no dia seguinte, num terreno pouco plano.


Giro d'Italia - Stage 9 - Highlights por giroditalia

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