(Fotografia: Giro d'Italia) |
Quando na 20ª etapa da Volta a Espanha de 2015, num dia 12 de Setembro que agora parece tão longínquo, Tom Dumoulin entrou num tremendo sofrimento ao perceber que as últimas montanhas lhe iam tirar uma vitória que seria a todos os níveis surpreendentes na Vuelta, questionou-se se o ciclista alguma vez viria a ter capacidade para defrontar os melhores trepadores. Eram apenas seis segundos os que o separavam de Fabio Aru. Aquelas imagens de um ciclista de pedalada pesada, desesperado por salvar algo de uma corrida que até então estava a ser a todos os níveis brilhante, ficaram na memória. Nesse dia Dumoulin perdeu 3:52 para Aru, a Vuelta e até o pódio. O sexto lugar seria sempre um bom resultado para o então jovem de 24 anos, não fosse ter sentido que estava perto de uma grande conquista. Na altura perguntou-se: e agora Dumoulin? Já se sabia que era bom contra-relogista, mas era óbvio que tinha de evoluir muito na montanha. Em 2016 não comprovou as expectativas e nem esteve na discussão no Giro e no Tour. Venceu etapas, inclusivamente na montanha - uma à custa de Rui Costa no Tour -, mas não terminou as corridas. Hoje pode dizer-se que 2016 foi o ano de evolução de Dumoulin. Longe da pressão mediática, este holandês fez-se num ciclista completo e aos 26 anos conquista a sua primeira grande volta, inscrevendo o seu nome numa edição sempre histórica, a 100ª. O Giro é dele e merecidamente. Porém... E agora Dumoulin?
O holandês confirmou o favoritismo que tinha no esforço individual e nem um Nairo Quintana a fazer provavelmente dos melhores contra-relógios da carreira conseguiu garantir o triunfo. Era o dia de Dumoulin. É o Giro de Dumoulin! O único momento que pareceu que o líder da Sunweb podia perder a corrida foi quando o relógio deu três segundos de diferença, mas foi mais um dos vários erros de cronometragem deste final de Volta a Itália. Depois do susto, a correcção e no fim 1:24 minutos separaram os ciclistas. Estavam recuperados os 53 com que tinha começado a última etapa. Faltaram-lhe as palavras na hora de festejar. Mas palavras para quê? Foi o mais forte, o mais consistente e a vitória assenta-lhe bem.
Dumoulin passou o Giro a responder a questões. Se estava a subir melhor, se tinha perdido alguma força no contra-relógio ao perder peso, se era capaz de aguentar dias consecutivos de várias montanhas das mais difíceis, se era capaz de ganhar sem o apoio de uma equipa forte... As respostas foram claras: sobe muito melhor, continua um contra-relogista fortíssimo, aguenta mas ainda há algum trabalho a fazer e consegue ganhar sem grande ajuda dos companheiros. Contudo, este último ponto é uma situação a repensar pela Sunweb se quer fazer frente a Chris Froome e à super Sky da Volta a França. Não há dúvidas que Dumoulin irá ter num futuro próximo o objectivo de atacar o Tour. Uma das questões que agora se coloca é se este Dumoulin é mesmo mais um ciclista para lutar pelas grandes voltas, ou foi isto um daqueles momentos que alguns vivem uma vez na vida?
Pela forma como o holandês evoluiu no último ano e tendo em conta que aos 26 anos há ainda margem de progressão, será difícil de imaginar não ver Dumoulin juntar mais alguma grande volta ao Giro100. Está feito num ciclista completo, um pouco à imagem de Froome, mas ainda longe da categoria e supremacia do britânico, mais forte no contra-relógio, mais fraco na montanha (falta-lhe explosão, sendo um daqueles ciclistas que sobe a ritmo, enquanto Froome sabe bem atacar). Os próximos passos na carreira de Dumoulin têm de ser dados com calma e muito bem pensados. A pressão vai aumentar substancialmente sobre o holandês. Não se sabe se vai à Vuelta, corrida que faria mais sentido participar e tentar lutar pela vitória, deixando o Tour para o próximo o ano.
Dumoulin estará a partir de agora numa primeira linha de candidatos, sofrerá outra atenção. Mais do que saber ganhar, terá também de saber lidar com as dificuldades que lhe vão surgir. Dizem que é o novo Miguel Indurain, mas até o espanhol teve de sofrer muito antes de se tornar uma lenda do ciclismo. Dumoulin pode estar no início de ele próprio se transformar numa referência, mas agora terá de saber gerir esta nova fase da carreira. A primeira grande volta já tem, chegou o momento de confirmar que não foi uma vitória única e de saber lidar com desilusões sem desbaratar nas palavras no final das etapas.
