Dias que pareciam ser felizes... (Fotografia: Facebook Oleg Tinkov) |
Este é um dos casos que o melhor é mesmo colocar as declarações de Tinkov, tal como estão na entrevista dada ao Cycling News. O assunto Contador surgiu quando lhe foi questionada a relação com Peter Sagan depois de ter tido que lhe queria cortar no salário, após uma fase de clássicas aquém do esperado em 2015. Com Sagan está tudo bem, já com Contador...
"Para ser honesto tenho uma relação muito pior com o Contador, mas os meios de comunicação social nunca se aperceberam disso. Aliás, eu não tenho uma relação com ele. Respeito-o como ciclista pelo passado que tem, mas como pessoa nunca me agradou. Não gosto dele. Mesmo na equipa, a maioria dos ciclistas não gosta dele. Ele acabou por ter uma má relação com quase toda a gente, exceptuando o seu grupinho espanhol."
Oleg Tinkov estava apenas a aquecer no seu discurso anti-Contador, aconselhando o director desportivo da Trek-Segafredo - equipa do espanhol em 2017 -, Luca Guercilena, "a ter cuidado". "Ele assinou com eles como um grupo, mas penso que este grupo vai criar muita confusão na Trek."
Voltando directamente ao ataque a Contador: "Pessoalmente penso que o Alberto devia deixar o ciclismo porque ele já não é tão forte. Eu deixo de ser dono de uma equipa no momento certo, no topo. Ele é um grande campeão e devia parar já. Penso que ele vai ser como um pato coxo. Ele vai parecer um estúpido. Na Vuelta ele foi deixado para trás pelos quatro ou cinco melhores ciclistas. No próximo ano vai ser pelos melhores 20. Acho que nunca mais vai ganhar uma grande Volta. Ele devia esquecer isso e abandonar."
Mas afinal o que leva Tinkov a criticar desta forma Alberto Contador? "Estou zangado porque não ganhámos o ranking World Tour [por equipas] porque ele ou caía, ou estava doente, ou abandonava. Ele não esteve na Lombardia e eu não sei se ele não fez de propósito, mas eu não gosto disso. É uma merda. Pelo dinheiro que ele ganha, isto não deveria ter acontecido. Valverde esteve doente três dias antes e competiu na Lombardia e terminou no top dez. Isso é classe."
E não se pense que o magnata ficou por aqui, porque ainda criticou a personalidade de Contador em momentos de festa, dizendo que não o convidou para a de despedida porque se ele estava doente então não deveria estar com os outros ciclistas e pegar-lhes o vírus antes dos Mundiais.
"Penso que a festa será melhor sem ele porque ele é uma pessoa triste. Ele nunca quer beber champanhe e está sempre com cuidado com o que come porque está focado em ganhar a Volta a França em Julho. Era assim que ele era em Novembro, em Moscovo. É uma atitude estúpida. Por isso é que está sempre a cair, é demasiado rígido como ele próprio, demasiado focado. O Peter [Sagan] é mais relaxado e fácil de se estar. Os que são mais sérios são sempre mais aborrecidos. Eles podem ir foder-se. São chatos, têm uma vida terrível."
As declarações de Oleg Tinkov são por um lado surpreendente, pois realmente não era conhecida que a relação com uma das suas estrelas era tão má. Percebia-se que existia tensão, agora estas palavras são de uma dureza extrema. Por outro lado, ninguém fica surpreendido por magnata falar desta forma sobre um seu ciclista. Nunca teve problemas em dizer o que pensava e não era agora que vai abandonar o ciclismo que ia parar.
Uma coisa é certa, as declarações, a serem verdade, explicam muito sobre o que aconteceu este ano com Alberto Contador e a Tinkoff. Se o apoio ao espanhol já não vinha sendo o melhor desde 2015 (pelo menos) este ano, Contador não só acabou grande parte das corridas por conta própria nos momentos decisivos e às vezes muito mais cedo, como na Volta a França viu um companheiro deixá-lo para trás, naquilo que só se pode considerar um ataque a um próprio colega que por acaso era suposto ser o líder a defender. Roman Kreuziger deu o primeiro sinal mais do que visível que a união na equipa era nula. Aliás, durante o Tour, até Sérgio Paulinho criticou as escolhas de apoio a Contador, numa entrevista ao Eurosport, considerando-as que não eram as indicadas. Mais uma demonstração que algo não ia bem na equipa russa.
Tinkov ataca Contador por ter sido deixado para trás na Vuelta. Ainda assim acabou por ser uma boa prova para o espanhol (quarto lugar), tendo em conta que não tinha equipa, algo que era da responsabilidade do magnata russo garantir que existia, que respeitaria o seu líder e que tinha qualidade para fazer frente às outras formações.
Mas mesmo Peter Sagan, que acabou por ser elogiado e foi quem mais vitórias trouxe à equipa, incluindo o monumento da Volta a Flandres, sofreu muito este ano precisamente porque não tinha companheiros para o ajudarem. Quando era preciso apanhar fugas, evitar que adversários directos atacassem, ajudar Sagan na colocação dos sprints, foram tão raras as vezes que o eslovaco teve ajuda que o ciclista fez-se valer de toda a sua qualidade para conseguir lutar contra tudo e contra todos sozinho para vencer por 13 vezes (mais a conquista do título europeu pela selecção), ao que se juntaram ainda umas camisolas de pontos e a amarela por uns dias no Tour.
Oleg Tinkov pode atacar Contador à vontade, pode até ter razão. Porém, deve também olhar para o seu trabalho, pois não basta gastar dinheiro - e parece que foram 50 milhões euros ao longo de cinco anos -, se não se constrói uma equipa coesa, que respeita o seu líder, goste-se ou não dele, uma equipa que se propõe a um objectivo e tenta alcançá-lo toda a junta, então não há campeões como Contador, nem como Froome ou Quintana que resistam.
Chris Froome tem uma Sky que roça a perfeição na Volta a França. Nairo Quintana tem uma Movistar que pode não ser tão forte como a equipa britânica, mas protege o seu líder até onde pode, dando tudo o que tem. Tinkov gostava de ter estrelas e pagava por elas, mas parece não ter percebido que no ciclismo ganham as individualidades, mas na maioria das vezes só o conseguem fazer devido ao esforço conjunto. A Tinkoff há muito que tinha deixado de se mostrar como equipa.
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