14 de março de 2020

Mais tempo em casa e sem ciclismo para ajudar a passar as horas

Até já pelotão, nacional e internacional
Não sei quantas vezes me perguntaram como é que eu consigo ficar horas e horas em casa a ver ciclismo. Para mim é algo natural. Adoro e nem penso duas vezes em ver grandes corridas (e até as mais pequenas), tentando até ajustar horários, sempre que possível, para o fazer. Sim, são horas e horas anualmente a ver ciclismo. Agora que o nosso mundo está virado do avesso devido ao Covid-19, agora que vamos passar muito mais tempo em casa e que bem que será preciso algo para distrair, e em que se terá tantas horas livres para ver ciclismo, não há!

Nestes últimos dias tem sido uma autêntica invasão de notícias sobre este coronavírus. Compreensível. O ciclismo não é excepção. Desde que a Volta aos Emirados Árabes Unidos foi suspensa já perto do fim e as equipas e staff ficaram de quarentena, que o tema começou aos poucos a tomar conta também dos meios de comunicação social que acompanham a modalidade. Sucedem-se os cancelamentos de corridas, que já vão além da China e Itália, ainda que neste último país - onde a situação na Europa é a mais grave - tenha significado a não realização de algumas das principais provas desta altura do ano, como a Strade Bianche, Milano-Sanremo e Tirreno-Adriatico.

Também a Volta a Itália vai sofrer com esta pandemia. Era para começar a 9 de Maio, na Hungria, e terminar a 31 desse mês, mas a corrida foi adiada e antes de 3 de Abril não será conhecida a nova data. Não será fácil encaixar num calendário tão preenchido e ainda mais em ano de Jogos Olímpicos (se se realizarem, claro, pois neste momento não há certezas de nada).

Todas as provas de Março foram canceladas, as de Abril também para lá caminham, sendo que, quando a situação começar a dar sinais de melhorar, irá arrancar a difícil de missão de tentar reagendar, não surpreendendo se algumas corridas só regressarem para o ano. O Paris-Nice ainda avançou, foi encurtado um dia e esperava-se que tivesse sido interrompido mais cedo. Acabou este sábado (parabéns a Max Schachmann, da Bora-Hansgrohe - segundo na Volta ao Algarve -, que merecia ser o destaque e não o coronavírus) com um pelotão reduzido, dada a debandada - mais do que justificada - de muitas equipas. Diga-se que estes cancelamentos (que se deseja que possam ser adiamentos) estende-se a todo o tipo de vertentes nesta modalidade, tal como está a acontecer com os outros desportos.

Por cá, a Clássica da Arrábida, que deveria realizar-se este domingo, também ficará à espera de nova data, enquanto a Volta ao Alentejo - que arrancaria na quarta-feira - foi cancelada. O Grande Prémio Internacional das Beiras e Serra da Estrela, marcado para Abril (de 17 a 19) também não vai disputar-se, segundo o anúncio feito na quinta-feira pela organização. A Clássica Aldeias do Xisto (5 de Abril) corre risco idêntico, ou de pelo menos de um adiamento.

Sim, é frustrante não poder ver todas estas corridas, portuguesas e estrangeiras e ainda mais sabendo que a lista poderá continuar a aumentar. Mas vive-se uma fase de excepção, exigindo-se medidas excepcionais, desejando-se que o mais rapidamente possível se volte a alguma normalidade. E claro que aqui se fala muito além do ciclismo, pois não ver ciclismo (ou futebol, basquetebol, fórmula 1...) é apenas uma pequena parte do que neste últimos dias está a mudar nas rotinas. Se for preciso ficar em casa 14 dias sem ciclismo (ou até mais), para depois poder ver as minhas queridas clássicas e para ficar 21 dias a ver o Giro, ou Tour ou Vuelta, então que assim seja. Sem pânico, sem açambarcamento, com responsabilidade e bom senso.

10 de março de 2020

Frederico Figueiredo e o papel de líder, a nova mentalidade da equipa e o clique que falta

Na Fóia, Frederico Figueiredo ficou à frente de Nibali e Mollema
A época de 2019 pode ter acabado com um pulso fracturado, um abandono com apenas 19,5 quilómetros a faltar para mais um top dez na Volta a Portugal e ainda com uma longa paragem até poder regressar aos treinos. Não ajudou a indefinição quanto ao futuro do Clube Ciclismo de Tavira, mas Frederico Figueiredo encarou todas as adversidades com a ambição de ir à procura de mais e melhor em 2020. Tem finalmente o estatuto de líder, ainda que sinta o peso dessa responsabilidade. Porém, é o primeiro a admitir que, mesmo sendo agora o número um, continua a faltar-lhe um "clique" importante e que aos 28 anos tarde em acontecer. Esse clique que o próprio fala é uma vitória.