A Sunweb já deu o primeiro passo para ajudar Dumoulin a tornar-se no voltista de luxo que pode muito bem ser. Ofereceu-lhe contrato até 2021 (tinha até 2018) e estará disposta a ceder aos pedidos do seu campeão. O holandês quer Wilco Kelderman e Laurens ten Dam ao seu lado. Não deverá ser problema e Ten Dam nem se importa de adiar a anunciada reforma. Com a vitória no Giro, não deveria ser problema para Dumoulin conseguir dar o salto para uma equipa com uma estrutura já mais forte. No entanto, a confirmar-se que o ciclista aceitou a proposta da Sunweb, tal é também um voto de confiança do holandês, que deverá sentir-se muito bem na equipa que sempre que lhe prometeu algo, cumpriu. Prometeram-lhe ser líder numa grande volta numa fase em que muito se falava e apostava em Warren Barguil e cumpriram. Prometeram-lhe contratar ciclistas a pensar nele e nas grandes voltas e cumpriram, como ficou provado não terem procurado um homem para substituir John Degenkolb nas clássicas e nos sprints. Agora comprometem-se a dar-lhe estabilidade e em ceder aos seus pedidos. E são necessários gregários de luxo, urgentemente. É absolutamente normal que Dumoulin acredite que este virão, ainda mais porque a sua vitória poderá ajudar a convencer outros ciclistas e também será importante para a chegada ou reforço dos patrocinadores.
E agora Dumoulin? Agora é tempo de celebrar uma vitória que quando começou o Giro100 era vista como improvável - um pódio talvez -, mas depois daquele contra-relógio na 10ª etapa começou a ser vista como muito provável. Nem aquela paragem para satisfazer as necessidades fisiológicas lhe estragou a corrida (mas lá que assustou, assustou). Esta será uma daquelas vitórias 100% lembrada pelo mérito do vencedor. Não haverá "ah, mas aquele caiu, furou, ou seja lá o que for". Mesmo com a Sky fora da luta por um acidente com uma moto da polícia, que também tirou a Dumoulin o seu braço direito, Kelderman, mesmo com um Quintana a dizer que estava com febre na última etapa de montanha do Giro, este foi um triunfo construído de luta, de sofrimento e a prova que o trabalho intenso de meses e meses pode acabar com a maior das recompensas.
E agora Dumoulin? É continuar a trabalhar, pois o que mais se deseja nesta altura é ver um confronto Dumoulin/Froome. São seis anos os que os separam, mas haverá tempo para termos um Dumoulin no seu melhor contra aquele Froome que tem feito do Tour a sua casa.
O último dia
Jos van Emden (Lotto-Jumbo) foi mais um holandês a subir ao pódio, mas como vencedor do contra-relógio. Até ficou mais emocionado que Dumoulin que tinha acabado de ganhar o Giro! Mikel Landa (Sky) ficou com a camisola da montanha, Fernando Gaviria (Quick-Step Floors) com a dos pontos, levando para a casa a famosa maglia ciclamino que regressou à Volta a Itália este ano e o colombiano é também o ciclista com mais vitórias: quatro. Bob Jungels (Quick-Step Floors) tirou a camisola branca da juventude a Adam Yates (Orica-Scott). O britânico foi mais um dos ciclistas prejudicado pelo incidente com a moto da polícia e nem esta classificação conseguiu segurar para salvar a sua corrida. A Movistar "limpou" a classificação por equipas, com quase uma hora de vantagem sobre a AG2R.
Ficam ainda aqui uns dados históricos sobre Dumoulin: foi o primeiro holandês a ganhar a Volta a Itália. A última vez que um ciclista venceu uma grande volta foi Joop Zoetemelk, no Tour de 1980, sendo também dele o derradeiro triunfo na Vuelta de um corredor da Holanda, em 1979.
Os portugueses
Os três representantes lusos terminaram a Volta a Itália. O destaque vai, naturalmente, para Rui Costa. O ciclista da UAE Team Emirates bem tentou a desejada etapa. Foi segundo em três etapas, com a maior frustração a ser a que perdeu ao sprint para Omar Fraile (Dimension Data). Ainda assim é uma corrida positiva para o poveiro, que pela primeira vez na carreira, aos 30 anos, competiu no Giro. Rui Costa terminou na 27ª posição, a 1:33:17 horas de Dumoulin.
José Mendes teve a oportunidade de se destacar na Bora-Hansgrohe dada a ausência de Leopold König por lesão. Porém, a equipa basicamente cumpriu todos os objectivos (e mais alguns) logo na primeira etapa, quando venceu a tirada e ficou com as camisolas todas. Depois a aposta foi na capacidade de sprint de Sam Bennett. Até Jan Bárta, outro possível líder, acabou a trabalhar para Bennett. José Mendes ainda apareceu bem em algumas etapas de montanha, mas faltou-lhe a consistência que certamente desejaria para alcançar uma classificação bem melhor que o 48º lugar, a mais de duas horas de Dumoulin. Porém, fez o que pôde numa equipa que sem König deixou de ter pretensões à geral. E, claro, sonho cumprido para o campeão nacional: participou nas três grandes voltas na carreira.
