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Tom Boonen diz ser fã dos travões de disco (Fotografia: Instagram do ciclista belga) |
A poucos meses de se retirar da competição, Tom Boonen fez um pouco mais de história. Ao vencer a segunda etapa da Volta a San Juan, na Argentina, o belga tornou-se no primeiro ciclista a conquistar uma vitória utilizando uma bicicleta com travões de disco. Depois de no ano passado a fase de testes ter sido cancelada pela UCI após o incidente com Francisco Ventoso no Paris-Roubaix, os travões de disco voltaram a ser permitidos e Boonen optou por terminar a sua carreira a utilizar o sistema que considera ser "um grande melhoramento". "Não só dá mais segurança, como permite um melhor controlo da bicicleta ao travar para as curvas", escreveu o belga na sua conta de Instagram.
A UCI suspendeu a experiência, mas este ano os travões voltaram a ser permitidos depois de, alegadamente, ter sido melhorada a sua protecção. Ninguém dúvida que a travagem é melhor, mas questiona-se se é realmente necessário. Pesando na balança as vantagens e as desvantagens, com a segurança a ser o principal elemento desequilibrador, para já tem pendido para a não utilização de grande parte dos ciclistas. E depois ainda há uma dúvida constantemente levantada: o objectivo é mesmo melhorar as condições dos ciclistas ou é uma questão de marketing por parte das marcas?
Outro problema que entretanto foi levantado por quem faz o apoio neutro nas corridas, é o facto de os travões de disco poderem ter tamanhos diferentes e as rodas serem presas também de formas distintas de equipa para equipa, ou seja, de marca para marca. Ou seja, o apoio neutro arrisca-se a não ter o material indicado para ajudar determinado ciclista. Para tal, será necessário que todos utilizem sistemas idênticos.
Em Portugal ainda não se fala na integração dos travões de disco, pois tem sido uma discussão, para já, mais a nível do World Tour. O Volta ao Ciclismo foi saber o que pensam alguns ciclistas portugueses deste sistema de travagem.
Edgar Pinto (LA Alumínios-Metalusa-BlackJack): "Sinceramente já discuti isso com alguns atletas, mas ainda não tive a oportunidade de experimentar. Tudo o que seja para melhorar a modalidade, ok, mas dentro da segurança. O problema é quando há quedas. Os discos se não estiverem devidamente protegidos podem ferir gravemente um atleta, uma pessoa do público... Não estou contra os discos, desde que estejam devidamente protegidos para que não se verifiquem acidentes."
Filipe Cardoso (Rádio Popular-Boavista): "Acho que pode ser visto de muitos pontos de vista. Se gosto de travões de disco? Gosto. Acho que são agradável, acho que funcionam, são engraçados. Se vou ser mais rápido em corrida por causa do travão de disco? Não, não vou ser mais rápido, não vou ganhar tempo nenhum. E agora tinha de entrar em mil aspectos técnicos para explicar porquê! Há mais poder de travagem, mas o contacto do pneu com o alcatrão - a largura do pneu tem no máximo 25 mm, é pouco, é um pneu estreito - dar muito poder de travagem, mas a superfície ser a mesma, ela vai derrapar, porque o chamado grip do pneu não suporta uma travagem muito potente. E o travão, no nosso caso para competir, ninguém quer chegar a uma curva e travar a fundo. Quando se trava a fundo numa corrida é para cair, é porque houve uma queda e se trava a fundo para cair o mais devagar possível. Não é travar muito, é fazê-las travar pouco, fazê-las rápido.
Talvez seja ligeiramente mais confortável no toque. Na travagem em si é mais potente, é mais confortável à mão, mas o pneu não aguenta uma travagem muito forte. Para lhe dar um exemplo: pega nuns travões de um Ferrari e coloca-os num carro citadino. O Ferrari tem uma largura de pneu muito maior do que um citadino. Se puser o travão potente numa roda de um carro citadino, vai travar e ele simplesmente vai derrapar. A superfície que toca no alcatrão é muito estreita, não faz sentido. A mesma lógica aplica-se nas bicicletas.
Em dias de chuva trava muito melhor, a água não interfere tanto no poder de travagem no travão de disco. E depois tem o problema das quedas. Isso não tenho dúvidas nenhumas que é um risco acrescido para os ciclistas. Há um teste que é simples de fazer: pegar numa bicicleta que está parada, com travões de disco, fazer uma descida de 300/400 ou 500 metros, travar a fundo, fazer duas ou três travagens e no fim tocar com a mão no disco. Ele vai estar a ferver. Uma queda onde caiam 10 ou 20 ciclistas e discos a ferver a tocar uns nos outros, vai ser certamente... Isso já aconteceu, foi por isso que foram proibidos.
