16 de outubro de 2016

A lenda de Peter Sagan a ser construída vitória após vitória

(Fotografia: Facebook UCI Doha 2016)
Mais do que conquistar pela segunda vez consecutiva o título de campeão do mundo, Peter Sagan "eliminou" um dos seus raros handicaps. Até à corrida de hoje em Doha podia dizer-se que quando estava frente a frente com os sprinters puros, Sagan tinha dificuldades em ganhar. Ora, o eslovaco pode não ser um sprinter puro, mas sabe sprintar como os melhores e bate os melhores, nos momentos certos.

Aos 26 anos Peter Sagan escreve mais um pouco de história no seu cada vez mais invejável currículo. É apenas o sexto ciclista a conseguir vencer o Mundial dois anos consecutivos. O último tinha sido o italiano Paolo Bettini (2006/2007), sendo depois preciso recuar a 1991/92, com o também transalpino Gianni Bugno a conseguir o feito. O belga Rik van Looy fê-lo em 1960/61, o compatriota Rik van Steenbergen em 1956/57 e o primeiro ciclista a conquistar dois títulos mundiais consecutivos foi também um belga, Georges Ronsse, em 1928/29. Nunca ninguém ganhou três seguidos, nunca ninguém conquistou mais de três títulos mundiais.

A história espera por Peter Sagan, nos Mundiais, nos monumentos, na Volta a França... O eslovaco pode muito bem bater o recorde de camisolas do arco-íris, pode entrar na exclusiva lista de quem ganhou todos os cinco monumentos do ciclismo, ou tornar-se o rei dos triunfos numa Volta a Flandres (que venceu este ano pela primeira vez) ou de um Paris-Roubaix, as suas clássicas preferidas. E claro, no Tour parece que ninguém lhe faz frente na discussão pela camisola verde e já tem cinco.

Vitória indiscutível de Peter Sagan
O ciclista que tantas vezes termina em segundo lugar, vai provavelmente somar muitos mais. Mas isso apenas significa que está na luta por vitórias que eventualmente acontecem e acontecem cada vez mais nos principais palcos do ciclismo mundial. Não estamos a falar de um atleta sem rival, muito pelo contrário. É o facto de os ter - talvez com Greg van Avermaet a liderar a lista - que tornam Sagan melhor, cada vez mais inteligente na sua forma de correr, cada vez mais um ciclista que se poderá tornar numa lenda do desporto.

A partir deste domingo Sagan passa também a ser um homem que ganha aos melhores sprinters. No início de 2017 voltará a ser o grande favorito para a época das clássicas, depois o principal candidato à classificação dos pontos no Tour e pelo meio certamente que aparecerão mais vitórias que alimentarão uma lenda que vai crescendo a cada ano que passa, a cada triunfo conquistado.


Um pouco de acção, muito aborrecimento, muitos abandonos e o sprint final mais ou menos esperado para animar

257,5 quilómetros e meio, debaixo de um calor que atingiu os 36 graus, com passagens pelo deserto do Qatar... Não se esperava uma corrida particularmente animada. Ainda antes da marca dos 100 quilómetros para o final o vento lá deu alguma emoção, com a selecção da Grã-Bretanha a ter ideias para partir o pelotão, mas foi a Bélgica quem concretizou, deixando precisamente os britânicos em dificuldade. Formou-se um grupo de cerca de 30 ciclistas na frente, com Peter Sagan a ser o último a lá chegar e a ter de se esforçar para não deixar fugir a frente da corrida.

Naquele momento a corrida ficou (finalmente) lançada. Mark Cavendish estava surpreendentemente quase sem apoio, sobrando apenas Adam Blythe, que curiosamente o bateu ao sprint nos Campeonatos Nacionais. Mas Cavendish era o líder, ainda que com algumas razões para ficar preocupado quando percebeu que Bélgica, Itália e Noruega tinham colocado três ou mais homens naquele grupo. Já a Alemanha foi a grande desilusão. Nem André Greipel, nem Marcel Kittel, nem John Degenkolb estavam na frente. O último ainda tentou trabalhar, mas o esforço foi em vão, ainda mais quando os belgas que ficaram para trás estavam a realizar na perfeição a missão de atrapalhar a perseguição. A atitude até valeu um atirar de água de Degenkolb a um dos ciclistas belgas. O alemão acabaria por abandonar completamente exausto, tal como Kittel, numa altura em que a diferença ultrapassava mais de três minutos.

Também a França não queria acreditar. Os seus dois sprinters também falharam na colocação. Nacer Bouhanni ainda terminou a mais de cinco minutos do vencedor, enquanto Arnaud Démare foi um dos muitos ciclistas forçados a abandonar pela organização por estarem muito atrasados no circuito (o objectivo é evitar que os líderes apanhassem homens atrasados). William Bonnet viu-se com a responsabilidade e fez o que pôde, terminando na oitava posição.

José Gonçalves abandonou após uma queda com mais dois ciclistas
O calor fez algumas vítimas, como o australiano Caleb Ewan, que estando atrasado optou por abandonar a corrida, mas foram as quedas marcaram a corrida. Algumas delas bastante aparatosas, como a que tirou o Fernando Gaviria da corrida (ver vídeo em baixo). O colombiano nem chega a cair, mas a pancada de um dos dois ciclistas que foi ao chão acabou com a sua corrida. Porém, o destaque, numa perspectiva portuguesa, vai para José Gonçalves. O ciclista ficou agarrado ao ombro, mas parece não ser grave já que ao site da Federação Portuguesa de Ciclismo, José Gonçalves explicou que queda deu-se “numa altura em que havia muita tensão no pelotão e muitas quedas". Acrescentou que "agora há que recuperar".


Nelson Oliveira e Sérgio Paulinho também não saem do Qatar com grandes recordações. Paulinho rapidamente desapareceu quando começaram os cortes. Já Nelson Oliveira ainda ficou inicialmente no segundo grupo, mas acabou por cair para o terceiro. Ambos não terminaram a prova. “O vento foi mais forte do que se previa. Até nem estávamos mal colocados, mas as selecções mais fortes e numerosas levaram vantagem na hora da colocação. Ainda andei algum tempo no segundo grupo, mas não consegui aguentar e esperei pelo terceiro, acabando por encostar, porque a diferença já era muito grande e não íamos a lado nenhum", explicou Nelson Oliveira.

                                          (Fotografia: Facebook UCI Doha 2016)
Muito calor, muito vento, pouca acção, pouco público (nenhum na maior parte do percurso). Os Mundiais do Qatar não vão ser dos mais memoráveis, pelo menos por boas razões, a não ser por Peter Sagan - somou 14 vitórias este ano, incluindo os Europeus, além de ter vencido a classificação dos pontos em quatro provas -, ou então Tom Boonen, que teve uma equipa exemplar a trabalhar para si. Na despedida ficou com a medalha de bronze, enquanto a prata ficou para um muito frustrado Mark Cavendish (há algum tempo que não se via aquele mau feitio do britânico).

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