7 de novembro de 2016

Quando a mania das grandezas de Donald Trump passou pelo ciclismo

(Fotografia: Wikimedia Commons)
Estamos a algumas horas do final de um dos actos eleitorais mais importantes da história dos EUA e por consequência do mundo. Donald Trump vs Hillary Clinton, uma luta renhida, mas com as sondagens a darem uma pequena vantagem à candidata democrata. As sondagens valem o que valem, ainda mais com distâncias tão curtas. Porém, não é de política que aqui se vai falar, mas sim recordar como a mania das grandezas de Donald Trump também chegou a ter uma esporádica passagem pelo ciclismo. Ora o magnata como nunca faz nada por menos, criou em 1989 a Tour de Trump. E sim, o nome não engana. A parecença com Tour de France era propositada, pois o empresário lá achava que iria rivalizar com a histórica prova francesa. Aliás, era mesmo esse o objectivo, tornar a “sua” competição tão ou mais importante que a Volta a França.

Entre 5 e 14 de Maio desse ano ciclistas de mais de 25 países participaram na Tour de Trump que começou em Albany, Nova Iorque, e terminou em Atlantic City em frente (como só podia ser) do hotel e casino do magnata. A corrida foi transmitida em mais 100 países, em todos os continentes, e temos de ter em conta que as condições eram bem diferentes das de agora. Os meios de comunicação social renderam-se à organização, destacando como as diferentes etapas permitiam também conhecer um pouco da história dos EUA, pois passavam por locais onde, por exemplo, aconteceram batalhas que marcaram a luta pela independência no país. Claro que ninguém colocava a Tour de Trump ao nível do Tour de France, mas os elogios eram tal que a competição parecia ter tudo para realmente se tornar numa das mais importantes do calendário.

Grandes marcas não quiseram perder a oportunidade de se juntar ao mediático evento. Nike, Gatorade, Hewlett-Packard, BMW, Timex e Dominos Pizza foram os principais patrocinadores (todos de luxo, como a ocasião exigia).

Greg Lemond foi uma das grandes figuras presentes – nesse ano venceria a sua segunda Volta a França – e afirmou que a prova de Trump poderia rapidamente se tornar a segunda mais importante no ciclismo, depois do Tour, claro. Para ajudar, o holandês Gert-jn Theunisse – uma das figuras do pelotão na altura – considerou que o evento poderia rivalizar com a grande competição francesa.



Não que precisasse, mas a Tour de Trump ainda teve mais uma ajuda mediática. O primeiro líder da prova foi um jovem russo Viatcheslav Ekimov, então um ilustre desconhecido, numa era em que o muro de Berlim ainda não tinha caído, algo que aconteceria meses mais tarde nesse ano (9 de Novembro). Naturalmente que o momento acabou por misturar um pouco a política com o desporto, algo que também não era novidade, ainda mais entre russos e americanos. Além do simbolismo, há que referir que o jovem Ekimov só no ano seguinte se tornaria profissional e viria a sagrar-se duas vezes campeão olímpico de contra-relógio, tendo vencido etapas no Tour e na Vuelta.

Várias das principais equipas de então estiveram presentes e o vencedor foi o norueguês Dag Otto Lauritzen, então um dos especialistas em provas de um dia, mas já com uma vitória na Volta a França no seu currículo.

Mas este projecto megalómano de Trump acabaria por ser efémero. Dois dos seus principais impulsionadores morreriam num acidente de helicóptero nesse mesmo ano. A Tour de Trump ainda se realizou em 1990 e até teve mais três etapas – o vencedor foi o mexicano Raúl Alcalá (ciclista que venceu um etapa na Volta a França e terminou três vezes no top dez), mas o entusiasmo de Donald Trump esmoreceu, pois com a economia a começar a atravessar momentos difíceis, os planos do magnata mudaram e concentraram-se noutras áreas.

A Tour de Trump não morreu por completo. A família DuPont, detentora de uma das maiores fortunas e com um historial que remonta à Revolução Francesa, tornou-se a maior patrocinadora. Entre 1991 e 1995 a competição permitiu que amadores competissem ao lado de profissionais. Greg Lemond venceu em 1992 e Ekimov conquistaria a geral em 1994. Raúl Alcalá repetiu o triunfo em 1993, enquanto o holandês Erik Breukink foi primeiro em 1991.

Em 1996 os organizadores estavam envolvidos em disputas legais sobre os direitos e os lucros da competição. Nesse ano a UCI tinha colocado a corrida com um ranking 2.1, o que excluía a participação de amadores. Um tal de Lance Armstrong repetiria o triunfo de 1995. Porém, os DuPont retiraram o patrocínio, justificando que iriam concentrar a sua estratégia de marketing noutras áreas.

E foi o fim da prova que nasceu com uma mentalidade de Donald Trump, que até teve tudo para se tornar numa competição de referência, no entanto, ficou comprovado ser apenas mais um espectáculo para alimentar o egocentrismo de magnata que quando se fartou partiu para outra.

De legado ficou o facto de algumas marcas, que durante aqueles anos apoiaram a competição, acabaram por ficar ligadas ao ciclismo nos EUA, contribuindo para a criação de outras provas, menos grandiosas, mas que aos poucos foram ganhando o seu espaço no calendário internacional.

»»Podia ter sido um excelente defesa central. Jogou com Cuadrado... mas preferiu o ciclismo««

»»Queria pedalar um milhão de milhas na sua vida. Ficou paraplégico a 300 mil do objectivo, mas não vai desistir««

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