Questionado se a liderança já era merecida, Frederico Figueiredo começa por considerar que esse estatuto na Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel é algo que acabou por acontecer naturalmente, tendo em conta os seus resultados nos últimos anos. Na equipa algarvia foi um gregário importante para Joni Brandão, Rinaldo Nocentini, Alejandro Marque e no ano passado foi Tiago Machado que esteve primeiro plano. Mas como aconteceu em temporadas anteriores, a regularidade de Frederico Figueiredo foi um dos destaques mais positivos da era Sporting na equipa de Tavira.

No entanto, acabou por dizer sobre o seu novo estatuto: "Acho que já era uma situação merecida. Apesar do nosso director [Vidal Fitas] querer ter sempre mais do que um líder e com razão - pode sempre acontecer alguma coisa, como me aconteceu com a queda [na Volta a Portugal] -, penso que ter essa responsabilidade é bom e pelo que tenho feito nos últimos anos é importante." Sempre foi um ciclista com o pés bem assentes na terra, muito objectivo na forma de encarar a sua carreira, pelo que é o primeiro a admitir: "Falta aquele clique de mais alguma coisa... talvez uma vitória! Se calhar assim partia para outro nível. Já fiz muitos segundos, terceiros, quartos, quintos... Falta sempre aquele clique."

"Não temos nomes como já tivemos, como o Nocentini, Tiago Machado, Joni Brandão, José Mendes, que são ciclistas com cartas dadas. No entanto, temos ciclistas com muito valor e que podem trazer coisas boas para a equipa"

Não é por isso que está menos motivado, ou com menos ambição. Muito pelo contrário. Frederico Figueiredo começou bem a época na Volta ao Algarve, ficou satisfeito com a experiência na Argentina e acredita que tem uma equipa forte para o apoiar rumo ao tal clique e a outros bons resultados. Pode ser agora líder, mas continua a salientar o colectivo e de como o sucesso da equipa em 2020 poderá também ter o nome de outros corredores da Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel. "Temos dos melhores sprinters em Portugal - o César Martingil -, temos dos melhores trabalhadores - Livramento, Valter, Grigorev (que vai certamente fazer uma boa época), o Trueba (é um ciclista que faz muito bem o que os líderes querem) e depois temos o Marque que já venceu uma Volta a Portugal e que é um ciclista com provas mais do que dadas no ciclismo", afirmou ao Volta ao Ciclismo.

"Não temos nomes como já tivemos, como o Nocentini, Tiago Machado, Joni Brandão, José Mendes, que são ciclistas com cartas dadas. No entanto, temos ciclistas com muito valor e que podem trazer coisas boas para a equipa", salientou, referindo que o objectivo passará por todos os corredores se mostrarem seja em Portugal ou em provas no estrangeiro.

Indefinição para 2020 e uma nova mentalidade na era pós-Sporting

Foram semanas difíceis as que se seguiram ao anúncio que o Sporting não iria continuar no ciclismo. Contudo, os novos patrocinadores trouxeram algo de positivo: uma nova forma de estar nas corridas. "A nossa equipa mudou um pouco a estratégia que tinha. Com o Sporting o objectivo era ficar à frente do Porto, mesmo que fosse do meio da tabela para baixo. Em cinco dias de corrida [no Algarve], andámos em fuga e chegámos a puxar metade da etapa do Malhão. São coisas que se calhar o Sporting não ligava muito, mas com estes patrocinadores é uma maneira de fazer uma publicidade e o feedback tem sido positivo", referiu. Sem surpresa, não hesita em considerar que é melhor competir desta forma, referindo que antes era mais a mentalidade do futebol a falar, do que a do ciclismo.

Resolvida a indefinição quanto ao futuro, Frederico Figueiredo não escondeu como ficou satisfeito por poder continuar na equipa algarvia para uma quarta temporada, pois é adepto da continuidade quando está bem. "Estar sempre a trocar de equipa quando as coisas estão bem a nível de condições e também a nível financeiro... Não vejo porque se tem de trocar. Há que trocar quando as coisas não correm bem, ou quando a motivação já não é a mesma. Aí faz bem fazer uma mudança de chip e mudar de ares. Não é o caso. Sinto-me muito bem aqui."

