Os gémeos Yates disseram não à Sky, com os sucesso britânico a estar
agora além da equipa que mudou a modalidade na estrada
naquele país (Fotografia: © PhotoGomezSport/La Vuelta)
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Tom Simpson (década de 60) é um nome que marca o ciclismo britânico de estrada, infelizmente não só pelas melhores razões. Tem vitórias em três monumentos (Milano-Sanremo, Volta a Flandres, Lombardia), uns Mundiais e foi ainda o primeiro corredor daquele país a vestir a mítica amarela do Tour, ainda que não a tenha mantido. A sua morte em pleno Mont Ventoux deu-lhe um estatuto de lenda, apesar do consumo de álcool e drogas, numa era muito diferente do ciclismo.
Nos anos 80 e 90 foi Robert Millar a referência, com dois segundos lugares na Vuelta e um no Giro. Quando Millar entrou na recta final da carreira apareceu Chris Boardman. Na Grã-Bretanha, aponta-se as grandes mudanças naquele país no ciclismo a uma conquista inesperada deste corredor. Nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, Boardman conquistou o ouro olímpico na perseguição individual, uma prova de pista. Tornou-se um especialista no contra-relógio e até deteve o recorde da hora. Contudo, aquela medalha de ouro, conquistada com muito trabalho, mesmo sem um apoio que hoje seria impensável não existir na Grã-Bretanha, foi a que fez com que os responsáveis iniciassem um programa que mudaria praticamente tudo no ciclismo britânico.
Nos anos seguintes a federação sofreu profundas remodelações, lutou por credibilidade de forma a garantir financiamentos e aumentou substancialmente o número de federados. Boardman tornar-se-ia uma das figuras das alterações implementadas, após terminar a carreira em 2000. Dave Brailsford seria outro dos rostos da mudança. O ciclismo britânico passaria a ser uma potência na pista e foi lá que nasceram algumas das estrelas que viriam depois a conquistar a estrada.
Mark Cavendish afirmou-se como um dos melhores sprinters da história, mas foi a chegada da Sky que abriria definitivamente o caminho do sucesso dos britânicos nas grandes voltas. Brailsford acreditava que poderia construir uma equipa forte, capaz de ganhar a Volta a França e de forma limpa. Estávamos numa fase de desconfiança, com Lance Armstrong sob suspeita, no que viria a ser confirmado como um dos maiores casos de doping organizado no ciclismo.
A Sky aproveitou o trabalho que era feito na pista e fez a passagem de ciclistas dessa vertente para a estrada, mas contratou Bradley Wiggins, um campeão olímpico na pista, já com experiência na estrada. Procurou ainda o melhor do talento estrangeiro, com uma capacidade económica que, com o passar dos anos, faz que só um não de um ciclista faça com que não contrate quem quer.
Na terceira temporada, a Sky conseguiu o seu Tour, Wiggins foi o primeiro britânico a ganhar uma grande volta e o ciclismo não mais foi o mesmo. A expressão "ganhos marginais" entrou definitivamente no léxico ciclístico e a forma dominante como encarava o Tour obrigou as restantes equipas a procurar tácticas que não têm tido muito efeito. Desde esse triunfo em 2012, só em 2014 a Sky não venceu o Tour, com Chris Froome a abandonar após queda.
Foi também em 2012 que Londres recebeu os Jogos Olímpicos e no contra-relógio todos olharam para Bradley Wiggins que cumpriu e ficou assim com ouro na pista e na estrada. A prova de fundo teve um percurso que beneficiava Mark Cavendish, mas Alexandre Vinokourov fugiu ao pelotão e o sprinter acabou até por nem terminar no pelotão. Ainda hoje é uma corrida recordada com alguma frustração, até pelo passado de doping do cazaque.
Os tentáculos da Sky foram crescendo para as outras grandes voltas e aos poucos também para as clássicas, com Wout Poels a ganhar uma Liège-Bastogne-Liège e Michal Kwiatkwoski a Milano-Sanremo. No entanto, neste tipo de corridas, ainda não apareceu a referência britânica e o no Giro e na Vuelta, Chris Froome venceu, mas a Sky não é aquela dominadora do Tour. Brailsford é tanto o mentor de um dos projectos de maior sucesso da modalidade, como um director envolto em desconfiança, mesmo que as suspeitas que surgem a acabarem por serem arquivadas, como aconteceu recentemente com Chris Froome e o caso do salbutamol ou o "pacote suspeito" de Bradley Wiggins.
Enquanto a Sky ia construindo o seu domínio, o trabalho na pista continuou, com a equipa a tentar não deixar escapar os talentos que vão surgindo. Os gémeos Yates contrariaram a tendência e disseram não à equipa. Assinaram por uma estrutura que então estava concentrada nos sprints e clássicas, mas que já tinha planos para ir mais além. Adam e Simon foram os eleitos para evoluírem dentro da então Orica-GreenEDGE (actual Mitchelton-Scott), para ali, numa equipa australiana, se tornarem uns vencedores em corridas de três semanas. Simon concretizou na Vuelta esse plano. Falta agora Adam confirmar as credenciais.
A tentação da Sky esteve sempre presente, mas os gémeos sabiam e sabem que uma mudança para a equipa britânica os atiraria para um plano diferente, numa hierarquia tão rígida que se viriam relegados a uma espera por liderança que não saberiam quanto tempo duraria. A performance no Giro, mesmo quebrando a três dias do fim e perdendo a camisola rosa para Froome, deixou a Sky (e não só) a olhar para Simon com uma vontade enorme de o contratar. Tanto ele como Adam disseram não a contratos milionários para frenovarem com quem sabem que lhes dá o estatuto máximo, ainda mais Simon que agora se tornou uma das figuras de um ciclo de ouro do ciclismo britânico.
De uma nação que não vencia grandes voltas, a Grã-Bretanha tornou-se na primeira a ganhar Giro, Tour e Vuelta no mesmo ano com três ciclistas diferentes. Geraint Thomas conseguiu furar a hierarquia da Sky para vencer o Tour, sendo ele mais um medalhado olímpico na pista. A vitória de Simon Yates até pode abrir um novo capítulo na história de sucesso da Grã-Bretanha. Um capítulo em que os britânicos continuam a conquistar grandes triunfos sem ser preciso vestir o equipamento da Sky.
E tendo em conta que cada vez mais são aqueles que procuram outras equipas, até mesmo abandonando a Sky, significa que a equipa pode ser importante, mas mais ainda são as bases criadas e que continuam a ser reforçadas. Mesmo com polémicas - suspeitas de doping, acusações de tratamento sexista - o programa britânico está a produzir campeões e campeãs ou potenciais campeões/campeãs.
Chris Froome foge à regra. É produto da estrada, queniano de nascimento e já considerado um dos melhores da história, com quatro Tours, um Giro e uma Vuelta (foi o primeiro britânico a ganhar estas duas corridas) e ainda não terá terminado. Froome é a excepção que confirma a regra.
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