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Quintana e a Movistar cometeram erros no Giro (Fotografia: Giro d'Italia) |
Com a participação na Volta a Itália a resultar "apenas" num segundo lugar, Nairo Quintana conseguiu o que parece ser difícil: aumentar substancialmente a pressão sobre ele para o Tour. Por mais que o colombiano diga que o pódio foi um bom resultado, por mais que Eusebio Unzué diga que ficou satisfeito com o segundo posto [A sério? Ninguém acredita!], a verdade é que Quintana falhou desde já dois dos três objectivos da temporada: não ganhou o Giro100, o que significa que também não fará a famosa dobradinha que está prestes a cumprir 20 anos desde que alguém a fez, ou seja Marco Pantani em 1998. Ganhar o Tour sempre foi a principal ambição, ambos realçaram isso desde o momento em que foi confirmada a presença do colombiano no Giro. Mas haverá uma grande diferença entre ter um Quintana vencedor da Volta a Itália no Tour e um Quintana que saiu derrotado (e de que maneira) por um surpreendente Tom Dumoulin.
Se até o próprio ciclista da Sunweb admitiu que ficou admirado por ter vencido este ano a corrida italiana, então não talvez não se possa acusar Quintana e a Movistar de se terem deixado surpreender pelo holandês. Porém, pode-se apontar falhas que não deveriam ter acontecido tanto por parte do colombiano, como da equipa, a começar pela atitude que parecia que o Giro poderia ser ganho sem que fosse preciso estar a 100%. Apesar de ter feito boas corridas de preparação - com vitórias na Volta à Comunidade Valenciana e no Tirreno-Adriatico, esta última vista como a principal prova de preparação para o Giro -, rapidamente ficou claro que Quintana não estava tão forte como inicialmente se pensava. O próprio realçou esse facto após as primeiras etapas mais complicadas da Volta a Itália. Porém, não estamos a só a falar de não estar a 100%, Quintana estava longe do seu melhor e com as suas debilidades no contra-relógio (que não parece estar interessado em melhorar muito mais), de repente, um Giro que parecia quase impossível não ser dele, escapou para um Dumoulin que não se compara como trepador ao colombiano, mas que foi mais do que suficiente para aguentar Quintana. Isto, claro, além de ser um dos melhores contra-relogistas da actualidade.
A expressão de Quintana das poucas vezes que conseguiu atacar e depois via Dumoulin ali atrás, inclusivamente chegou a apanhá-lo e até ultrapassá-lo, como na subida a Oropa, essa expressão dizia tudo. O ciclista da Movistar tinha dificuldades em responder ao que estava a acontecer. Fisicamente não estava bem, mentalmente voltou a ser aquele ciclista receoso que tanto tem marcado as suas passagens pelo Tour, sempre que tem de enfrentar Chris Froome.
Na Volta a Espanha, Quintana parecia que tinha aprendido a lição, ou seja, que não pode estar somente à espera dos que os rivais vão fazer e então responder, eventualmente contra-atacar. Quintana tomou a iniciativa, mostrou-se mais agressivo e isso deu resultado. A decisão acabou por estar na etapa que Alberto Contador atacou muito cedo e levou com ele Quintana, com a Sky a ser apanhada desprevenida. Ainda assim, a atitude diferente do colombiano fez a diferença. Menos de oito meses depois e o "velho" Quintana voltou, agora sem garra para atacar mais um Dumoulin que o colombiano sabia que tinha de ganhar vantagem por causa dos dois contra-relógios. Os ataques que fez até foram meio tristes, tal a falta de força. Duravam uns curtos instantes, nada que fizesse grandes diferenças.
Quintana pensou que podia ganhar o Giro sem desgastar-se em demasia. Acabou o Giro muito desgastado e sem a vitória. Agora é o Tour ou nada. Se tivesse ganho em Itália e perdesse em França, poderia sempre dizer justificar com a escolha de fazer estas duas grandes voltas, mas tinha uma para salvar a temporada. Tem 27 anos, tem tempo para lutar pelo Tour. Porém, sem o triunfo no Giro, se não ganhar em França poderá dar a mesma justificação, mas terá também de encarar as críticas por ter optado por este calendário, além de arriscar desta forma desperdiçar uma temporada.
A Vuelta, que venceu no ano passado, será para Alejandro Valverde. Por mais que Nairo Quintana se tenha tornado na escolha principal da Movistar para as grandes voltas, a importância de Valverde continua a ser enorme, ainda mais quando não pára de ganhar. Valverde merece a Vuelta. Valverde terá a Vuelta para si na Movistar. Quanto a Quintana, 2017 ameaça tornar-se num verdadeiro pesadelo.
A responsabilidade do que aconteceu no Giro não pode ser apenas atribuída ao ciclista. A Movistar era a melhor equipa presente, a nível global é a segunda mais forte, atrás da Sky, mas tacticamente foi previsível e claramente ineficaz. Colocar ciclistas na frente para depois, mais tarde, serem uma ajuda quando o líder lá chegar é provavelmente uma das formas de correr mais conhecidas. E sim, teve e continua a ter os seus resultados. Mas como a Sky demonstra, quando o bloco é muito forte, o melhor é correr com todos os juntos, desgastar as outras equipas, isolando os líderes, preparar terreno para que o chefe de fila ataque quando achar apropriado, ou então defender a sua posição, caso não seja etapa para grandes riscos. A Movistar dividiu-se, mas o desgaste das fugas acabava por retirar força de trabalho aos companheiros de Quintana quando chegava o momento de o ajudar.
Winner Anacona foi quem esteve melhor, mesmo lesionado. Andrey Amador foi uma desilusão, tendo sido pouco consistente. Começou tão bem e acabou por desaparecer. Os restantes colegas fizeram o que lhes era pedido: isolavam Dumoulin, mas não como o poderia fazer se trabalhassem em bloco. Não eliminaram Dumoulin nas subidas mais cedo, como era necessário. A Movistar ganhou por equipas, mas isso apenas quer dizer que fechava cedo essa classificação nas etapas. No essencial, errou.
Dizer que tudo falhou quando um ciclista fica em segundo numa grande volta até pode parecer estranho (há que não esquecer que Quintana ganhou uma etapa e que Gorka Izagirre venceu outra). Contudo, dado o potencial de Quintana - sem dúvida um dos melhores voltistas da actualidade - e da Movistar, exigia-se mais. Agora será uma pressão enorme a suportar durante o Tour.
Sem razões para festejar, Nairo Quintana viajou para o Mónaco, onde tem casa, para descansar um pouco e concentrar-se na Volta a França. O colombiano só voltará a competir quando o Tour começar a 1 de Julho, em Dusseldorf, na Alemanha. Até lá, alguns treinos passarão pelos Alpes, onde fará o reconhecimento de algumas etapas. Os seus rivais, que assistiram pela televisão ao Giro, vão a partir de domingo estar no Critérium du Dauphiné. Chris Froome, Alberto Contador, Richie Porte e Romain Bardet vão medir forças, enquanto Quintana irá tentar recuperar as muitas que perdeu (mais do que esperava e desejava) .
Se há ciclista que tem capacidade para realmente fazer a dobradinha - que vai parecendo cada vez mais inalcançável -, é Quintana. Porém, o colombiano terá de mudar principalmente a sua atitude. Não é imbatível, só porque Froome não está presente. Dumoulin será uma lição difícil de assimilar, mas é bom que o faça. Porém, o mais provável é que Quintana não volte a cometer "loucuras". Se perder o Tour, é certo que em 2018, o ano voltará a ser vivido sobre o lema tudo pela Volta a França, ou seja, o que apelida de sueño amarillo.