"Trabalhei bem no Inverno. Aproveitei essa situação má para ter uma coisa boa no início de época. Agora é manter e gerir o resto da temporada, de forma profissional"

Confessou que muita coisa passa pela cabeça quando se está a tentar preparar a nova temporada sem saber se se vai ficar na mesma equipa, ou se será preciso mudar. Porém, tentou concentrar-se nos treinos, pois parte dos seus objectivos passava por arrancar 2020 forte. "Como terminei a época mais cedo devido à queda na Volta a Portugal, decidi que iria descansar - estive dois meses sem poder andar de bicicleta - e depois comecei a pensar na época seguinte. Iniciei os treinos muito cedo para também poder estar bem nesta altura. E tirei coisas positivas do Algarve. Trabalhei bem no Inverno. Aproveitei essa situação má para ter uma coisa boa no início de época. Agora é manter e gerir o resto da temporada, de forma profissional. Há que descansar bem e treinar bem", disse.

Na Algarvia foi sétimo no Alto da Fóia a apenas oito segundos de Remco Evenepoel (Deceuninck-QuickStep - quer viria a vencer a corrida), mas o 14º lugar no Malhão (a 27 segundos de Miguel Ángel López, da Astana) não o deixou muito satisfeito, tendo explicado que passou mal a noite, com febre e nariz entupido. No contra-relógio correu tudo mal e tal custou-lhe um top dez que sabia que seria sempre difícil de segurar. Antes, na Volta a San Juan, Frederico Figueiredo viveu mais uma experiência que não esquecerá: "É diferente já ter uma corrida com sete dias feitos. No ano passado até andei bem no Algarve, mas faltava o andamento que tive este ano porque já tinha corrido na Argentina. É sempre bom, porque é outro nível, outra experiência, como tinha sido na China. Muito calor, pelotão de outro nível, muita gente na estrada - ali vive-se mesmo o ciclismo -, são experiências que marcam a nossa vida."

Recordou-se a quinta etapa, com chegada ao Alto Colorado, quando o português parecia estar bem, mas de repente... "A cinco quilómetros para a meta fiquei completamente vazio. Não deu para mais. Então só se pensa em acabar. Foi uma etapa feita com 44/45 graus. Andámos 80/90 quilómetros acima dos 1800 metros de altitude e depois com chegada em alto... não estamos habituados a nada disso", contou.

Agora é pensar nas próximas corridas e depois da queda na Volta a Portugal que o obrigou a desistir quando só faltava o contra-relógio final, Frederico Figueiredo até desabafou um "simples" desejo para 2020: "Da minha parte espero ter um ano sem azares!"

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6 de março de 2020

Dias atípicos

Primeiro monumento do ano foi cancelado
© Milano-Sanremo
Têm sido dias atípicos no ciclismo (e não só, claro) e muito por causa do coronavírus. Parecia tão longe na China e agora tornou-se uma realidade tão próxima, tendo a palavra entrado definitivamente no nosso léxico, mesmo quando se fala de ciclismo. O cancelamento das duas últimas etapas da Volta aos Emirados Árabes Unidos e consequente quarentena para todos os que nela participavam, foi apenas o início de de uma situação que está sem fim à vista e que já está a afectar o calendário. Por esta altura estar-se-ia a preparar para assistir a umas horas de ciclismo a ver a espectacular Strade Bianche este sábado e a pensar que o primeiro monumento estava a chegar. Agora as corridas italianas foram canceladas e começam a aumentar as dúvidas sobre outras noutros países.

Para já, UCI e os organizadores das principais provas agendadas para os próximos dias, RCS Sport e ASO, vão agindo segundo as indicações das autoridades dos seus países, enquanto as equipas vão tomando as rédeas das difíceis decisões de competir ou não. Em Itália, onde a situação é mais grave no continente europeu, foram proibidos os eventos desportivos, ou de outro tipo, ao ar-livre. Com os números de casos positivos a aumentar de dia para dia, não é certo que a proibição dure apenas até 3 de Abril, com as autoridades a irem analisando a situação à medida que se vai desenvolvendo.

