25 de maio de 2018

A batalha mais esperada afinal vai mesmo acontecer

80 quilómetros sozinho pelas montanhas de Itália. Que vitória de Froome!
(Forografia: Giro d'Italia)
"Mas o que é isto?" "Ver para crer!" "Inacreditável!" É difícil reproduzir todas as expressões que passaram pela cabeça ao assistir a um daqueles momentos épicos do desporto. Em 80 quilómetros reescreveu-se a história deste Giro. Uma história solitária! Surpresas, reviravoltas, ataques, contra-ataques, esperava-se que pudesse acontecer de tudo, mas não algo desta magnitude e ainda mais de um ciclista conhecido por um estilo mais calculista. Se fosse um Alberto Contador ou mesmo um Vincenzo Nibali... Mas Chris Froome?! Até o próprio disse que foi uma loucura! Um ataque solitário a 80 quilómetros da meta, com a Cima Coppi pela frente e ainda mais duas subidas, uma de primeira categoria, pela frente... Impensável! Venceu a etapa e depois de uma exibição deste nível, vestir a maglia rosa pareceu simplesmente mais do que justo. Tendo em conta tudo o que se tem visto nesta corrida, dizer que está ganha continua a ser uma aposta de risco, mesmo tratando-se de Froome. Mas este dia já ninguém tira ao britânico. Ou será que tiram?

Depois de tudo o que aconteceu neste Giro, afinal vamos ver a desejada luta Froome vs Dumoulin. Parecia improvável que tal viesse acontecer nesta altura, a um dia do fim (contado que domingo será de consagração). Com 40 segundos a separá-los (todos os outros ciclistas estão a mais de quatro minutos da liderança), haverá tempo para um frente-a-frente, mesmo que na Sunweb o discurso público seja de ser praticamente impossível de bater Froome. E lá estamos nós com o "praticamente". Até agora o "praticamente" não se transformou num "totalmente garantido", pelo que Dumoulin não pode, nem deve acabar este Giro sem uma última luta.

Com a performance de Simon Yates até à etapa de quinta-feira, parecia que a discussão da repetição do caso Contador do Giro de 2011, estava terminada. Porém, o britânico da Mitchelton-Scott fraquejou ontem, a Sky sentiu que havia uma oportunidade e fez a jogada mais ousada e mais inesperada de uma equipa que sempre tanto tenta controlar a corrida em conjunto durante o máximo de tempo possível. Froome passou de quarto classificado a 3:22 de Yates - e quanto muito a pensar no pódio - a líder, com 40 segundos sobre Tom Dumoulin.

Bem se quer afastar o fantasma do caso que pode fazer com que este grande dia de ciclismo acabe por ficar registado com um resultado que não lhe fará jus. Ali estava Froome, a chegar à Cima Coppi (ponto mais alto do Giro, a 2178 metros no Colle delle Finestre) quando aparece um adepto com um inalador gigante. Há que admitir que arrancou um sorriso... Não a Froome, certamente! O ciclista continua a correr o risco de perder todas as classificações desde a Vuelta, mas está a conseguir manter-se focado e motivado em alcançar um objectivo que parecia impossível.

Independentemente do que venha a acontecer com Chris Froome, seja ou não sancionado, fica claro que casos como estes devem ser evitados, para o bem dos ciclistas, das equipas e das próprias corridas. Se não se aprendeu nada com o caso Contador, a ver vamos se algo se aprende com o de Froome.

Mas o que agora interessa é o que está a acontecer na estrada. Vejamos o percurso de Froome. Chegou à Volta a Itália envolto em suspeita (e continuará até o caso do salbutamol estar resolvido), caiu no reconhecimento do contra-relógio inaugural e na hora da verdade foi apenas 21º. Só na etapa do Etna (sexta), primeira de alta montanha, entrou no top dez, mas acabou por voltar a sair. Froome não convencia de maneira nenhuma e a Sky também não. Depois reagiu e ganhou no Zoncolan (e que vitória!), subiu a quinto e parecia que estava vivo. No dia seguinte perdeu outra vez tempo. Pelo meio, a possibilidade de abandonar e começar a pensar no Tour foi sendo falada, mas Froome garantiu que estava em Itália para ficar até ao fim.

(Forografia: Giro d'Italia)
Hoje o ciclista da Sky mostrou mais do que estar vivo, mostrou um lado que não lhe era conhecido. Arriscou como nunca o tinha feito antes e foi o autor de uma fuga solitária que se falará durante muito e muito tempo. Justificou a decisão por ser a única forma de ainda conseguir ganhar o Giro. Tendo em conta que depois do Zoncolan perdeu tempo, é melhor jogar pelo seguro, mas Froome está na posição na qual se sente mais confortável e é raro perder uma liderança. Aos 33 anos vestiu a camisola que lhe faltava nas grandes voltas e tem 214 quilómetros para a segurar até à etapa de consagração em Roma. É também líder da montanha, que também tirou a Yates.

Tom Dumoulin tem sido muito mais consistente. Se no ano passado demonstrou grandes melhorias na montanha, em 2018 revela maior maturidade e cada fez está mais forte no terreno onde dificilmente será um dos maiores especialistas, mas poderá ser mais do que o suficiente para discutir as grandes voltas, inclusivamente o Tour. Ganhe ou não este Giro, ficou provado que o que fez no ano passado em Itália, ao conquistar a edição 100, não foi um acaso.