Também José Gonçalves se estreou no Giro. Foi uma pena que não tenha tido mais liberdade para entrar numa fuga e discutir uma etapa. O ciclista da Katusha-Alpecin teve o papel de acompanhar o líder Ilnur Zakarin e que bem o cumpriu. Foram várias as vezes que se o viu a trabalhar na frente da corrida, fosse para posicionar melhor o russo, fosse para perseguir, fosse para abrir caminho a algum ataque. Foi 60º, com mais de duas horas de atraso, mas certamente que a equipa estará muito satisfeita com o português. É o seu primeiro ano no World Tour, tem apenas contrato para 2017, mas vai dando demonstrações que está onde merece estar e que merece continuar por lá.
Veja aqui o resultado do contra-relógio final e as classificações finais do Giro100.
Giro d'Italia - Stage 21 - Highlights por giroditalia
»»53 segundos para resolver um Giro virado ao contrário««
»»Batalha na estrada, rumor que lançou a confusão, pazes feitas, vitória de Landa, Quintana de rosa. Que grande dia no Giro!««
E agora Dumoulin? Agora é tempo de celebrar uma vitória que quando começou o Giro100 era vista como improvável - um pódio talvez -, mas depois daquele contra-relógio na 10ª etapa começou a ser vista como muito provável. Nem aquela paragem para satisfazer as necessidades fisiológicas lhe estragou a corrida (mas lá que assustou, assustou). Esta será uma daquelas vitórias 100% lembrada pelo mérito do vencedor. Não haverá "ah, mas aquele caiu, furou, ou seja lá o que for". Mesmo com a Sky fora da luta por um acidente com uma moto da polícia, que também tirou a Dumoulin o seu braço direito, Kelderman, mesmo com um Quintana a dizer que estava com febre na última etapa de montanha do Giro, este foi um triunfo construído de luta, de sofrimento e a prova que o trabalho intenso de meses e meses pode acabar com a maior das recompensas.
E agora Dumoulin? É continuar a trabalhar, pois o que mais se deseja nesta altura é ver um confronto Dumoulin/Froome. São seis anos os que os separam, mas haverá tempo para termos um Dumoulin no seu melhor contra aquele Froome que tem feito do Tour a sua casa.
O último dia
Quick-Step Floors venceu cinco etapas e duas classificações (Fotografia: Giro d'Italia) |
Ficam ainda aqui uns dados históricos sobre Dumoulin: foi o primeiro holandês a ganhar a Volta a Itália. A última vez que um ciclista venceu uma grande volta foi Joop Zoetemelk, no Tour de 1980, sendo também dele o derradeiro triunfo na Vuelta de um corredor da Holanda, em 1979.
Os portugueses
Os três representantes lusos terminaram a Volta a Itália. O destaque vai, naturalmente, para Rui Costa. O ciclista da UAE Team Emirates bem tentou a desejada etapa. Foi segundo em três etapas, com a maior frustração a ser a que perdeu ao sprint para Omar Fraile (Dimension Data). Ainda assim é uma corrida positiva para o poveiro, que pela primeira vez na carreira, aos 30 anos, competiu no Giro. Rui Costa terminou na 27ª posição, a 1:33:17 horas de Dumoulin.
José Mendes teve a oportunidade de se destacar na Bora-Hansgrohe dada a ausência de Leopold König por lesão. Porém, a equipa basicamente cumpriu todos os objectivos (e mais alguns) logo na primeira etapa, quando venceu a tirada e ficou com as camisolas todas. Depois a aposta foi na capacidade de sprint de Sam Bennett. Até Jan Bárta, outro possível líder, acabou a trabalhar para Bennett. José Mendes ainda apareceu bem em algumas etapas de montanha, mas faltou-lhe a consistência que certamente desejaria para alcançar uma classificação bem melhor que o 48º lugar, a mais de duas horas de Dumoulin. Porém, fez o que pôde numa equipa que sem König deixou de ter pretensões à geral. E, claro, sonho cumprido para o campeão nacional: participou nas três grandes voltas na carreira.
Também José Gonçalves se estreou no Giro. Foi uma pena que não tenha tido mais liberdade para entrar numa fuga e discutir uma etapa. O ciclista da Katusha-Alpecin teve o papel de acompanhar o líder Ilnur Zakarin e que bem o cumpriu. Foram várias as vezes que se o viu a trabalhar na frente da corrida, fosse para posicionar melhor o russo, fosse para perseguir, fosse para abrir caminho a algum ataque. Foi 60º, com mais de duas horas de atraso, mas certamente que a equipa estará muito satisfeita com o português. É o seu primeiro ano no World Tour, tem apenas contrato para 2017, mas vai dando demonstrações que está onde merece estar e que merece continuar por lá.
Veja aqui o resultado do contra-relógio final e as classificações finais do Giro100.
Giro d'Italia - Stage 21 - Highlights por giroditalia
»»53 segundos para resolver um Giro virado ao contrário««
»»Batalha na estrada, rumor que lançou a confusão, pazes feitas, vitória de Landa, Quintana de rosa. Que grande dia no Giro!««
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