(Fotografia: Katusha-Alpecin) |
Quando José Gonçalves fez o tempo mais rápido no ponto intermédio do contra-relógio individual, anunciou que estava na Volta a Itália para se mostrar. O que não se percebeu de imediato é que estava para mostrar um lado pouco conhecido dele: o de voltista a lutar por um lugar na geral. Nesse primeiro dia só ficaram à frente do português o campeão do mundo (Tom Dumoulin), um que tem tudo para o ser mais cedo ou mais tarde (Rohan Dennis, que é o campeão australiano) e o campeão europeu (Victor Campenaerts). E foram apenas 12 os segundos que o separaram de Dumoulin. Este foi o início de uma corrida que poderá ter definido uma nova fase na carreira do gémeo de Barcelos.
Não se vai entrar em precipitações e dizer que José Gonçalves está feito num voltista. Porém, comprovou que pode ser mais do que um excelente homem de trabalho - e isso foi notório no ano passado no Giro, quando esteve ao lado de Ilnur Zakarin -, ou um caça-etapas, como aconteceu quando representou a Caja Rural na Vuelta. A exibição de Gonçalves não foi uma que se proporcionou, como às vezes se acontece. Sem um líder definido para a Volta a Itália, o português demonstrou estar bem e José Azevedo deu-lhe mais do que a esperada liberdade para lutar por vitórias de etapas. O director da Katusha-Alpecin não hesitou em dizer que queria tentar ver ou Gonçalves ou Alex Dowsett - que também esteve bem no contra-relógio - com a camisola rosa naqueles primeiros dias. Não demorou muito a perceber-se que a primeira aposta seria sempre o ciclista português, com a equipa a protegê-lo e a colocá-lo bem no pelotão.
Não houve rosa, nem vitória de etapa (ainda foi terceiro na quinta), mas a resposta de Gonçalves ao repto que lhe foi lançado foi fabulosa. Chegou a alta montanha e o ciclista manteve-se com os primeiros. Chegaram as etapas mais difíceis e manteve uma regularidade que o permitiu terminar num inesperado 14º lugar, a 34:29 de Chris Froome. Inesperado, quando começou o Giro, porque com o passar dos dias, ficou claro que o top 20 era um objectivo. Com o passar dos dias também ficou claro que era bem possível.
A postura do português quando estava entre os líderes das equipas que procuravam ganhar o Giro, passava a ideia de quem estava bastante confortável com a responsabilidade de alcançar uma boa classificação. Não entrou em loucuras de tentar seguir ritmos que lhe poderiam custar caro mais tarde. Fez a sua corrida e a regularidade por premiada. Para a Katusha-Alpecin foi também a salvação de uma prova em que Tony Martin esteve perto, mas ainda não foi desta que regressou às vitórias nos contra-relógios e russos Viacheslav Kuznetsov e Maxim Belkov estiveram muito abaixo das expectativas.
Nesta transformação que a equipa tem estado a trabalhar nos últimos dois anos, quebrando muito com as origens russas, só há por agora um homem para a geral: Ilnur Zakarin, um russo que José Azevedo não abre mão e vai apostar forte no Tour. Ver José Gonçalves, de 29 anos, mostrar esta capacidade para a geral numa grande volta não significa que se esteja a querer transformá-lo noutro líder. É intrigante pensar no que poderá vir a seguir. Mas certo é que se for novamente chamado para estar ao lado de Zakarin, a Katusha-Alpecin terá um homem com potencial para se tornar num braço direito do líder. Ou seja, José Gonçalves poderá ser um ciclista que ficará até o mais tarde possível com Zakarin, dando um apoio mais prolongado do que aquele que o ciclista tem recebido. No Tour poderá fazer uma enorme diferença ter um corredor assim ao lado do russo.
No entanto, também se abrem outras portas a Gonçalves, principalmente no que diz respeito a Giro e Vuelta, além de o tornar ainda mais competitivo em corridas que já conta com vitórias importantes, como são as competições de uma semana. Já venceu a Volta à Turquia (pela Caja Rural) e no ano passado a Ster ZLM. Na sua segunda temporada na Katusha-Alpecin, a performance de Gonçalves na Volta a Itália ajudou-o a elevar o seu estatuto na equipa. José Azevedo está a explorar todo o potencial deste ciclista, revelando um lado que não se pode dizer que surpreenda dada qualidade que Gonçalves tem, mas que nesta fase da carreira talvez já não se esperaria ver.
Este resultado no Giro e a forma física em que se apresentou - aparentava estar mais magro - talvez ajude a explicar porque na fase das clássicas do pavé Gonçalves não tenha nenhuma. A sua preparação estava a ser pensada para outros voos. Depois de um curto descanso, o ciclista português tem no seu calendário uma viagem até à Suíça, primeiro no GP du canton d'Argovie e depois à Volta daquele país, uma das principais de preparação para o Tour. No entanto, ainda não se sabe qual será a próxima grande volta para o português. Se for a França, será uma estreia, contando com duas presenças no Giro e três na Vuelta.
Esta mudança de José Gonçalves também tem tudo para ser benéfica para a Selecção Nacional. Com uns Mundiais de Innsbruck, na Áustria, à espera de trepadores, ter este ciclista com esta capacidade e em boa forma, será algo que agradará e muito a José Poeira quando chegar o momento de escolher os ciclistas.
José Gonçalves pode ter chegado tarde ao World Tour, mas chegou muito a tempo de deixar a sua marca e até para se transformar num ciclista diferente daquele homem de ataque que estávamos habituados a ver e que não ficará preso a um papel de gregário.
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