Caiu assim primeiro a Strade Bianche (para homens e mulheres), com a RCS Sport a ter a esperança de a poder reagendar, tal como o Tirreno-Adriatico (marcado inicialmente de 11 a 17 de Março) e o monumento Milano-Sanremo (dia 21), cujo cancelamento foi esta sexta-feira confirmado. Já em França, o Paris-Nice vai prosseguir como programado - já a Maratona de Paris foi cancelada -, arrancando no domingo. No entanto, há equipas que não querem competir, com algumas decisões até terem sido anunciadas antes do cancelamento da Strade Bianche, por exemplo.

A EF Pro Cycling foi das primeiras a pedir dispensa das provas italianas à UCI, quando a situação do coronavírus começou a agravar-se, mas estará no Paris-Nice. De recordar que as equipas World Tour estão obrigadas a competir em todas as corridas acima mencionadas, podendo ser multadas se não o fizerem com uma justificação aceite ou pela UCI ou pelos organizadores. Dada a propagação rápida do Covid-19 e as proibições decretadas pelo governo italiano, a justificação não deverá ser um problema.

Houve quem fosse mais radical. A Mitchelton-Scott, Ineos, Movistar, CCC, UAE Team Emirates, Astana e Jumbo-Visma não estarão no Paris-Nice. Só deverão regressar a 23 de Março, na Volta a Catalunha. A ASO tenta preencher as vagas no Paris-Nice. Para começar autorizou que as equipas tenham oito ciclistas em vez de sete e convidou a belga Circus-Wanty Gobert e a francesa B&B Hotels-Vital Concept. A organização vai tentar minimizar o contacto entre ciclistas e jornalistas e também com o público.

Equipas, organizadores e outros responsáveis da modalidade tentam lidar com uma situação atípica. Em causa está muito mais do que a saúde dos ciclistas ou membros do staff. Está em causa a saúde pública. Por agora resta esperar para ver como a situação evolui. Para a RCS Sport, a preocupação passa por tentar conseguir reagendar as corridas, num calendário World Tour muito complicado, não esquecendo que o cancelamento estendeu-se a provas de outros escalões. E há que não esquecer que em Maio a primeira grande volta é em Itália, o que, naturalmente, também preocupa Mauro Vegni, o director da RCS Sport.

De referir que a UAE Team Emirates, Cofidis e Groupama-FDJ continuam de quarentena nos Emirados Árabes Unidos, que foi prolongada até dia 14.

5 de março de 2020

"Fiquei com uma ideia do que é a realidade do ciclismo"

Da Venezuela para Espanha e agora em Portugal com os olhos postos no topo do mundo. Leangel Linarez vive um momento importante na sua carreira. Aos 22 anos não esconde o quanto está agradecido a Pedro Silva e à Miranda-Mortágua pela possibilidade de estar numa equipa Continental e de já ter estado a competir ao lado de alguns dos grandes ciclistas da actualidade. A Volta ao Algarve foi uma oportunidade de ganhar ritmo e experiência para um ciclista que, na Prova de Abertura Região de Aveiro, viveu um daqueles momentos caricatos, que de vez em quando acontecem nas corridas: festejou uma vitória que afinal não era sua. Mas que não restem dúvidas. Não ficou desiludido, apenas ainda mais motivado para ter um 2020 de sucesso.

"Pensei que tinha ganho... Foi uma confusão com a fuga. Eram quatro ou eram cinco... Mas terminei com boas sensações e deu-me tranquilidade para o resto da época." E é neste último aspecto que se concentra. Ao Volta ao Ciclismo contou que começou a preparar a nova temporada um pouco mais tarde do que os companheiros, devido a questões pessoais. Ser segundo em Vagos foi, por isso, motivador. Na Volta ao Algarve sabia que não teria possibilidade de medir forças com as referências do sprint mundial presentes, mas saboreou todos os instantes daquelas cinco etapas. Afinal, é àquele nível que quer chegar.

"Foi muito bonito estar ao lado de ciclistas que via na televisão. Agradeço à equipa a oportunidade de estar no Algarve e a confiança que teve em mim. Foi uma Volta importante para ganhar experiência para o futuro. Foi uma boa preparação. Era uma Volta difícil para estar na luta, mas sabia que era uma oportunidade para ganhar ritmo para encarar os próximos objectivos. Fiquei com uma ideia do que é a realidade do ciclismo", explicou.

Linarez foi contratado pela equipa dirigida por Pedro Silva em Julho de 2019. Então, já tinha deixado a sua marca em Portugal, ao vencer a segunda etapa do Grande Prémio Jornal de Notícias, ao serviço da formação espanhola Kuota-Construcciones Paulino. Na época passada, conquistou seis vitórias. "Quero repetir [o triunfo no JN]! Creio que essa vitória deu-me mais confiança e acho que vai ser importante para o que vou fazer este ano. Espero que seja uma época produtiva."