O que vai acontecer é a coisa natural das marcas estarem a pressionar muitíssimo toda a gente para que os travões de disco sejam norma e a partir desse momento, milhões e milhões de pessoas em todo o mundo vão ter de trocar as bicicletas e os assessórios e os componentes. E é isto que está a acontecer. Eu gosto dos travões de disco. Eu se neste momento comprasse uma bicicleta para mim, para ter em casa, comprava com travões de disco. Acho realmente engraçado. Para competir analiso os prós e os contras. A nível de travagem não me faz falta neste momento ter uns travões mais potentes. O travão tradicional com as pastilhas certas é um travão que trava muito bem. Pesando as coisas, tudo o que seja colocar mais um risco para o ciclista, na minha maneira de ver, não faz sentido."
Hélder Ferreira (Louletano-Hospital de Loulé): "Eu até agora não experimentei os travões de disco nas bicicletas de estrada. Acho que ainda está a haver uma polémica internacionalmente. Portugal anda sempre um passito atrás, por isso, até chegar cá vai demorar e depois posso opiniar sobre a questão. Quanto à segurança, das opiniões que tenho ouvido, há certos problemas. Mas só vendo."
Joni Brandão (Sporting-Tavira): "Eu acho que para os travões de discos serem homologados era necessário que competíssemos todos com travões de disco e não uns com travões de disco e outros com normais, porque acho que é uma desigualdade muito grande. Quem vai de travão de disco tem uma capacidade de travagem muito superior aos normais e na minha maneira de ver, esta é uma decisão que não está a ser bem tomada porque se todos fossem obrigados a correr de discos era uma coisa, agora uns com discos e outros sem discos... Acho que é uma desigualdade grande. E depois é a questão da segurança que não sei se foi rectificada, mas acho que sim. Falta saber como e só depois é que podemos dar uma opinião mais concreta em relação a isso."
José Mendes (Bora-Hansgrohe): "Eu nunca usei travões de disco em bicicletas de estrada. Há quem diga que a travagem é melhor, mas aquilo que me preocupa é a segurança e foi o que fez com que fosse suspensa a integração dos discos. Na minha opinião, penso que não se deveria usar discos. Sou contra. É óbvio que se deve evoluir, mas acho que é dos costumes que infelizmente há no nosso desporto e quando há um pelotão, com muitos ciclistas juntos, penso que aquele disco pode ser muito perigoso.
Infelizmente não sei quem tem mais interesse que os travões de disco sejam integrados. Penso que não é da parte dos ciclistas. Eu ainda não vi nenhum ciclista a reivindicar a reintegração dos discos para a sua segurança. Por isso, falar em termos de segurança, não é correcto. Possivelmente as marcas têm interesse nessa integração. Estou um pouco apreensivo com a integração dos discos pelo problema da segurança. Penso que vai criar insegurança e medo. Com o tempo aquilo aquece. É mais um elemento que pode provocar sérias lesões. Já temos as pedaleiras, mas isso não podemos tirar. Mesmo uma bicicleta de estrada ter uma capacidade superior de travagem, à velocidade que nós atingimos, penso que até isso pode ser perigoso.
Nunca experimentei, por isso, não posso dizer se é melhor ou pior. Aquilo que me deixa apreensivo é mesmo essa parte da segurança."
Rui Vinhas (W52-FC Porto): "Em Portugal não podemos muito falar nisso. Eu pessoalmente nunca usei travões de disco. Se é uma mais valia? Penso que sim. Para incutir isso na alta competição tem de ter benefícios. Agora eu não sou a melhor pessoa para responder porque nunca trabalhei com travão de disco na estrada. Acho que tem um bom poder de travagem, uma boa segurança e penso que na bicicleta de estrada será um bocado parecido. É uma questão de experimentar para ver como seria. Há polémicas, mas isso é como em tudo. Nós tendo quedas com bicicletas normais ficamos sempre com mazelas, mas com uma bicicleta a cortar como foi o caso do Ventoso, um travão de disco que era novidade, as pessoas metem logo problemas nisso. Mas acho que é uma questão de experimentar e andar um ano ou dois para ver se realmente aquilo serve para a alta competição ou não."
Sérgio Paulinho (Efapel): "Eu tenho uma bicicleta de travão de disco e para ser sincero quando chove e com a estrada molhada, é muito melhor. A travagem é muito melhor, o tempo de reacção é muito melhor, a bicicleta trava muito melhor. Em seco não vejo diferença. Quase que digo que prefiro o travão tradicional que o travão de disco. Para mim, o grande problema que está aqui é o disco em si. Se houver um protecção do disco por causa das quedas, acho que o disco pode ser bem-vindo ao ciclismo.
Na minha opinião, se a decisão fosse minha, a decisão é não ao disco. Acho que não traz nada de novo ao ciclismo. Traz de novo às marcas porque é uma inovação, mais vendas. Que me desculpem as marcas, mas é assim mesmo. Inovação no ciclismo? Eu não a vejo. Não é por aí. Acaba por tornar a bicicleta mais pesada. Se houver uma protecção, vamos supor - e todos sabem que no Tour há sempre aquelas quedas enormes - que acontece alguma fatalidade por causa de um travão de disco... Elas às vezes já acontecem sem travão de disco, com um travão de disco há uma probabilidade maior. Acho que temos de ponderar todas as situações, por isso, na minha opinião, se fosse eu a decidir, não vale a pena."
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