18 de março de 2017

É preciso um campeão do mundo para derrotar um campeão do mundo. Mas esta derrota deve estar a custar a Sagan...

Sprint da Milano-Sanremo (Fotografia: Facebook da corrida)
É o senhor ciclismo, o senhor espectáculo! É devido a ciclistas como Peter Sagan que é irresistível seguir as corridas, mesmo que seja durante horas a olhar para a televisão! O show Sagan surgiu no final da subida do Poggio, a pouco mais de cinco quilómetros da meta do primeiro monumento do ano. A Milano-Sanremo estava ali à mão de semear. Mesmo na companhia de dois outros ciclistas que é difícil não se gostar, Michal Kwiatkowski (Sky) e Julian Alaphilippe (Quick-Step Floors), mesmo sabendo que o polaco já o tinha batido em Harelbeke no ano passado, Sagan parecia destinado a conquistar o seu segundo monumento. Porém, nos últimos metros assistiu-se a dois momentos que não são inéditos: Sagan cometeu um erro táctico e Kwiatkowski mostrou as suas qualidades que o fazem dos melhores ciclistas em corridas de um dia.

Pode parecer estranho falar-se de Sagan quando o vencedor foi o ciclista polaco, mas a verdade é que o bicampeão do mundo foi exemplar até aqueles metros finais. E só um campeão do mundo podia bater outro. Mas este será um segundo lugar difícil de "digerir". Já se sabe que Sagan tem tendência para rapidamente começar a pensar noutra corrida e tentar ganhá-la, contudo, será quase impossível afastar o sentimento que a Milano-Sanremo de 2017 deveria ter sido dele. Foi para Kwiatkowski e ficou muito bem entregue. A inteligência deste polaco quando é acompanhada por uma boa forma física, como finalmente estamos a ver este ano depois de vários meses muito longe do seu melhor, é garantia de vitórias. Grandes vitórias. É o primeiro monumento para o campeão do mundo de 2014, o segundo para a Sky, depois de Wout Poels ter conquistado a Liège-Bastogne-Liège na temporada passada.

Perante tanta polémica a rodear a equipa fora das competições, aos poucos os ciclistas estão a responder na estrada. O início do ano não foi auspicioso, mas em duas semanas a equipa britânica garantiu a Strade Bianche (também por Kwiatkowski), o Paris-Nice (Sergio Henao) e uma etapa no Tirreno-Adriatico (Geraint Thomas). É uma equipa em crescendo, e aquele domínio no Poggio comprovou que a Sky controladora está de volta e não é só para se ver no Tour. É certo que o trabalho estava a ser feito a pensar principalmente  em Elia Viviani, mas com Sagan a "partir" o grupo, Kwiatkowski cumpriu a sua missão e aproveitou mais uma oportunidade para conquistar um triunfo memorável para o seu currículo, cada vez mais bonito.

O próprio admitiu que não estava à espera de ganhar. Normal. Afinal, este é o monumento dos sprinters, ainda que por vezes o chamado sprinter puro possa encontrar algumas dificuldades dada as subidas na Cipressa e no Poggio. Muito se falou de ser Sagan contra os outros, mas Alexander Kristoff, John Degenkolb, Nacer Bouhanni, Fernando Gaviria, Arnaud Démare e muito menos Mark Cavendish - que ficou fora da discussão logo na Cipressa - não conseguiram responder ao ataque do eslovaco.

A Milano-Sanremo cumpriu as expectativas. São mais de 200 quilómetros para preparar os decisivos. Um erro e perde-se o monumento. Sagan comprovou esta teoria. Era claramente o mais forte para o final, mas arrancou demasiado cedo, sem que tivesse necessidade de o fazer. Faltou-lhe as forças para manter o ímpeto e lá apareceu um brilhante Kwiatkowski, a "besta negra" número dois de Sagan, depois de Greg van Avermaet.

Julian Alaphilippe foi o outro ciclista na equação, mas o francês sabia que tinha uma missão quase impossível. Mas já se sabe que para ele não há impossíveis, há apenas oportunidades, umas concretizam-se, outras não. Lá foi ele a sprintar, como o tinha feito no Paris-Nice com Arnaud Démare. Foi terceiro, mas terminou bem mais próximo do que se calhar o próprio esperaria.

Sagan voltou a queixar-se que não recebeu ajuda nos quilómetros finais, quando o trio de formou. No caso de Alaphilippe era compreensível. Muito olhou o francês para trás a ver se aparecia Gaviria, ou se o pelotão se estava a aproximar. A Quick-Step Floors até meteu Tom Boonen a trabalhar para o colombiano, mas a equipa belga continua de costas voltadas para as vitórias em monumentos. Sagan pode queixar-se, mas o maior problema foi aquela decisão de arrancar tão cedo. Mais uma vitória que lhe escapou, mais um monumento que ficou por ganhar. Não ficam dúvidas que estamos perante um ciclista único. Do género em que se parte o molde, como aconteceu com Eddy Merckx, por exemplo.

Foi pela segunda vez segundo na Milano-Sanremo, resultado que tinha alcançado naquele 2013 de temporal, que Gerald Ciolek surpreendeu ao vencer. Por uma razão ou por outra, aos 27 anos, Sagan, o homem das clássicas por excelência e das camisolas verdes na Volta a França, só tem um monumento, a Volta a Flandres, conquistada no ano passado. E as corridas do pavé terão uma grande importância na temporada do bicampeão do mundo. Pressão tem sempre, mas perante tantos segundos lugares, perante todo o que pode alcançar na carreira, continuar a ficar à porta de mais conquistas pode tornar-se frustrante, se é que Sagan vai alguma vez deixar-se dominar por esse sentimento. Mas há um que não o abandona: a ambição de lutar. O ciclismo, os adeptos, a Bora-Hansgrohe... as marcas que o patrocinam, agradecem.

Mais dois pormenores que ficam ainda desta Milano-Sanremo. Pela primeira vez em muito tempo, Sagan soube o que é ter a ajuda de uma equipa. A Bora-Hansgrohe pode não ter sido brilhante, mas foi fundamental para que o seu líder poupasse forças no momento da colocação à entrada do Poggio. Um trabalho importante e que poderá no futuro próximo, caso se repita, começar a dar os seus frutos, pois se Sagan normalmente desgasta-se por ficar sozinho muito cedo. O ataque no Poggio foi uma prova clara do que pode acontecer quando o eslovaco tem ajuda, mesmo que esta não consiga aguentar-se até mais perto do final.

O outro pormenor é o primeiro monumento de Nuno Bico (Movistar). O único português em prova estreou-se numa corrida deste calibre aos 22 anos e terminou no grupo de Mark Cavendish, a 5:24 do vencedor, na 119ª posição.

O próximo monumento será a Volta a Flandres a 2 de Abril e uma semana depois o Paris-Roubaix, que marcará o final da carreira de Tom Boonen.

Veja aqui a classificação da 108ª edição da Milano-Sanremo.



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