"Quero correr uma grande volta. A minha preferida, como acontece com quase todos, é o Tour, mas ficaria muito feliz se fosse uma Volta a Espanha"

Com o sprint como ponto forte, não surpreende que Linarez tenha um discurso que inclua muito a ambição de vencer e a Volta a Portugal está, naturalmente, no topo das prioridades. Contudo, ainda faltam uns meses, pelo que agora está concentrado em apresentar-se forte na Volta ao Alentejo, de 18 a 22 de Março. "Não conheço, mas já me falaram muito dela. Tem muitas etapas ao sprint e quero estar lá bem", afirmou. Porém, antes, estará em acção este domingo, na Clássica da Primavera, na Póvoa de Varzim.

Quando fala da equipa, refere-se a ela como "uma grande família", um sentimento importante para quem tem a sua longe, num país que vive tempos conturbados. "Não foi fácil vir para a Europa e deixar a família, ainda mais com a situação política no país. Mas quem não arrisca, não petisca. As coisas estão a correr bem aqui. Quero ficar aqui na Europa", salientou. No entanto, não esconde que há sempre alguma preocupação presente no seu estado de espírito. "Estou em permanente contacto com eles. Não lhes falta o pão de cada dia e isso é o mais importante. Nesse aspecto estou um pouco tranquilo", contou. Acrescentou que o que o preocupa mais são os cuidados de saúde, que tem feito muitos venezuelanos dirigirem-se à Colômbia, por exemplo, para conseguirem ter acesso a alguns medicamentos. Mas realçou que tudo está bem com a sua família.

Quanto ao desporto, Linarez recordou como em tempos os ciclistas venezuelanos conseguiam fazer carreira no próprio país. Actualmente procuram viajar para a Europa. As suas primeiras pedaladas foram em 2008, quando um primo o levou à Escola de Ciclismo José Balaustre, nome de um antigo corredor venezuelano. Linarez evoluiu na sua terra natal, Barina, e em 2013 começou a ser chamado à selecção, tendo ainda apostado na pista. Em 2017, Jesús Rodríguez Magro chamou Linarez para a EC Cartucho-Magro, equipa de Madrid, mas que fechou portas pouco depois. Contudo, as suas exibições - quatro vitórias e vários top dez - valeram-lhe a continuidade em Espanha na Kuota-Construcciones Paulino.

Se a Colômbia tem sido a referência no que a ciclistas daquela zona do globo a triunfarem ao mais alto nível diz respeito, sem esquecer o Equador que Richard Carapaz também já colocou no mapa, Linarez acredita que num futuro próximo também se comece a olhar mais para os talentos venezuelanos. "Espero que um dia aconteça com a Venezuela o que está a acontecer com a Colômbia", disse, realçando como a Caja Rural - equipa espanhola do segundo escalão mundial - contratou um seu compatriota, também sprinter: Orluis Aular, de 23 anos.

Linarez não se cansa de dizer a necessidade de trabalhar muito para que possa continuar a viver o seu sonho e concretizar o que mais deseja: "Quero correr uma grande volta. A minha preferida, como acontece com quase todos, é o Tour, mas ficaria muito feliz se fosse uma Volta a Espanha."


3 de março de 2020

Nicolas Portal, o jovem director desportivo que marcou o sucesso da Ineos

© Team Ineos
Se tanto se fala de uma nova geração de ciclistas, que tão cedo está a conquistar grandes vitórias, também se tem de falar como um jovem director desportivo se tornou uma referência, numa equipa que marca profundamente o ciclismo mundial. Nicolas Portal foi um dos homens mais importantes por trás das vitórias de Chris Froome, Geraint Thomas e Egan Bernal na Volta a França. Também ele se tornou numa das figuras da estrutura britânica, admirado e respeitado e que, sem dúvida, teve um forte contributo na importância e sucesso que a Ineos conquistou.

Infelizmente é pela pior das razões que Portal se tornou notícia esta terça-feira. Quando na Ineos se discute o que fazer com um indisciplinado Gianni Moscon, ou se tenta perceber se Chris Froome irá recuperar a sua melhor forma, o anúncio da morte de Portal deixou todos na equipa, e no mundo do ciclismo em geral, em choque. Portal sofreu um ataque cardíaco na sua casa em Andorra. Tinha apenas 40 anos. Sem surpresa, as reacções vão muito além dos ciclistas da Ineos. A palavra choque surge em muitas delas.

