21 de fevereiro de 2020

Como se ganha no Malhão? Hugo Sabido explica

© Associação de Ciclismo do Algarve/Volta ao Algarve
Quando Amaro Antunes conquistou o Alto do Malhão em 2017, quebrou um longo jejum de vitórias portuguesas na marcante subida da Volta ao Algarve. O último havia sido João Cabreira em 2006, com Hugo Sabido a ter sido o rei do Malhão em 2005. Ambos conquistaram também a corrida. Na classificação geral, o jejum luso continua desde então. Amaro, um homem da casa, está novamente de baterias apontadas a uma subida que trata por tu. Sabido já terminou a carreira, mas recorda aquele 20 de Fevereiro como se estivesse a vivê-lo ou a ver todos os pormenores em imagens. E porque este sábado é dia de Malhão na quarta etapa da Algarvia, o antigo ciclista explicou também como fazer esta subida com os olhos postos na vitória.

Comecemos com um regresso ao passado. Primeiro o enquadramento. Hugo Sabido tinha trocado a equipa da Maia pela Paredes Rota dos Móveis-Beira Tâmega e, como recordou, o facto de ter o seu futuro para 2005 definido em Setembro, deu-lhe tranquilidade para começar a preparar a Algarvia em Novembro. Em 2004, Lance Armstrong tinha estado presente e a corrida portuguesa entrava numa fase em que atraía grandes nomes. Em 2005, o americano não veio, mas o pelotão contava com equipas do principal escalão. Sabido estava concentrado em lutar pela montanha, numa disputa com Fabian Wegmann (Gerolsteiner), mas no penúltimo dia, aconteceu algo um pouco insólito.

"Foi um ano atípico porque na etapa de véspera do Malhão muitos ciclistas foram eliminados ao chegarem fora do tempo máximo de controlo. Passávamos numa zona muito difícil, houve muitos ataques num pelotão que se tornou numa fuga numerosa, com cerca de 40 unidades. Depois ficou um grupo intermédio com cerca de 20 que se juntaram a nós na frente da corrida e os restantes chegaram fora do tempo limite. Foi uma controvérsia grande", explicou.

No dia do Malhão - última etapa -, um Hugo Sabido de 25 anos ocupava a 10ª posição, a 25 segundos do líder, Bernhard Eisel, então na Française des Jeux. "Estava cá a Discovery Channel, por exemplo, e colocou os homens todos na frente. Éramos três resistentes da minha equipa para o último dia, o que tacticamente deixou-nos um pouco na defensiva, tínhamos de esperar pela chegada no Malhão. Eu sabia da minha condição física, estava muito confiante", contou, com os companheiros de equipa a serem Virgílio Santos e José Rodrigues.

E continuou: "A aproximação ao Malhão é uma zona complexa, porque a estrada que antecede a subida final não é larga. Embora fosse um grupo mais restrito, a intenção era endurecer a corrida nos últimos 10 quilómetros, para que os atletas que estavam a disputar a geral chegassem com fadiga e para eu tentar fazer alguma coisa. Naqueles momentos sentimo-nos bem, mas não sabemos qual vai ser a reacção dos adversários."


© Associação de Ciclismo do Algarve/Volta ao Algarve
A acção final (não esquecendo que, tal como agora, subiu-se duas vezes o Malhão, com a segunda a coincidir com a meta): "Ao entrar na subida, um dos colegas já tinha feito o seu trabalho e o outro estava na frente do grupo. Deu o máximo e depois abriu. Houve um ataque na fase inicial do Héctor Guerra, da Liberty Seguros portuguesa. É uma fase muito íngreme, muito dura. Passado uns 500 metros alivia um pouco. Depois apanhamos uma recta que vai dar ao último quilómetro. Foi aí que desferi o ataque e passei o Héctor Guerra. Ganhei uma distância que me permitiu vencer a etapa e consequentemente a Volta ao Algarve."

Sabido cortou a meta no Alto do Malhão com 15 segundos de vantagem sobre José Luis Rubiera (Discovery Channel), com Guerra a cair para o quarto lugar, a 18 segundos. Eisel deu um trambolhão na geral e foi dos últimos, com Sabido a vestir a amarela. Stuart O'Grady (Cofidis, le Crédit par Téléphone) ficou 10 segundos e Rubiera a 20.

Os conselhos para subir o Malhão



"A abordagem inicial à subida é fundamental. Quando se vira aquela curva fechada à direita e se começa a subir, a colocação - se formos em grupo, por exemplo - dita muito o resultado. Depois também há os níveis de confiança. Se encararmos a subida como 'isto é muito duro, é muito inclinado, vai ser uma dificuldade imensa', será complicado. Mas se assumirmos essa fase inicial de modo positivo, a subida torna-se ligeiramente mais fácil do que é."

A parte mental é muito importante, segundo Hugo Sabido: "Temos de abordar aquela subida descontraídos, no sentido que não é a fase inicial que vai decidir [a etapa]. A subida é inclinada o suficiente para as diferenças de velocidade não serem muitas. Mesmo que um atleta desfira um ataque na fase inicial, ele um pouco mais à frente não vai continuar com o mesmo ritmo. Se uma pessoa continuar com o mesmo ritmo controlado, consegue-se progressivamente ir ao encontro do atleta, isto se ele não fizer um ataque forte."

Aqui podem entrar os potenciómetros, que permite um ciclista perceber melhor o ritmo a imprimir. Claro que depois é essencial a forma: "Temos de ter capacidade física, mas há que não entrar em stress. 'Atacou e vou já reagir', não! Há que ter sangue frio, pensar bem antes de reagir."

Há ainda que ter em conta que serão duas passagens naquela subida. Sabido recordou que em 2005, foram feitas algumas diferenças na primeira passagem. Porém, para este sábado, se a fuga estiver controlada pelos favoritos, é possível que seja feita a uma velocidade mais confortável e os ataques ficarão guardados para a segunda ascensão.

A esperança num português e a aposta num belga

Sabido, agora com 40 anos, considera ser muito difícil ver um português de uma das equipas nacionais vencer a geral da Volta ao Algarve, mas claro que olha para a forma física de Rui Costa com expectativa, não afastando que o ciclista da UAE Team Emirates possa discutir o primeiro lugar. Está a dois segundos de Remco Evenepoel (Deuceninck-QuickStep).

Quando no início do século XXI alguns dos grandes nomes do ciclismo mundial começaram a escolher a Algarvia, Sabido acreditou que era possível a corrida crescer muito e 15 anos depois o pelotão é simplesmente de luxo.

Para terminar, a aposta de Hugo Sabido para o Malhão, que este ano não irá coroar o vencedor da corrida (há contra-relógio em Lagoa no domingo): Remco Evenepoel (Deceuninck-QuickStep), escolha feita antes do belga vencer no Alto da Fóia.

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