2 de agosto de 2016

O homem dos seis milhões

(Fotografia: Facebook Peter Sagan)
Quando no final de 2014 Oleg Tinkov abriu os cordões à bolsa para garantir um então ciclista ainda em ascensão, mas já com importantes créditos firmados, por quatro milhões de euros/ano, o mundo do ciclismo teve algumas dificuldades em acreditar nos valores para o então jovem de 24 anos. Peter Sagan somava vitórias nas corridas em que participava e já tinha três camisolas verdes da Volta a França. Além de um vencedor era um showman e Tinkov não lhe resistiu. Aproveitou a então anunciada junção entre a Cannondale (onde estava o eslovaco) com a Garmin, para contratar Sagan, que estava em final de contrato.

Não foi um início de relação fácil, com Sagan a somar muitos segundos lugares, demorando a conquistar vitórias, levando Oleg Tinkov a colocar em causa o que pagava ao eslovaco. A resposta de Sagan foi ao seu estilo. Não se preocupou e os triunfos chegaram, principalmente o mais apetecível para um ciclista como ele: o título de campeão do mundo, em Richmond (EUA). A camisola do arco-íris estava agora num homem que conseguiu que quase unanimemente se considerasse que era o ciclista perfeito para a vestir.

Entretanto Peter Sagan ia construindo uma imagem além do ciclismo. O eslovaco deixou de ser uma estrela apenas na estrada, é agora uma referência fora dela, com toda uma organização em seu redor, digno de alguns dos mais populares desportistas do mundo. A máquina de marketing chegou a todo o gás ao ciclismo graças a Sagan.

É certo que no passado já houve outros ciclistas com carisma idêntico. Marco Cipollini, por exemplo, trabalhava muito a sua imagem (sendo muito mais polémico) numa era sem redes sociais. Marco Pantani ou Lance Armstrong também foram muito além de simples ciclistas, para falar apenas de épocas mais recentes.

(Fotografia: Facebook Peter Sagan)
Peter Sagan abre caminho a uma nova forma de popularidade de um ciclista. Agora há também uma superstar nesta modalidade e que financeiramente começa a somar valores que se pensava impensáveis, principalmente aos 26 anos.

Com Tinkov a anunciar o final da equipa no início deste ano, Sagan tornou-se num dos ciclistas mais procurados, apesar de na equipa também estar Alberto Contador. O preço estava estabelecido: seis milhões de euros/ano. Nunca foi confirmado oficialmente, mas a Trek-Segafredo, uma das primeiras equipas a abordar o eslovaco, afirmou que os valores rondavam esses números. Com Fabian Cancellara de saída e com cinco milhões a ficarem livres, a equipa americana tentou, mas preferiu antes John Degenkolb, que deixará assim a Giant-Alpecin. Apostou ainda em Alberto Contador para a geral e na evolução de Jasper Stuyven e Edward Theuns para as clássicas.

Durante meses questionou-se: quem poderá pagar seis milhões? O primeiro nome que surgia logo era o da Sky. A toda poderosa equipa britânica pode contratar quem quiser, mas Sagan não tem o perfil que a Sky deseja. Apesar da maior aposta nas clássicas, ter o eslovaco poderia significar um grande desvio para ajudar o ciclista, quando o principal objectivo é e vai continuar a ser a Volta a França. Ian Stannard, Geraint Thomas, Luke Rowe, Ben Swift e claro o próprio Wout Poels, que este ano deu o primeiro monumento à equipa na Liège-Bastogne-Liège. E a Sky já se está a reforçar com jovens talentos para formá-los, como tem sido parte importante do seu método.

Etixx-QuickStep. Tinha tudo para ser um casamento perfeito, apesar de ser uma equipa com várias hipóteses para as clássicas, a fase do ano mais importante para o conjunto belga. Um problema: Tom Boonen. Só com a saída do veterano ciclista (35 anos) faria sentido apostar em Sagan, senão seriam dois homens a apostar precisamente nas mesmas corridas, principalmente Volta a Flandres e Paris-Roubaix. Boonen renovou e a Etixx deixou quase de imediato de ser uma hipótese, se é que alguma vez foi.

A BMC teria, na teoria, a capacidade financeira para contratar Peter Sagan. Philippe Gilbert está de saída, mas a equipa americana vai apostar em Greg Van Avermaet, que tantas garantias tem dado. E ter dois rivais na mesma equipa poderia resultar muito mal.

A Astana foi uma hipótese muito falada. Chegou-se a dar como certo o acordo. Já se sabe que no Cazaquistão o dinheiro do petróleo tem feito maravilhas para a equipa e ajudava o facto das bicicletas serem da Specialized, que também tem acordo com a Tinkoff.

E a Specialized acaba por ser a chave do negócio. O suposto acordo com a Astana nunca se confirmou e surgiu antes a surpresa que o novo parceiro da Bora (uma equipa profissional continental, onde compete o português José Mendes), a Hansgrohe (empresa de torneiras para casa-de-banho e cozinha), ia proporcionar um forte impulso financeiro e Sagan tornou-se no objectivo número. Primeiro houve risos quando a probabilidade foi revelada, depois passou-se a um sorriso mais amarelo e de repente percebeu-se que era mesmo verdade.

Mas seis milhões de euros? É aqui que entra a marca de bicicletas americana que fez tudo para não perder a sua grande estrela e nos últimos anos a importância das marcas tem ajudado e muito a manter vivas algumas equipas (Trek, Giant, Cannondale). Porém, a Specialized dá um passo em frente nesse apoio. A marca deixa inclusivamente a Astana que passará a contar com a Argon 18, futura ex-parceira da Bora. A Specialized sabe que Peter Sagan é neste momento a melhor imagem que pode ter. É o marketing perfeito, ainda mais tendo em conta o sucesso que o eslovaco tem nos EUA.

O homem dos cavalinhos vai continuar com a Specialized, que sabe, tal como a Bora e a Hansgrohe, que os seis milhões de euros investidos por ano podem ser rentabilizados. Sagan abriu as portas de um mundo em que a imagem é agora um factor também no ciclismo. Acabaram-se os cabelos curtos, as barbas feitas e as depilações perfeitas. Agora um ciclista cabeludo, com barba, que por vezes nem os pêlos das pernas depila (sim, é algo muito falado sempre que anda assim), que tem direito a ténis personalizados por ter sido campeão do mundo, que até o deixam competir no BTT nos Jogos Olímpicos porque a prova de estrada não é para as suas características...agora é o que pode construir uma estrela que vai muito além da competição. Há uns anos seria provavelmente considerado um rebelde.

E há ainda que salientar: seis milhões/ano na equipa, fora a publicidade. Ainda recentemente foi Rocky, Gladiador e até Danny em Grease (ver vídeo).



Peter Sagan é a primeira superstar do ciclismo na era controlada pelas redes sociais e fará parte de uma equipa que irá ascender ao World Tour e se está a reforçar para garantir um conjunto forte, com o eslovaco a ser a figura maior. O contrato é válido até 2019.

(É irresistível não acrescentar o vídeo de Sagan ao estilo Rocky)

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