15 de novembro de 2016

One shot, Alberto

por Octávio Lousada Oliveira


(Fotografia: Facebook Alberto Contador)
O título conquistou-me. O teor da peça, nem tanto. Li no As que Alberto Contador “falou claro”. “Se ganhar o Tour no próximo ano, deixo de correr”, disse o espanhol numa entrevista que concedeu ao “The Telegraph Cycling Podcast”. No entanto, nada havia ali de verdadeiramente surpreendente, uma vez que o adeus, prometido para 2016, só não se confirmou porque El Pistolero falhou, outra vez, o objectivo de vestir a maillot jaune nos Campos Elísios.

Aos 33 anos (serão 34 quando a temporada de 2017 arrancar), aquele que pode legitimamente reclamar o estatuto de melhor ciclista do pós-Lance Armstrong – pelo menos, até ver – tenciona apenas provar (a si mesmo e ao mundo) ainda ter pernas para ganhar em França e que consegue (a)bater Christopher Froome, Nairo Quintana e os inúmeros lobitos que vão aparecendo pelas estradas gaulesas.

Após seis anos de uma experiência agridoce no projecto Saxo Bank, primeiro, e Tinkoff, depois, - não obstante os vários triunfos alcançados, com destaque para a Vuelta (em 2012 e 2014) e para o Giro (em 2015) - Contador aterra agora na Trek-Segafredo. Na bagagem leva vários manuais sobre como evitar tensões em grupos difíceis e na cabeça terá certamente presente um avisado tweet do ex-colega e antigo-rival Armstrong: “There is no ‘I’ in ‘team’.” Traduzindo: não existe “eu” na palavra “equipa”.

Ora, sob a liderança do excêntrico Oleg Tinkov, o equilíbrio de egos foi sempre mais complicado do que a gestão de euros - ou rublos. O magnata russo despachou Bjarne Riis, pressionou uma e outra vez Peter Sagan, ignorou o palmarés de Contador e fez-lhe vários ataques de carácter e ainda sinalizou, sem cuidados de maior, que a ideia de ter entrado no ciclismo foi um disparate. Somente porque a modalidade não se transformou à sua imagem. Pois que vá. E não volte.

Feito o parêntesis, importa recordar que entre 2011 e 2016 Contador coabitou com atletas como Rafal Majka, Daniel Navarro, Roman Kreuziger, Daniele Bennati, Michael Rogers, Nicholas Roche, Ivan Basso, Robert Kiserlovski e Peter Sagan. E a alguns dos antigos gregários não consta que vá deixar saudades. Não será, de resto, em vão que a faustosa Tinkoff nunca chegou a jogar naquele que seria o seu campeonato: o da igualmente milionária Sky.

Como na prática a teoria é outra, os pupilos de Dave Brailsford provaram ser sempre mais fortes, mais unidos e mais coesos, mesmo quando as circunstâncias exigiam o sacrifício de ambições pessoais. “Froomey” que o diga; Bradley Wiggins que o reconheça. Na Tinkoff, vimos Contador isolado num sem-número de ocasiões, encontrámos desatenções permanentes no que toca à colocação do líder entre o pelotão, lamentámos quedas absolutamente escusadas, vislumbrámos elementos da equipa a perseguirem colegas em fuga e, claro, não foram raros os relatos de que o ambiente seria de cortar à faca nos hotéis em que a equipa pernoitava. 

Para esta aventura na Trek-Segafredo, órfã de Fabian Cancellara e dos manos Schleck, Contador leva consigo o fiel Jesús Hernández, mas deixa para trás um dos seus, que é também um dos nossos, o veterano Sérgio Paulinho, que regressará a Portugal para chefiar a Efapel. Contudo, numa formação ainda “verde” para as grandes voltas – Bauke Mollema, Jarlinson Pantano e Haimar Zubeldia serão curtos para uma época exigente e desgastante - encontrará dois ciclistas lusos: uma certeza, André Cardoso, e uma promessa, Ruben Guerreiro. Veremos o que cada um poderá dar a El Pistolero.

Nos próximos meses, nas concentrações e nos estágios, Alberto enfrentará o primeiro exame: fazer com que os seus novos colegas encarem a guerra de Julho, o Tour, como sendo também sua. Nas 21 batalhas que vai travar, contra adversários mais poderosos, não lhe basta ter oito companheiros ao seu lado, necessita de ter consigo oito guerreiros dispostos a deixar a pele na estrada. Como Ivan Rovny e Yuri Trofimov fizeram naquela mítica jornada, a 15.ª, da última Volta a Espanha, em que o espanhol soltou o inferno logo aos seis quilómetros e, para infortúnio de Froome, entregou a corrida a Quintana.

Na verdade, podemos recuar a 2015, quando a Astana jogou como sabe (sujo) e Fabio Aru e Mikel Landa exploraram um problema mecânico, obrigando Contador a fazer uma recuperação inolvidável Mortirolo a cima, num dia que ajudou a sentenciar esse Giro a seu favor. Perdoem-me outro flashback, desta feita a 2012: de regresso à competição, depois da suspensão por doping, o natural de Pinto (Madrid) quase pôs a Vuelta no bolso quando, na 17.ª tirada, se lançou ao ataque de forma kamikaze a 60 quilómetros da meta. Deixou o então camisola vermelha, Joaquim Rodríguez, a pé, encontrou amparo na roda de Sérgio Paulinho (que seguia mais à frente) e em Fuente Dé celebrou como nos habituou: com o dedo no “gatilho”.

Se há alguém capaz de furar as contas a toda a gente, doravante esse alguém vai vestir as cores da Trek. Iniciará a sua terceira vida - e não é crível que os pedais lhe concedam uma quarta. Se 2017 não for o seu ano, 2018 (o segundo de contrato) dificilmente será. Em todo o caso, e quando as odds não estão do seu lado, só Contador poderá pôr em prática a doutrina de Frank Underwood: “If you don't like how the table is set, turn over the table.” Em português, seria algo do tipo: “Se não gostas da forma como a mesa foi posta, vira a mesa.” Sou gajo para acreditar nisso. Daqui a oito meses, cá estarei para responder pelo tiro. E pela fezada.

Octávio Lousada Oliveira é jornalista da revista Sábado, depois de ter passado pelo Diário de Notícias, pela SIC e pelo Record. Escreve habitualmente sobre política, mas tende a exasperar entre Novembro e Fevereiro, pois precisa de ciclismo como pão para a boca.

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