Aquele contra-relógio de terça-feira, abaixo das suas reais capacidades na sua principal arma, pode vir-lhe a custar caro. E se ficar na segunda posição, poderá ficar um ligeiro sentimento de frustração, mesmo que perca para um dos maiores voltistas, a caminho da sua possível sexta vitória, completando o ciclo de triunfos nas três grandes, além de as vencer de forma consecutiva, ainda que não no mesmo ano.

Percurso de Dumoulin: começou o Giro de rosa, perdeu a camisola no dia seguinte para Rohan Dennis e tem desde então estado ali a olhar sempre para um ciclista à sua frente. Yates tirou a rosa a Dennis e agora veio Froome de trás para ser ele o líder.

O descalabro de Yates

(Forografia: Giro d'Italia)
Depois de Johan Esteban Chaves foi a vez de Simon Yates desaparecer do topo da classificação. A Mitchelton-Scott esteve tão perto de alcançar a vitória tão esperada e tão trabalhada numa grande volta, mas os seus dois líderes tiveram um momento de enorme fraqueza. Será um dia que marcará a carreira de Yates. Perder o Giro não seria nada de outro mundo. A corrida não estava fechada. Porém, o maglia rosa ficou quase parado na estrada quando a Sky atacou no Colle delle Finestre. Perdeu 38:51 minutos. Caiu de primeiro para 18º.

Ganhar o Giro marcaria a carreira deste jovem de 25 anos. Agora terá que encontrar a forma de aprender e recuperar de um dia tão negro, tão triste e que não merecia depois de duas semanas fantásticas. Mas as grandes volta têm três e não é só a questão de se merecer ou não que define um vencedor. Se Yates souber tirar as melhores das ilações do que se passou hoje, então poderá tornar-se num ciclista ainda mais forte. Mas há muito a perceber, pois não deixa de parecer estranho que os dois líderes de uma equipa tenham tido quebras tão grandes.

Domenico Pozzovivo não esteve tão mal, mas foi o suficiente para ver a oportunidade de terminar num pódio de uma grande volta esfumar-se, ao não conseguir ficar com Dumoulin, Thibaut Pinot, Miguel Ángel Lopez e Richard Carapaz. O italiano da Bahrain-Merida. É agora sexto a 8:03 de Froome a quase quatro minutos do terceiro lugar, onde está Pinot. Com os sul-americanos a lutarem pela classificação da juventude - Carapaz recuperou tempo e está a 47 segundos de López -, Pinot explorou a ambição de Dumoulin que foi quem mais trabalhou nos 80 quilómetros de perseguição a Froome. No final cedeu ligeiramente nos últimos metros e o francês e os sul-americanos deixaram-no sozinho.

De referir que Patrick Konrad (Bora-Hansgrohe) está novamente no top dez, fechado por Sam Oomen. Um dos homens de trabalho de Dumoulin está a realizar uma excelente corrida. E tem apenas 22 anos.

Com tantas movimentações, José Gonçalves conseguiu afinal subir mais dois lugares. Até perdeu para Sergio Henao, mas com a queda e abandono de Ben O'Connor (Dimension Data), a quebra de Simon Yates e o trambolhão de cinco lugares de Carlos Betancur (Movistar), o português da Katusha-Alpecin é 16º, a 28:16. São 2:14 para recuperar para Henao e mais de dez minutos para Wout Poels. Mas depois do que aconteceu hoje, o melhor é esperar para ver se Gonçalves ainda consegue subir mais umas posições, até porque os dois ciclistas à sua frente terão muito que trabalhar para Froome.

Além de Ben O'Connor, Fabio Aru (UAE Team Emirates), Louis Vervaeke (Sunweb), William Bonnet (Groupama-FDJ), Mickaël Chérel (AG2R), Marco Maestri (Bardiani-CSF) e Vasil Kiryienka (Sky) abandonaram o Giro nesta etapa. Tanto a Sunweb como a Sky perderam um homem de trabalho para ajudar no dia de todas as decisões.

O grande final

A Sky apareceu na melhor altura, Yates desapareceu na pior e o Giro sempre vai ter a esperada luta Froome/Dumoulin. A organização apelida a 20ª etapa de rainha. Pouco importa nesta altura se se concorda ou não. Decisiva e difícil será certamente, com aqueles que eram apontados como os principais protagonistas no início a assumirem esse papel.

Serão 214 quilómetros para testar a recuperação de todos. Há muito que não se falava tanto da recuperação dos ciclistas. Mas com o que aconteceu a Chaves e a Yates, com os altos e baixos de Froome e depois de ter pedalado 80 quilómetros sozinho, é normal que se pense como é possível recuperar de tamanho esforço, quando pela frente falta esta etapa (ver imagem em baixo).



No percurso entre Susa e Cervinia serão os cerca de 80 quilómetros finais os mais interessantes, com três subidas de primeira categoria consecutivas. Primeiro estará a subida ao Col Tsecore, 16 quilómetros, com a parte final a ser a mais difícil com pendentes acima dos 12%, num máximo de 15%. O Col de St.Pantaléon terá sensivelmente a mesma distância com uma média 7,2%, máxima de 12%. Para terminar, a mais longa das três subidas, com 19 quilómetros e uma média de 5%. Chega a ter uma fase a 12%, mas sempre que se torna mais complicada, também acaba por ter zonas de descanso. A fase final será em plano, para assim consagrar o vencedor do Giro101 (carregue na imagem para ver ao pormenor as três subidas).


Pode ver aqui as classificações a um dia de conhecer o vencedor da 101ª edição do Giro.




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