Como ciclista, Portal obteve alguns resultados de nota, com destaque para a vitória numa equipa no Critérium du Dauphiné, em 2004. Então representava a equipa com que tinha chegado ao profissionalismo, a AG2R. Lá estagiou em 2001, assinando contrato no ano seguinte. Em 2006 mudou-se para a espanhola Caisse d'Espargne (actual Movistar). A época de 2009 ficou marcada por problemas de saúde. Uma arritmia cardíaca fez com que perdesse parte da temporada.

No ano seguinte, a Sky contratou o francês, que cumpriu o calendário, mas no final da temporada colocou um ponto final na carreira. O projecto britânico dava os seus primeiros passos e o Dave Braisford, o director da equipa, viu em Portal um potencial reforço de qualidade para a equipa técnica. Portal viu Bradley Wiggins vencer o Tour em 2012, mas foi como um muito jovem director desportivo que ajudou Chris Froome a ganhar a mítica corrida no ano seguinte e ainda por mais três vezes. Tudo o que se seguiu faz parte da história do ciclismo e o nome de Nicolas Portal ficará sempre ligado a alguns dos maiores sucessos da então Sky, agora Ineos.

Alguns ciclistas contam que Portal tinha algumas dificuldades em comunicar com os corredores naqueles primeiros tempos na nova função. Mas o tempo, a experiência, levou-o a tornar-se numa voz de comando na equipa, tanto dentro, como fora. Brailsford, por exemplo, é um homem que pouco fala publicamente. Portal não demorou a tornar-se como um porta-voz sempre que era "chamado" pelos meios de comunicação social, por exemplo.

Numa das suas últimas entrevistas, Portal foi questionado sobre precisamente a nova geração de ciclistas, como Egan Bernal e os mais que prováveis rivais Tadej Pogacar (UAE Team Emirates) e Remco Evenepoel (Deceuninck-QuickStep). Ao Cyclingnews realçou como além do talento natural, a tecnologia hoje existente permite que os jovens ciclistas tenham muito mais cedo a percepção do que podem ou não fazer, do que precisam de melhorar, de como gerir a sua evolução.

A Ineos foi uma equipa que se destacou precisamente por conseguir explorar o que tantas vezes se apelidou de ganhos marginais, actualmente algo muito trabalhado por todas as formações ao mais alto nível. Portal, o homem das tácticas, o homem que sempre incutiu confiança aos seus ciclistas, o nice guy do pelotão - como tantos o descrevem -, a voz de comando, deixa a Ineos e o ciclismo mais pobre com a sua morte precoce.

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2 de março de 2020

"Gosto de arriscar e enquadro-me muito bem na Rádio Popular-Boavista"

Era um dos ciclistas que começava a ganhar destaque na Miranda-Mortágua, com presenças na selecção nacional, quando resolveu fazer o seu último ano de sub-23 na U.C.Mónaco. Não sendo uma equipa muito conhecida, para Gonçalo Carvalho foi uma oportunidade que não queria desperdiçar. Agora está de regresso a Portugal, numa Rádio Popular-Boavista que considera assentar-lhe bem, tanto por poder conviver com ciclistas mais experientes, como pela possibilidade de ter liberdade em algumas corridas. Tem os objectivos bem definidos e um passa pela Volta a Portugal.

"A Rádio Popular-Boavista é uma equipa com muita história. Espero que seja bom para mim estar aqui e que possa evoluir ainda mais", começou por dizer Gonçalo Carvalho. Porém, antes de se falar sobre as expectativas para 2020, recuou-se a 2019, pois representar uma equipa monegasca gera curiosidade. "O que me levou a ir foi o calendário. Fiz praticamente 40 dias UCI e todos eles com o melhor pelotão sub-23. Tentei a minha sorte. Arrisquei para tentar fazer uma boa época e, quem sabe, abrir as portas para outras equipas. Não foi o caso, mas fica o contacto e quem sabe consiga voltar a ir para fora", explicou ao Volta ao Ciclismo.

