(Fotografia: giroditalia.it) |
Não foi qualquer intervenção divina. Foi até bem terrena, bem humana. Foi o erro de um homem e o acreditar e sacrifício de outro que permitiu que um milagre acontecesse na Volta a Itália. O desporto tem destes momentos e parte da beleza do ciclismo é isto mesmo: indecisão, surpresas, um pequeno pormenor e tudo muda. Pelo meio, muito espectáculo e uma missão impossível que foi concretizada e comprovou que nesta modalidade há que acreditar até ao fim.
Vincenzo Nibali chegou a este Giro como o principal favorito de um trio que incluía um estreante veterano Alejandro Valverde e uma das grandes promessas espanholas para as três semanas, Mikel Landa. O percurso parecia assentar-lhe na perfeição. As subidas eram duras, mas ao seu jeito e tinha muitas descidas, dando a Nibali muitas opções de atacar, várias tácticas a explorar. Os contra-relógios também era ao estilo do italiano.
Era o regresso do filho pródigo depois de um ano em que perdeu estatuto na Astana para Fabio Aru, agora o preferido da equipa cazaque para ir ao Tour. O incidente na Vuelta que lhe valeu a expulsão (foi puxado por um carro) mancharam a reputação de um ciclista que nem sempre aparece ao seu melhor, quando enfrenta os melhores, mas que quando se trata de lutar, não vira a cara a um bom desafio. Precisamente aquele que enfrenta na carreira aos 31 anos.
Voltar a competir no Giro foi uma espécie de restart. Nibali precisava de recuperar a motivação e também algum prestígio perdido e que a vitória na Volta à Lombardia, no final de época em 2015, esteve longe de o fazer.
Por momentos, tudo parecia desmoronar-se. Nibali fraquejou em etapas de montanha e na crono-escala não ajudou ainda ter problemas mecânicos. Tinha 4:43 minutos de desvantagem antes das duas etapas decisivas, além da incerteza se continuaria em prova. Os exames médicos terão sido claramente positivos. Seja lá o que foi que não permitiu Nibali estar no seu melhor, ficou para trás quando primeiro viu Valverde ceder e o pódio tornou-se possível e depois a queda do que até então estava a ser um super Steven Kruijswijk.
Começou por tirar os dois do seu caminho, mas sobrou Johan Esteban Chaves, que na derradeira etapa de montanha nunca pareceu ter realmente hipótese de fazer frente a um Nibali renascido e que assim garantiu o seu segundo Giro e a quarta grande volta. Em dois dias passou de 4:43 de desvantagem, para 52 segundos à frente.
Em três semanas viu-se o pior de Nibali e o melhor. E agora? A vitória dar-lhe-á de novo algum estatuto, principalmente em não ter de ajudar Aru no Tour, podendo talvez apontar à Vuelta. Se tivesse perdido, poderia ter sofrido a humilhação de ser o braço-direito de um colega de equipa que é mais um rival. Um dos objectivos é o ouro Olímpico e o triunfo no Giro permite-lhe recuperar alguma da confiança eventualmente perdida.
E depois há a questão do contrato. Nibali termina este ano com a Astana e tudo indica que está de partida. Vinokourov apressou-se a dizer que espera que o italiano pondere renovar. Politicamente correcto? Talvez. A relação entre os dois já teve melhores dias e Nibali estará mesmo com vontade de mudar de ares. O triunfo no Giro dá-lhe poder de negociação e se realmente se confirmar a criação da equipa do Bahrain, haverá muitas pedidos a aceder para contar com o Tubarão, pois outros conjuntos não se importarão nada em contratar o italiano.
Demasiado para Chaves, desilusão para Kruijswijk, alegria para Valverde
Era uma oportunidade única que quase lhe caiu no colo, mas Chaves (Orica-GreenEDGE) não demorou muito a mostrar que não tinha capacidade para controlar Nibali. Na 20ª etapa, com três contagens de primeira categoria e uma de terceira na meta em Sant'Anna di Vinadio, foi preciso esperar pelos últimos 18 quilómetros dos 134 quilómetros para finalmente ver Nibali atacar e deixar Chaves para trás. Nem a ajuda de Rigoberto Uran (compatriota, mas da Cannondale) salvou Chaves. Ele sabia, de tal forma que foi um honrado perdedor: "É só uma corrida de bicicletas." E ainda vamos muito deste colombiano em provas de três semanas, principalmente quando a Orica tiver ciclistas para o apoiar.
Quanto a Valverde (Movistar), aproveitou que Steven Kruijswijk (Lotto-Jumbo) dificilmente poderia fazer melhor com uma costela fracturada e dores num pé. O espanhol conseguiu um pódio que celebrou como uma vitória. Já o holandês apresentou um discurso mais motivador do que na sexta-feira, dia em que era um homem assustadoramente derrotado. Kruijswijk pode acreditar: tem potencial para ganhar uma grande volta. É impossível não sentir alguma injustiça com este resultado. Estava tão forte até àquela queda...
Quanto ao restante top dez, estava reservada uma última surpresa, com Atapuma (BMC) a entrar para o nono lugar, enquanto Pozzovivo (AG2R) tombou para vigésimo. Majka, Jungels (vencedor da classificação da juventude), Amador, Uran e Siutsou fecharam os dez primeiros.
Vitória na etapa para Taaramäe (Fotografia: giroditalia.it) |
O vencedor da etapa foi um Rein Taaramäe que salvou o Giro à Katusha com uma vitória no dia a seguir à desistência de Ilnur Zakarin (devido a queda), que caminhava para terminar no top dez.
Também Mikel Nieve tem razões para festejar. A Sky acabou por perder Landa antes do "verdadeiro" Giro começar, mas o espanhol venceu uma etapa e roubou a camisola azul da montanha a Damiano Cunego (Nippo - Vini Fantini), que muito trabalhou para a conquistar, mas foi mais um que não aguentou a dureza da tirada.
Giro d'Italia 2016 - Stage 20 highlights por giroditalia
Etapa 21: Cuneo - Turim (163 quilómetros)
Ainda falta uma etapa. É a de consagração para Nibali, mas os sprinters têm uma última oportunidade para vencer e Giacomo Nizzolo (Trek-Segafredo) e Sacha Modolo (Lampre-Merida) estarão desesperados para ganhar. E o primeiro veste a camisola vermelha da classificação dos pontos.
Serão 163 quilómetros sem dificuldades, com um circuito final de 7,5 que será feito oito vezes. É a primeira vez que Turim recebe o final da Volta a Itália.
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