4 de abril de 2021

O espectáculo do inesperado

© Tim de Waele/Getty Images/Deceuninck-QuickStep
Van der Poel, Van Aert, Alaphilippe. Van der Poel, Van Aert, Alaphilippe. Três nomes ditos/escritos até à exaustão nos dias que antecederam a Volta a Flandres. O trio que em 2020 só não disputou a vitória porque o francês chocou com uma das motas, centrava quase toda a atenção. Na época passada houve aquele emocionante sprint entre os rivais do ciclocrosse, agora também na estrada e no pavé e muros da Flandres. Meses depois, novo sprint, mas apenas com Van der Poel do referido trio presente, com um Kasper Asgreen que quase parecia condenado a ver o holandês conquistar pela segunda vez consecutiva este monumento. Como o ciclismo é bonito precisamente porque consegue ser tão imprevisível. Asgreen foi o vencedor contra as expectativas do que parecia que só poderia acontecer naquele último quilómetro.

Quando arranca Van der Poel? Era dúvida. Asgreen, dinamarquês de sangue frio, aguentou, aguentou, aguentou. A 250 metros da meta, Van der Poel arrancou, Mas não foi aquele ciclista que quando acelera deixa todos sufocados. Asgreen, esse, mostrou porque é mais um homem de clássicas de enorme qualidade da Deceuninck-QuickStep (Elegant-QuickStep na Volta a Flandres). Foi frio não só naquele último quilómetro, mas desde que Van der Poel deixou Van Aert para trás no Kwaremont, que soube gerir o seu esforço e teve capacidade para resistir ao ritmo elevado que o holandês tanto gosta de impor.

Sim, Van der Poel (Alpecin-Fenix) falhou ao não guardar um pouco de força para um eventual sprint. Mas todo o mérito está no Asgreen, que dificilmente se poderá dizer que era apenas segunda escolha, atrás do líder assumido, Julian Alaphilippe. Foi um ataque do campeão dinamarquês que tirou o francês da decisão final. Alaphilippe não estava no seu melhor. Asgreen estava.

Seria mais expectável ver Asgreen tentar um ataque de longe, como fez na E3 Saxo Bank Classic, corrida que conquistou há pouco mais de uma semana. Asgreen assumiu o risco de ir a um sprint com a "máquina" Van der Poel. Na Flandres já havia sido segundo em 2019 e no ano passado venceu a Kuurne-Bruxelles-Kuurne, deixando atrás de si Giacomo Nizzolo, Alexander Kristoff e Fabio Jakobsen. Sabe o que é ganhar neste tipo de corridas. Mas nenhuma é uma Volta a Flandres.

Aos 26 anos, já havia demonstrado que era mais um ciclista que a Deceuninck-QuickStep contava para grandes momentos. Não ficou na sombra de Alaphilippe e, conquistando um monumento do pavé - que o seu director, Patrick Levefere, não queria nem pensar ficar novamente em branco em 2021 - sobe o seu estatuto, a sua cotação e, principalmente, fica com um triunfo para a história e para mais tarde recordar. Bateu Van der Poel... ao sprint!

Van der Poel pode estar também ele a construir a sua carreira na estrada. Mas a forma como Chegou e conquistou vitórias, somou exibições impressionantes, já o tornam numa referência. Na Flandres talvez fosse mesmo "a" referência, à frente de Van Aert. Afinal era o vencedor de 2020 e 2021 está a correr-lhe bastante bem. Porém, também esta época já demonstrou que esta opção de correr à base de ataques de longe, com acelerações de uma força que não deixa ninguém indiferente, tem o seu lado negativo.

A forma como acabou por se sentar no sprint e viu Asgreen vencer não é algo novo. Van der Poel dá espectáculo - aquele final da Strade Bianche é um excelente exemplo, ou a forma como ganhou uma etapa no Tirreno-Adriatico -, mas por vezes paga caro o não ter medo de assumir essa responsabilidade. É assim que compete e vai continuar, mas esta é uma derrota que custará digerir, bem mais do que os Mundiais de Yorkshire, quando parecia estar com tanta força e depois, não aguentou até ao fim. Vai digerir a derrota na Flandres como tão bem sabe. Irá à procura de uma vitória na próxima corrida. Sabe "cair de pé", o que também é importante. Não teve problema em dizer que Asgreen foi o mais forte e que assim não custa tanto perder.

Asgreen bateu ao sprint um ciclista que poderá estar a caminho de se tornar num dos grandes da história. Mas o dinamarquês também já conseguiu o seu lugar ao ganhar um monumento, contribuindo para que o seu país esteja a tornar-se em mais um caso sério de sucesso no ciclismo actual.

Que se vejam e revejam as imagens da vitória deste domingo, mas que não se esqueça que o vencedor de uma Volta a Flandres não se decide apenas pelo que faz no último quilómetro, ou neste caso, nos últimos 250 metros. Foram 254 quilómetros e durante muitos, Asgreen demonstrou que podia ser o melhor. E foi.

Wout van Aert (Jumbo-Visma) desiludiu, mas os belgas viram o veterano Greg van Avermaet (AG2R-Citroën) fechar o pódio. Pela quarta vez conseguiu um lugar entre os três primeiros, mas nunca subiu ao lugar mais alto. Aos 35 anos, a Flandres parece ser cada vez mais aquela vitória que lhe escapou na carreira. Contudo, não parece estar disposto a desistir em tentar, mesmo que a geração mais nova esteja a "roubar" toda a ribalta.

Para terminar, os portugueses. Rui Oliveira (UAE Team Emirates) esteve ao serviço de Kristoff e Matteo Trentin. Não foi uma corrida feliz para a equipa. O ciclista de Gaia foi 56º, a quatro minutos de Asgreen. André Carvalho continua a receber a confiança da Cofidis nesta fase das clássicas, no seu ano de estreia ao mais alto nível. Cortou a meta 13 minutos depois do vencedor, na 111ª posição. A aprendizagem continua e nas principais corridas do pavé.

Classificação completa da 105ª Volta a Flandres, via ProCyclingStats.

Entre as senhoras, Annemiek van Vleuten (Movistar) venceu a sua segunda Volta a Flandres, dez anos depois da primeira. E como? Ao seu estilo. Quando arranca faz autênticos contra-relógios e é tão difícil de a apanhar. Aos 38 anos, a holandesa campeã da Europa em título demonstra porque a equipa espanhola apostou nela para liderar a equipa (classificação completa, via ProCyclingStats).

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