Não hesita em considerar que "a experiência em França foi muito boa", tendo competido "sempre a alto nível, com as melhores equipas de sub-23, muitas delas satélites das do World Tour". Lamentou não ter conseguido uma classificação de destaque, apesar de considerar que esteve bem durante toda a temporada, com excepção de duas quedas que chegaram a afastá-lo provas importantes. "Foi algo novo e aprende-se sempre muito. Ao correr àquele nível ganhei mais experiência e maturidade. Agora encaro as corridas de outra maneira e penso que me vai ajudar no futuro", salientou, numa comparação com o calendário que teria feito se tivesse permanecido em Portugal.

Só faz 23 anos em Dezembro, mas a sua fase neste escalão terminou. É agora um atleta de elite, ainda que continue a disputar classificações da juventude. E estar na luta por ela na Volta a Portugal é um dos seus objectivos para 2020. Mas até lá... "Penso que num Grande Prémio das Beiras e Serra da Estrela ou num Abimota, aqui em Portugal, posso fazer boas corridas, tendo em conta que sou trepador e são provas para ciclistas com as minhas características. Mas em Espanha temos as Astúrias e a Volta a Madrid e também gostaria de estar bem aí", referiu.

"Há duas equipas muito fortes, mas creio que a nossa é bastante homogénea. Certamente que vamos estar sempre na discussão das classificações"

Estas duas corridas além fronteiras são vistas também como uma forma de mostrar-se novamente a nível internacional, com Gonçalo Carvalho a não esconder como continua a ambicionar correr numa equipa estrangeira de qualidade: "Já que vamos correr Espanha, onde há uma maior visão para fora e como tenho alguns contactos nesse campo, gostaria de mostrar o meu valor e quem sabe ter uma oportunidade."

No entanto, o jovem ciclista não quer falar apenas em planos pessoais. Destacou como quer aprender com os atletas mais experientes que estão na Rádio Popular-Boavista e ajudá-los nos seus objectivos. A equipa começou 2020 com uma vitória na Prova de Abertura Região de Aveiro, por intermédio do espanhol Alberto Gallego e quer mais, mesmo que isso signifique enfrentar o poderio da W52-FC Porto e da Efapel: "Há duas equipas muito fortes, mas creio que a nossa é bastante homogénea. Temos um grupo muito forte para a montanha. Somos muito unidos. Certamente que vamos estar sempre na discussão das classificações, apesar do W52-FC Porto e da Efapel terem mais destaque. Nós vamos lá estar a dar luta."

Ficou a garantia de um ciclista que não esconde como gosta de andar ao ataque, algo comum a muitos dos atletas que fazem parte da estrutura liderada pelo director desportivo José Santos. "Gosto de arriscar e enquadro-me muito bem na Rádio Popular-Boavista", frisou. Como balanço das primeiras semanas de trabalho do ano e concluída a Volta ao Algarve, disse que estava satisfeito, tanto pelo que fez para os colegas, como depois no Malhão, onde pode testar-se um pouco. A forma física é para ir melhorando e estar forte em Abril e Maio, antes de começar a pensar na Volta a Portugal.

Olhando mais além e no que precisa de trabalhar para se tornar num ciclista mais completo, como deseja, Gonçalo Carvalho fala de imediato no contra-relógio. "É um ponto fraco meu", desabafou. Agora é tempo de continuar os treinos, pois quer muito terminar a época com bons resultados para apresentar.

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1 de março de 2020

Para Maria Martins não há impossíveis

© UCI/Federação Portuguesa de Ciclismo
Estávamos no final de 2018 quando aqui, no Volta ao Ciclismo, se tentou perceber um pouco melhor as complicadas contas para que Portugal conseguisse um apuramento inédito para os Jogos Olímpicos no ciclismo de pista. Então, no masculino, as exibições e a matemática eram animadoras e faziam acreditar que era mesmo possível. No feminino era improvável, mas não impossível. Nesse mês de Dezembro surgiu a oportunidade que Maria Martins e o seleccionador Gabriel Mendes esperavam. A partir de então, a jovem ciclista começou a escrever uma página importante na história e, menos de ano e meio depois, tornou-se na primeira a qualificar-se para uns Jogos Olímpicos nesta modalidade. Infelizmente, no masculino, as contas complicaram-se e apesar de um último esforço nos Mundiais de Berlim, Maria Martins vai sozinha até ao velódromo de Tóquio, para competir no omnium.

Não deixa de ser um resultado que premeia esta aposta no ciclismo de pista. Nos últimos anos vimos os gémeos Oliveira conquistar títulos e outras medalhas nos escalões jovens e também já em elite. Maria Martins tem sido a referência no feminino e esta semana juntou mais uma conquista histórica ao apuramento para os Jogos Olímpicos e à primeira medalha em elite nos Europeus. Conquistou o bronze nos Mundiais, na disciplina de scratch, também a primeira no feminino em elite. De referir que Maria tem apenas 20 anos.

