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Rapidamente se destacou como gregário. Como líder, ou pelo menos como um ciclista com mais liberdade, não conseguiu agarrar a oportunidade na última Vuelta. Mas neste Giro, talvez o facto de não ter tanta pressão e de ser uma Ineos Grenadiers livre de responsabilidade depois de perder Thomas logo ao terceiro dia, Geoghegan Hart aproveitou a porta que se escancarou e confirmou todo o seu potencial. Confirmou que a equipa tem a próxima geração de britânicos que já ganha grandes voltas.
Tem 25 anos, chegou à formação britânica em 2017, sendo que a passagem pela Axeon Hagens Berman foi importante no seu crescimento e na forma como rapidamente se integrou numa Sky que então estava no topo do ciclismo. A filosofia agora é outra, sem pensar em domínios e Geoghegan Hart encaixou perfeitamente nela nesta Volta a Itália. Não precisou de toda uma equipa, precisou de um apoio preciso, no momento certo.
Preparou-se para mais uma vez ser gregário. Sem Thomas ficou livre dessa responsabilidade. Ganhou uma etapa e ficou ali, no top dez, discreto, sempre bem posicionado no pelotão, à espera do momento para se colocar como candidato. Pensava-se que estava só, mas também parecia que poderia ser o suficiente para um bom resultado entre os dez melhores ou num top cinco.
A equipa mostrou que estava dedicada a conquistar etapas - sete no final (!) - e que lutar pela vitória final não seria intenção. Depois de um Tour completamente fracassado, esta Ineos Grenadiers sem Thomas não fez ninguém temê-la. Talvez a própria Sunweb tenha cometido esse erro, preocupando-se em demasia para João Almeida - o detentor da rosa durante 15 dias - e precipitando-se quando o britânico surgiu como rival.
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No contra-relógio, o britânico confirmou que se defende bem. Hindley tem ainda que melhorar. Partiram com o mesmo tempo e na chegada a Milão - nunca dois ciclistas começaram a última tirada de uma grande volta empatados -, 39 segundos em 15,7 quilómetros, marcaram a diferença com que Geoghegan Hart confirmou a surpresa no Giro, mas não na carreira.
Trabalhador, ambicioso, mas também humilde, Geoghegan Hart foi mesmo o mais forte no Giro, sabendo que tem muito a agradecer a Rohan Dennis. Mas é por isso que o ciclismo é um desporto de equipa. Talvez a Ineos Grenadiers não mais volte a ser a toda poderosa Sky, que controlava tudo e todos. Mas nesta nova filosofia teve um ciclista que acreditou, quando poucos se calhar acreditavam.
É verdade que este Giro acabou por ser um pouco atípico... à imagem deste 2020! Mas também acabou por se tornar em mais um exemplo de como a nova geração é uma vencedora e não se resume a dois ou três ciclistas.
E a época da equipa britânica agora já não é tão má. O Tour mostrou que muito tem a mudar. O Giro revelou que provavelmente esteja a perceber qual o caminho a percorrer. O único senão, por assim dizer, é que ganham mais um ciclista a quem não podem simplesmente dizer que agora terá de ser novamente gregário...
Já o caminho de Tao Geoghegan Hart é, ainda assim, incerto. Precisamente pela concorrência interna. Está em final de contrato. Mostrou que é mais um britânico vencedor, juntando-se a Bradley Wiggins, Chris Froome, Geraint Thomas e Simon Yates na lista de vencedores nas grandes voltas. E todos campeões recentes.
A Ineos Grenadiers pode ter aberto o seu projecto a outras nacionalidades, mas não tem razões para abandonar a sua génese. A evolução de Hart em quatro temporadas é a prova disso mesmo. Foi uma afirmação no momento certo para ser tido em conta para mais lideranças e não ficar mais na sombra de ninguém.
De salientar ainda que esta vitória foi dedicada a Nicolas Portal, o director desportivo que morreu em Março, aos 40 anos. Teve uma profunda influência na carreira de Froome, mas também foi muito importante para Geoghegan Hart.
Último dia
A Sunweb pagou caro não se ter mantida unida em torno de Wilco Kelderman. Não havia garantias que ganhasse, mas agora ficará sempre aquele enorme "e se Hindley tivesse ficado com o líder no Stelvio". Segundo e terceiro lugar seria em qualquer ocasião um excelente resultado, ainda mais para uma formação em fase de mudança. Mas dadas as circunstâncias, a Sunweb sai do Giro como a principal derrotada.
Já João Almeida (Deceuninck-QuickStep) sai como um dos vencedores. Foi quarto no contra-relógio ganho por Filippo Ganna (pois claro) e subiu à quarta posição, desalojando Pello Bilbao (Bahrain-McLaren). Estreia fenomenal do ciclista português numa grande volta. Sim, temos voltista. Está respondida a questão que o próprio atleta queria saber nesta sua primeira prova de três semanas.
© Giro d'Italia |
Foi um Giro memorável. E num ano tão estranho, tão complicado, tão incerto, que bom foi assistir a uma corrida assim, com dois jovens ciclistas portugueses a serem figuras da corrida.
De referir que Arnaud Démare (Groupama-FDJ) conquistou a maglia ciclamino (dos pontos), com Tao Geoghegan Hart a acumular a rosa com a branca da juventude. A Ineos Grenadiers venceu ainda colectivamente. Com sete vitórias de etapas (quatro para Ganna, duas para Geoghegan Hart e uma para Jhonatan Narváez) e três classificações, não há discussão que foi de facto a melhor. Diferente, é certo, sem domínios quase totais, mas afinal há vida nesta nova era da antiga Sky.
Classificações completas, via ProCyclingStats.
»»Sunweb contra si própria com Geoghegan Hart à espreita de ficar com a rosa««
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