23 de fevereiro de 2020

Fenómeno belga deixa marca na Volta ao Algarve

© João Calado/Volta ao Algarve
"Parabéns rapaz!" Remco Evenepoel certamente que não percebeu ou sequer ouviu as palavras de uma senhora cuja idade não a demoveu de estar umas horas à espera de saber quem seria o vencedor da Volta ao Algarve. Enquanto o belga se dirigia para o pódio, muitos foram os que o chamaram, aplaudiram, tentaram a fotografia, num ambiente espectacular em Lagoa. Todos os presentes tiveram a oportunidade de assistir a uma vitória de alguém destinado a grandes conquistas. E sim, um dia há-de ter significado dizer: "Eu vi o Evenepoel ganhar no Algarve". 

Se Evenepoel é visto na equipa como um fenómeno que aparece a cada 20 anos, então estamos perante um daqueles que marcará profundamente o ciclismo e que assim junta o seu nome a uma lista cada vez mais de luxo de vencedores da Algarvia. E as suas exibições são de alguém que pode evoluir ainda mais. Pode mesmo ser impossível não herdar a alcunha de "Canibal" do mítico Eddy Merckx.

Valeu a pena aguardar pelo "rapaz" em Lagoa. Assistiu-se a um contra-relógio canhão de Evenepoel, que derrotou o bicampeão do mundo da especialidade, Rohan Dennis. Mas é algo que vamos começar a ver cada vez mais. Este fenómeno da Deceuninck-QuickStep tem 20 anos, bate os melhores ao ataque em clássicas, ao ataque na montanha e também se pode dizer ao ataque no contra-relógio. Afinal, se se quer ser o melhor, há que vencer os melhores. Evenepoel é de topo, um perfeccionista, algo tímido na abordagem com os adeptos e sempre focado no que quer alcançar.

Este foi o melhor tempo neste percurso de Lagoa nas três últimas edição em que esta etapa ali se realizou, batendo o de Geraint Thomas em 2018 por dois segundos. 24:07 minutos para cumprir 20,3 exigentes quilómetros. Dennis (Ineos) o especialista-mor do momento ficou a dez segundos, Stefan Küng (Groupama-FDJ), vencedor há um ano em Lagoa, fez mais 19. Evenepoel é o campeão da Europa e ser o do mundo é apenas mais um título que se espera que um dia venha a conquistar.

Durante uns anos a Algarvia viu ciclistas consagrados vencerem. Geraint Thomas, Tony Martin, Richie Porte, Alberto Contador são exemplo disso. Agora, esta corrida está a ser um dos palcos do aparecimento da nova geração. Em 2019, Tadej Pogacar (UAE Team Emirates) começou no Algarve um trajecto de sucesso, agora Evenepoel - o mais novo a conquistar a Algarvia - está a continuar o seu, que também teve os primeiros sucessos na época passada. Dez vitórias como profissional, três nestes cinco dias, pois além do contra-relógio e da geral, Evenepoel venceu na Fóia. Mas há que realçar que vestiu ainda a camisola da juventude.

Duas corridas em 2020, duas vitórias. Em San Juan mostrou que não sabe correr sem ser para ganhar. Há um ano era Julian Alaphilippe que ia somando triunfos, agora é Evenepoel que vai tendo protagonismo na Deceuninck-QuickStep neste arranque de temporada. A equipa vai levar o belga ao Giro para o testar pela primeira vez numa grande. O ciclista já vai dizendo que estará em Itália para lutar por a única coisa que sabe: vitórias.

Mas a ascensão de Evenepoel, assim como a perspectiva que, mais cedo ou mais tarde, Alaphilippe poderá querer atacar a geral da Volta a França - principalmente depois de na edição passada ter andado tanto tempo de amarelo - levanta uma questão: vai a Deceuninck-QuickStep alterar um pouco a sua filosofia para apoiar estes dois ciclistas na geral? Para já, as clássicas e sprints continuam a ser o objectivo, com as gerais de corridas por etapas de uma semana a começarem a ganhar importância, com boa resposta dos ciclistas que têm de trabalhar. Para pensar nas provas de três semanas, será preciso mais.

Agora é tempo de aproveitar e ver as exibições de Evenepoel, começando a imaginar o que poderá ser quando estiver pronto para defrontar Egan Bernal (Ineos) e Tadej Pogacar, por exemplo. Quis ser futebolista, até esteve na formação do PSV e foi internacional nas camadas jovens, mas o ciclismo foi a escolha de um atleta que vai marcar uma era.

João Almeida em destaque, Rui Costa falhou pódio

Evenepoel ganhou tendo a seu lado outro jovem ciclista, que foi essencial no trabalho realizado em todas as etapas em linha. João Almeida chegou ao World Tour e em dois meses já convence na Deceuninck-QuickStep. Protegeu os líderes (incluiu-se Fabio Jakobsen no sprints), respondeu a ataques, impôs ritmo... Um gregário de luxo, cujo trabalho foi reconhecido por todos na equipa. O campeão nacional de sub-23 de fundo e contra-relógio aproveitou para em Lagoa entrar no top dez (nono a 1:40 minutos do companheiro), ficando em segundo na juventude.

Rui Costa terminou fora do pódio. Uma pequena surpresa, com o ciclista da UAE Team Emirates a não conseguir ficar à frente de Miguel Ángel López. O português ficou a 53 segundos de Evenepoel, enquanto o colombiano fez um contra-relógio bem melhor do que o esperado, somando mais 38 segundos. Bons sinais para quem vai estrear-se no Tour. Com Daniel Martin (Israel Start-Up Nation) a ser um autêntico descalabro, López fechou terceiro, atrás de Max Schachmann (Bora-Hansgrohe). Martin deu o que se tem de chamar de trambolhão na geral: passou de segundo, com o mesmo tempo de Evenepoel após a etapa do Malhão, para 11º a 1:59 minutos. Sim, o belga quando que ultrapassou o irlandês no contra-relógio.

Enquanto Rui Costa foi o melhor português (quarto, a 56 segundos), Amaro Antunes foi o melhor entre as equipas nacional. O corredor da W52-FC Porto segurou o top dez por dois segundos sobre Daniel Martin e a 1:57 de Evenepoel. Tal como tinha ficado definido ontem, Dries de Bondt (Alpecin-Fenix) foi o rei da montanha (camisola azul) e Fabio Jakobsen ficou com a camisola vermelha dos pontos. Apesar de tantas vitórias no Algarve - Jakobsen venceu o sprint em Lagos - a Deceuninck-QuickStep ainda assim não cumpriu todos os objectivos. Queria ganhar todas as etapas!

De referir ainda a Ineos. Individualmente foi uma desilusão, pois nem Geraint Thomas, nem Michal Kwiatkowski estiveram ao nível de anos anteriores, sendo que ambos poderiam ganhar pela terceira vez a corrida. Rohan Dennis só apareceu no contra-relógio. Porém, a equipa fez o suficiente para conquistar a classificação colectiva, com menos 25 segundos que a UAE Team Emirates de Rui Costa e Ivo Oliveira.

A 46ª edição da Volta ao Algarve Cofidis (este ano ganhou um naming) finalizou com espectáculo e o único problema... falta um ano para a próxima!

Classificação via FirstCycling.




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