O sonho de estar em Tóquio2020 começou então em Dezembro de 2018. Num rápido enquadramento, as provas na pista estão todas interligadas, ou seja, para se ir a um Mundial é preciso garantir a qualificação através das Taças do Mundo. O ranking para a qualificação olímpica tem em conta todas as provas, mais os Europeus. Ora naquele Dezembro, Maria Martins não tinha acesso directo às Taças do Mundo. Portugal era o quinto país de reserva, isto é, era preciso outras nações abdicarem da sua presença para que a selecção nacional fosse chamada. Para a Taça do Mundo de Londres foi isso que aconteceu.

Maria Martins é uma atleta de enorme ambição e talvez de uma dedicação ainda maior. Tendo em conta que está num país onde o ciclismo feminino continua a ter uma expressão muito reduzida - poucas equipas, poucas corridas - esta corredora tem remado contra essa maré, deixando bem claro que ninguém lhe diga que é impossível. Desde aquela Taça do Mundo em Londres que não restaram dúvidas: Maria Martins ia à luta. Os bons resultados sucederam-se, com a ciclista a aproveitar todas as portas que se foram abrindo para estar presente nas grandes competições. Em poucos meses, o apuramento olímpico passou de improvável a possível e é agora uma realidade.

Pódio de scratch: Jennifer Valente (EUA, prata), Kirsten Wild (Holanda, ouro)
e Maria Martins (Portugal, bronze)
© UCI/Federação Portuguesa de Ciclismo
A viagem até Berlim já foi feita sabendo que podia comprar o bilhete para Tóquio, mas nem por isso Maria Martins relaxou. Aliás, seria estranho se o fizesse. É uma ciclista que quer sempre mais. Depois de conquistada a medalha de bronze no scratch, no dia seguinte chegou a estar numa posição de pódio no omnium, que acabou por lhe escapar por oito pontos (foi quarta). Ainda assim, mais uma excelente indicação agora que se vai começar a olhar para os Jogos Olímpicos. De referir que o omnium é composto por quatro disciplinas: scratch (outra corrida, não a que conquistou o bronze), corrida tempo, eliminação e corrida por pontos.

Agora é esperar por Agosto, com o ciclismo de pista a ter o seu destaque entre os dias 2 e 9 desse mês. Até lá, Maria Martins vai agarrar - como sempre o faz - a oportunidade que lhe foi dada pela equipa britânica Drops, para se mostrar na estrada, depois de dois anos positivos na espanhola Sopela. A menina que começou a somar resultados promissores com as cores do Bairrada, está a caminho do momento por que tantos atletas ambicionam. Afinal, uma presença nos Jogos Olímpicos é sempre marcante e Maria Martins já fez história. Será sempre a primeira portuguesa a ter alcançado o apuramento no ciclismo de pista. Mas vai certamente à luta por mais!

Quanto aos homens, desde os Mundiais de 2019 que o apuramento começou a complicar-se. Os resultados de então ficaram aquém do esperado e, depois, não ajudou os problemas físicos dos gémeos Oliveira. Ivo falhou grande parte da temporada devido a uma grave queda, Rui está neste momento a recuperar de uma clavícula partida. Ainda assim, a selecção nacional lutou até ao fim. João Matias, Iuri Leitão e também César Martingil foram atletas que, durante este longo apuramento, trabalharam muito para alcançar o objectivo, que se sabia ser difícil dada a forte concorrência de outras selecções. Mas a Equipa Portugal nunca baixou os braços.

No lado masculino, o apuramento era apontado tanto ao omnium, como ao madison. Se se conseguisse nesta última disciplina seria perfeito, pois o omnium ficaria garantido. No entanto, apesar do esforço de Ivo Oliveira e Iuri Leitão nos Mundiais, em madison, foi a Irlanda que ficou com a vaga que Portugal procurava. É difícil esconder a sensação de desilusão, depois de tantos sucessos na pista dos portugueses. Após Tóquio será altura de pensar no novo ciclo olímpico rumo a Paris2024 e perceber-se se a aposta na pista é para manter.

Até lá, há que dar os parabéns a Maria Martins, pelo apuramento olímpico e pela medalha nos Mundiais de Berlim. Para esta ciclista não há impossíveis, apenas desafios.

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